A catarinense Caroline Souza viu seu mundo desmoronar em 2021 quando, separada do marido, com quem acabara de comprar um apartamento pelo Minha Casa, Minha Vida, teve que enfrentar sozinha uma dívida mensal de mais de R$ 5 mil, e um salário que chegava a quase metade desse valor. Anteriormente, sua renda era suficiente para cobrir o financiamento do imóvel, despesas do dia a dia e até programas como compras, lazer e restaurantes.
A depressão era inevitável. Caroline não conseguia sequer raciocinar em busca de uma solução para a dívida, que só aumentava. Até as contas de serviços públicos, como energia e água, tiveram de ser sacrificadas. “Sempre andei corretamente, paguei minhas contas em dia. De repente, comecei a receber cartas com demandas, telefonemas e notificações extrajudiciais. . Ela ficou preocupada com a minha situação, sem poder me ajudar. É muito humilhante”, descreve.
Desesperada, ela teve que procurar orientação de um advogado, que mediou a renegociação das parcelas do apartamento com a construtora. Em 2023, mudou-se para São Paulo em busca de um emprego melhor e alugou o apartamento em Florianópolis. Com renda de aluguel e serviços autônomos, ela consegue sobreviver. Mas o resto das dívidas — cartões de crédito e empréstimos bancários, por exemplo —, que crescem como uma bola de neve, permanecem. “Tentei renegociar com os bancos no ano passado, através do Desenrola, mas não consegui descontos suficientes para quitar a dívida e cobrir as despesas mensais”, conta.
Caroline é outra brasileira que se enquadra no perfil do superendividamento passivo, alguém que contraiu dívidas por circunstâncias de vida. Ela caiu no buraco e não consegue se levantar. Está protegido pela Lei do Superendividamento, sancionada em 2021, mas ainda pouco conhecida. Há também um superendividado ativo, alguém que deliberadamente gasta mais do que ganha e, por isso, acaba acumulando dívidas. A legislação divide esse perfil em dois tipos: o ativo inconsciente, que foi imprudente, mas sem intenção de dever, e o consciente, que agiu de má-fé, com intenção de não honrar as dívidas. Para cada um desses perfis é dado um tratamento específico.
Especialistas atribuem a subjetividade desses conceitos ao motivo pelo qual poucas pessoas recorrem à Lei do Superendividamento para sair de encrencas. “Mesmo com todos os avanços que a lei trouxe, o melhor caminho é dar o primeiro passo negociando diretamente com as instituições credoras”, observa o advogado Romeu Vaz Pinto Neto, sócio civil do MTA Advogados. Ele explica que a própria legislação orienta os bancos a serem flexíveis no processo de negociação. “A lei traz um novo cenário jurídico, com conceitos importantes, como o de mínimo existencial. Mas, antes de tomar medidas judiciais, recomenda-se tentar acertar diretamente com o credor, por meio de desconto, por exemplo.”
Neto alerta que, como a situação econômica do Brasil é muito instável, ou seja, a situação que você se encontra hoje pode piorar em cinco anos e os processos tendem a alongar os prazos da dívida, é melhor não arriscar essa alternativa. “Se a pessoa não conseguir honrar as parcelas no prazo de cinco anos, que é o máximo previsto em lei, terá que renegociar a dívida em condições mais desvantajosas”.
A Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, não existe para conceder perdão de dívidas, o que seria considerado um incentivo à inadimplência, mas para garantir ao devedor o chamado “mínimo existencial”. Obriga o banco a rever contratos desse tipo de cliente e pode punir o devedor ativo consciente. A norma considera que um mínimo existencial é suficiente para que uma pessoa leve uma “vida digna”, podendo pagar compromissos essenciais, como aluguel, alimentação e serviços públicos. O processo consiste em reunir as dívidas do consumidor e determinar que, em conjunto, elas precisam respeitar o mínimo existencial, ou seja, que sobrou algum valor para o cidadão sobreviver.
O Decreto Presidencial nº 11.150/2022, que regulamentou o texto, considera que o mínimo existencial corresponde a 25% do salário mínimo. Com a política de aumento do salário mínimo iniciada no ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um novo decreto, nº 11.567/2023, limitando o valor a R$ 600.
Esse decreto foi contestado pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), no Supremo Tribunal Federal (STF). A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.097 argumenta que “o valor é incompatível com a dignidade da pessoa humana, pois impede o gozo de uma vida digna e dos direitos sociais, que devem incluir despesas com alimentação, moradia, vestuário, água, energia e gás”. A Anadep caracteriza o decreto como um “retrocesso social” contrário ao objetivo anunciado por Lula de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Segundo relato do ministro André Mendonça, a ADPF segue em julgamento.
UTI saúde financeira
O advogado Leonardo Pinheiro, especialista em direito empresarial, explica que, à semelhança do que acontece com a recuperação judicial de empresas, a Lei do Superendividamento funciona como uma UTI para a saúde financeira das pessoas físicas, na qual, por meios legais, o objetivo é remediar para sair dessa situação. “Como na UTI, às vezes o remédio faz efeito bom. Às vezes, a situação é tão ruim que, não tendo saída, a pessoa vai morrer financeiramente”, diz, lembrando que isso acontece com os devedores ativos conscientes, os caloteiros .
Para quem tem boa fé, a UTI funciona. Pela Justiça, o consumidor endividado apresenta a todos os seus credores, de uma só vez, a ação judicial de renegociação, que contém proposta de pagamento dos débitos, que pode ser quitada ou parcelada no prazo de até cinco anos. O próprio consumidor pode criar um plano de pagamento. Na audiência com o tribunal ou conciliador por ele indicado, os credores poderão se manifestar a favor ou contra o plano apresentado.
A partir de então, o plano será aprovado e as restrições cadastradas nos órgãos de consumo, como Serasa e SPC, serão suspensas. Os credores podem opor-se, como acontece em qualquer processo.
Mesmo com incentivos, a dívida continua elevada
Os dados de Mapa de Inadimplência e Renegociação de Dívidas Serasa mostram que, embora tenha havido um esforço no ano passado para endividar os brasileiros, com programas como o Desenrola e as feiras promovidas pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), os indicadores não mudaram. O fato se explica, por um lado, pela situação econômica de muitos brasileiros, que não conseguem ficar no azul mesmo com os descontos oferecidos; de outro, pela falta de alfabetização financeira, associada à cultura de consumo, característica dos brasileiros.
As estimativas são de que 15 milhões de pessoas continuem superendividadas no país, conforme cita o advogado Romeu Vaz Pinto Neto, com base em estudo sobre dívidas de alto risco, divulgado pelo Banco Central, em novembro de 2023. Não há números mais recentes.
O Mapa Padrão Serasadivulgado na última sexta-feira, indica um contingente de 72,6 milhões de consumidores com dívidas atrasadas, e não necessariamente superendividados. O volume total de dívidas soma R$ 397,5 bilhões, sendo a maior parte (29,07%) relativa a bancos e cartões de crédito e 17,54% a instituições financeiras.
Registro
O mapa mostra que, mesmo com todas as políticas de incentivo ao pagamento, as estatísticas não mudaram e, pelo contrário, em alguns meses deste ano, atingiram recordes. “Neste ano, observamos um aumento na inadimplência, incluindo dois recordes em toda a série histórica. Em março (72,89 milhões) e abril (73,42 milhões). Em junho, o número caiu e, agora, voltou a subir em julho”, comenta Thiago Ramos, coordenador da Serasa. Ele destaca ainda que a média nacional da população adulta inadimplente é de 44% e ultrapassa a metade da população de algumas unidades da Federação, como Distrito Federal (52,87%), Rio de Janeiro (54,38%) e Mato Grosso (52,36%). %).
Ramos afirma que a persistência de elevados níveis de inadimplência é justificada por fatores conjunturais e estruturais que impedem os brasileiros de superar o endividamento. “Houve, por exemplo, aumento nos preços de alguns itens da cesta básica. Há o desemprego, que ainda preocupa, e outros fatores que acabam impactando, como a falta de educação financeira nos brasileiros cultura”, ressalta.
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