A ausência de itens regionais na cesta básica nacional, prevista na Reforma Tributária, é uma das críticas ao setor alimentício. Em entrevista ao Correio, o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Galassi, comemorou a inclusão das proteínas na lista de itens que terão alíquota zero do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
No entanto, afirmou que a cesta foi “razoavelmente cumprida” e mencionou a falta de compromisso com a regionalidade. “Ainda temos algumas dúvidas em relação ao texto constitucional, que diz que o produto, a cesta básica, tem que ser saudável, nutritivo e regional”, disse.
Ainda sobre o novo regime tributário, Galassi manifestou preocupação com o crescimento desenfreado dos jogos de apostas. Ele afirmou que os brasileiros estão “deixando de comer para jogar”.
O executivo chegou a propor ao Ministério da Fazenda a tributação do segmento com o Imposto Seletivo no âmbito da Reforma Tributária para que a cesta básica pudesse ser ampliada. “Já tem crack que leva as pessoas a viverem nas ruas. Agora vamos deixar as apostas forçarem esse movimento também?”, questionou.
Na conversa, Galassi manifestou preocupação com a seca no Brasil, que afetou os estoques. Também à frente do Sindicato Nacional das Entidades do Comércio e Serviços (Unecs), ele comentou as novas tendências do segmento de varejo alimentar, apresentadas durante o evento Abras 24′ Futuro do Varejo Alimentar, que aconteceu entre os dias 16 e 17 de setembro, em Campinas (SP).
O presidente também abordou a parceria firmada com o governo federal para apoiar o programa Acreditar. Segundo ele, o objetivo é impulsionar as contratações. Confira a entrevista:
Ainda há muitas críticas à reforma tributária. Como o senhor avalia o texto que foi ao Senado?
Acho que a cesta básica nacional estava razoavelmente coberta. Ainda temos algumas dúvidas em relação ao texto constitucional, que diz que o produto, a cesta básica, tem que ser saudável, nutritivo e regional. Regionalmente só temos farinha. Não tem tapioca, açaí e uma série de outros produtos importantes na cesta e isso já está no texto constitucional.
E o Imposto Seletivo?
Eu acho que é importante. Essa é uma demanda que existe também em outros países, faz sentido porque temos que tentar de alguma forma proteger a saúde da população brasileira e o meio ambiente. Agora, simplesmente não faz sentido você ter açúcar na sua cesta básica e porque alguém coloca um pouquinho de açúcar no suco ou no refrigerante, você penaliza o suco e o refrigerante. E quanto a outros produtos que contenham açúcar? Como eles estão então? Por que apontar o dedo para essa categoria?
A Abras também critica alguns pontos sobre o percentual de imposto sobre alimentação?
Temos apenas uma quota de 7% de alimentos para consumo humano com 60% (da taxa de IVA). Você tem uma cesta básica isenta, mas basicamente todos os outros itens do setor, que o consumidor fornece, têm alíquota integral. Consumo de alimentos, bebidas, higiene, limpeza e bazar hoje nos supermercados, as famílias brasileiras pagam um imposto em torno de 13,8%, e pagarão com o texto que chegou ao Senado, neste momento, 19%.
Outro ponto criticado são as exceções na reforma. Você entende que essas exceções mais atrapalham do que ajudam?
Isto é narrativa. Porque, na verdade, o IVA que foi implementado no Brasil foi implementado no modelo europeu. O modelo europeu já existe há muito tempo com múltiplas alíquotas, então quando você tem um consumo em grande escala, por toda a população, por exemplo, os alimentos aqui no Brasil e no mundo são isentos ou com alíquota muito baixa. Porque é subsistência. Esta é já uma condição implementada em todos os países que implementaram o IVA dentro desta lógica. Tanto é que a alimentação no mundo nos países da OCDE, que utilizam o IVA, gira em torno de 6,5%. E todos os produtos de higiene, limpeza, bebidas e bazar estão em torno de 12%. Então, essa já é uma prática comum e correta.
Você é um crítico enfático das apostas. Por que você é contra a exposição às apostas?
Acho que isso é uma defesa do consumidor brasileiro. Porque esse é um processo que precisamos estudar um pouco mais a fundo, o impacto do ponto de vista da dependência. Pelo que estamos observando nas empresas e na sociedade brasileira, eles estão trazendo a ruína para muitas famílias. Esse é o ponto principal. Por exemplo, você já tem crack que leva as pessoas a viverem nas ruas. Agora vamos deixar as apostas forçarem esse movimento também? Temos que defender a sociedade brasileira. Esse, para mim, é o ponto principal.
Você ainda não vê com bons olhos a “intermediação excessiva” do iFood no mercado. Quais as razões e o que poderia ser feito para aumentar a competitividade?
O Ifood é um intermediário entre o cliente e a empresa. Você está permitindo que o intermediário tenha todo o conhecimento do consumidor, todos os dados do consumidor, em troca da simples entrega de um produto. Agora, antes de entregar esse produto, você tinha que comprar um terreno, construir uma loja, contratar inúmeros funcionários, montar essa loja, desenvolver seus consumidores, ter estoque, além de uma série de outras áreas. Tudo isso para que, no final, você entregue todo esse conhecimento, trabalho e investimento para quem simplesmente entrega o produto.
Como o setor avalia a questão da seca no Brasil, que tem impactado a produção?
Com muita preocupação. No ano passado, mostramos pesquisas sobre essa questão do meio ambiente e da temperatura. Ficamos em décimo lugar em mudanças de hábitos de consumo no setor e hoje estamos em segundo. Ou seja, num local que tem temperaturas elevadas, ou inundações, como é o caso do Sul, é preciso mudar completamente o seu hábito e até mesmo o seu modo de vida. A seca no Amazonas é intensa. Este ano, o setor amazonense precisou basicamente adquirir quatro meses de estoque para conseguir sustentar o abastecimento da população.
E como tem sido o desempenho da Abras?
Estamos preocupados, embora não seja algo em que tenhamos muita ação. Por exemplo, há 14 anos, fui presidente da Apas (Associação Paulista de Supermercados) e fiz um trabalho intenso no meio ambiente, para ter uma forma de mitigar o nosso impacto no meio ambiente. Uma delas é exatamente a questão das sacolas plásticas. Foi um esforço enorme implementarmos, pelo menos em São Paulo, a sacola reutilizável. Na época tivemos muita dificuldade, mas olhando 14 anos à frente vejo que estávamos no caminho certo. Acabei de voltar do Japão e o que mais me impressionou foi o trabalho coletivo dos japoneses. Cada um seleciona o lixo dentro de sua casa e direciona corretamente o lixo para destinos de reciclagem. Não se vê papel nas ruas de uma cidade com mais de 35 milhões de habitantes, como Tóquio.
A Abras assinou protocolo com o governo para apoiar o programa Acreditar. Quais as expectativas e próximos passos com esta parceria?
Nossa expectativa é muito clara: reduzir o número de vagas em aberto. É isso que vamos medir com esse acordo com o Ministério do Desenvolvimento. Porque teremos acesso a dados de pessoas que recebem Bolsa Família e que estão desempregadas. Ofereceremos vagas em mercados locais, dentro dessa base específica. Nossa ideia é que possamos diminuir o número de pessoas no Bolsa Família, mas, ao mesmo tempo, diminuir também o impacto que estamos tendo hoje pela falta de funcionários. Serão 357 mil vagas abertas.
Como a Abras vê as tendências para o varejo alimentar em 2025 e nos próximos anos?
A vida de um consumidor não é fácil. É um desafio. Possui inúmeros estabelecimentos comerciais, inúmeros tipos de compras e inúmeras necessidades. Então o que estamos mostrando é ‘olha, vamos tentar avançar em um modelo onde possamos melhorar a vida do consumidor, do ponto de vista de oferecer todas as possibilidades de consumo em um único local, em uma única plataforma, em um único modelo’ . Ou seja, os supermercados podem ter restaurantes, alimentos prontos, farmácias, medicamentos de venda livre, áreas ampliadas de bem-estar e oferecer consultas.
A ideia é expandir os supermercados multiuso, certo?
Sim. A ideia é tentar aumentar o número de serviços que possam melhorar a vida dos consumidores. Mas a dinâmica do futuro, às vezes você desenha um modelo de negócio, uma forma de administrar o seu negócio, mas de repente, no meio do caminho, aparece a inteligência artificial. E a inteligência artificial modela um formato totalmente novo de como as pessoas irão consumir, como as pessoas terão facilidades na sua vida quotidiana. Começo a perceber que o consumo digital vai crescer e temos outras questões para ficar de olho, por exemplo, o envelhecimento das pessoas. Precisamos entender como contratar esse público, que é uma das coisas que discutimos com o ministro, que sortimento teremos que ter.
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