As políticas econômica, monetária e fiscal do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão em destaque e em busca de credibilidade no mercado financeiro. E, atualmente, o fiscal é o que continua enfrentando mais questionamentos, tanto que, com isso, as oscilações da taxa de câmbio e da Bolsa continuam inevitáveis, como avalia o economista-chefe da Asa Investimentos, Jefferson Bittencourt, em entrevista com Correspondência.
Ele não hesita em apontar os erros da atual administração quanto aos aumentos desenfreados dos gastos e ao discurso de vítima das autoridades. “O governo não é vítima do crescimento dos gastos obrigatórios. É cúmplice”, afirma. Ele destaca decisões como o aumento real do salário mínimo, que teve forte impacto nas despesas com benefícios previdenciários e no Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O economista alerta ainda para o confisco de R$ 8,5 bilhões esquecidos nos bancos, como forma de o governo tentar escapar “da punição pelo descumprimento da meta fiscal”.
Ex-secretário do Tesouro Nacional e servidor de carreira do órgão, ele reconhece que a retomada do ciclo de aumento da taxa básica da economia (Selic) pelo Banco Central, na última quarta-feira, em decisão unânime do Comitê de Política Monetária ( Copom ), deu mais crédito à autoridade monetária e ao seu futuro presidente, Gabriel Galípolo.
Porém, para Bittencourtt, o crescimento mais forte da economia neste ano não pode ser uma licença para o governo gastar mais nos próximos anos. Abaixo estão os principais trechos da entrevista:
Porque é que o mercado reagiu mal ao adiamento do anúncio do relatório de avaliação de receitas e despesas do quarto trimestre, com a bolsa a cair e o dólar a subir?
O mercado estava péssimo e muita gente dizia que era pelo adiamento do anúncio do bloqueio adicional, que era pequeno (R$ 2,1 bilhões). Mas não fazia muito sentido. Há um sentimento internacional ruim sobre a fraqueza de todas as moedas emergentes e a do Brasil foi pior. Mas, quando há dúvidas sobre a credibilidade da condução da política fiscal, e também de vários aspectos da política económica, qualquer coisa pode causar uma reacção maior por parte daqueles que já estão sob escrutínio, por assim dizer.
Mas o pano de fundo para esta reação negativa do mercado, de certa forma, tem sido a questão fiscal?
Há alguns meses, as políticas monetárias e fiscais procuravam credibilidade. E quem falou foi o Galípolo. Ele disse que só ganharia credibilidade quando o mercado percebesse que ele tinha consistência entre o que dizia e o que fazia. Achei essa frase super boa. E ele se saiu bem no processo. Lula autorizou o aumento dos juros no último Copom, por assim dizer, tanto que ninguém do governo criticou na quarta-feira. A decisão esteve muito alinhada com o que o mercado esperava.
Como você avalia a declaração do Copom?
Talvez tenha atingido um nível que o mercado não esperava. E a única crítica que vi, e também não foi uma crítica, foi que se a afirmação fosse tão dura, o Copom poderia até ter feito um aumento de 0,50 ponto percentual de uma vez e não precisava ter dado apenas 0,25 pontos percentuais. Houve dirigentes importantes, do ponto de vista da definição da decisão, como Diogo Guillen (da Política Económica), que manifestou preferir iniciar o ciclo de aperto monetário de forma gradual. Não foi Galípolo ou a influência do governo que quis iniciar o ajuste aos poucos. Então, houve dirigentes ortodoxos, indicados pelo último governo, que também preferiram iniciar o ciclo com um reajuste menor.
O Banco Central ganhará toda a credibilidade necessária?
O processo de credibilidade do Banco Central começou com esse novo ciclo de aumento dos juros, na última decisão do Copom, que foi unânime. Mas penso que o Galipolo já tinha feito um grande esforço para ganhar essa credibilidade, ainda antes desta decisão. E o fim desse processo seria com o Banco Central aumentando a taxa de juros para ancorar as expectativas com a nomeação da nova diretoria. Acho que reduziram consideravelmente as questões sobre a real autonomia do Banco Central e haveria um possível viés de tolerância por parte da nova diretoria que assumirá a partir de 2025.
Pelas projeções do Itaú Unibanco, mesmo com a Selic em 12%, ou seja, um reajuste de 150 pontos-base, a inflação não convergirá para 3% em 2026…
Nosso diretor, Fabio Kanczuk, que foi diretor do BC, falou abertamente em uma live no Instagram, que recomendo, logo após o Copom, analisando que seria necessário um aumento de 300 pontos-base na taxa Selic para que a inflação voltasse ao centro da meta no primeiro trimestre de 2026. Pensando em um trimestre à frente, que seria a decisão da próxima reunião do Copom, em novembro, ele fez uma projeção um pouco acima de 200 pontos-base que seria suficiente. Mas ainda não convergimos nossa projeção para este novo ciclo e ainda mantemos 150 pontos base para o aumento da taxa Selic, com viés de alta. As dúvidas ainda permanecem, porque não sabemos quem serão os novos diretores do Banco Central e qual o limite de aumento permitido por Lula para a taxa de juros. Esta é a segunda questão que ainda está no ar.
E como o senhor vê o papel do ministro Fernando Haddad? Ele está sofrendo muito ou está fingindo que não sabe, mas está apoiando?
Acho que ele está fazendo todos os esforços possíveis para tentar resolver o problema do lado da receita.
Mas ele ainda não pode fazer nada do lado dos gastos…
Então acho que houve um problema com a concepção da estratégia fiscal. Houve uma mudança no nível de gastos. Fica muito claro, quando nos últimos anos antes da PEC de transição, ou antes de 2022, o nosso nível de gastos era de 18%. Agora estamos oscilando em torno de 20%. Foram duas decisões: a PEC de transição, que alterou o nível de gastos; e depois o quadro fiscal, que garante um crescimento acima desse nível. Estas duas decisões foram tomadas em quatro meses, em dezembro a transição e o enquadramento decorreram até ao final de março. Em quatro meses foram tomadas duas decisões sobre despesas, sem saber como o governo iria financiar essas duas coisas, o novo patamar e o novo crescimento das despesas.
Mas, olhando para o Orçamento de 2024, havia R$ 168 bilhões de receitas condicionadas à aprovação do Congresso, e, na proposta orçamentária de 2025, ainda há cerca de R$ 167 bilhões de receitas incertas. Como fechar as contas?
Existem receitas que dependem da aprovação do Congresso no PLOA 2025, existem duas receitas muito estranhas, aliás, que são a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto de Renda Retido na Fonte sobre os Juros sobre o Capital Próprio (JCP), que são totalmente exclusivos, pois servem para compensar a desoneração da folha de pagamento. A isenção também é temporária. Terminará em 2027, se tudo funcionar conforme planejado. Além disso, a tributação dos valores atualizados das ações dos fundos offshore é temporária, assim como os processos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O governo previa receitas de R$ 55 bilhões com o acúmulo de processos neste ano e houve frustração. Mas o problema não termina aí. E isso é muito imprudente.
Qual é a sua estimativa para o défice primário deste ano?
Temos um déficit primário estimado em 0,6% este ano e um saldo negativo de 0,9% do PIB no próximo ano, e seria necessário mudar a meta. Agora, neste ano, não exige mudança na meta fiscal, porque o governo pode chegar a esses -0,6% com o limite inferior da faixa, que é de -0,25% do PIB, mais os gastos do Rio Grande do Sul e o atraso no pagamento. do Tribunal de Contas da União (TCU), o que foi feito fora do limite. Não estamos fazendo nenhum julgamento de valor sobre como esse valor foi alcançado. E um ponto que fica em dúvida é essa questão de considerar a arrecadação dos R$ 8,5 bilhões em recursos abandonados no Banco Central, como escrevi em artigo sobre esse assunto.
Isso é confisco?
Temos vários aspectos para analisar isso e nenhum deles é bom. A primeira delas é que promove certas liberdades individuais. Há esta outra questão que é a natureza da receita. Não deve ser considerada receita primária do governo porque não envolve uma transacção voluntária do sector privado para o sector público. E há o terceiro problema que pode ser o pior de todos, salvo engano, porque, na tramitação do marco fiscal, o relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), incluiu um parágrafo na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que diz o seguinte: A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não pode traçar metas de resultados primários com descontos de despesas. Existe um protocolo muito claro para o não cumprimento da meta dentro da estrutura. E, quando o governo pega esses R$ 8,5 bilhões, e acrescenta na meta, está tentando fugir desse protocolo, o que implicaria limitar as despesas com pessoal e limitar o seu crescimento. Em outras palavras, ele está tentando escapar da punição.
É o mesmo problema com os gatilhos do limite de gastos?
O gatilho de teto também teve problemas, mas um pouco diferente. O crédito extraordinário para a pandemia estava previsto no teto desde o início. E é preciso qualificar um pouco essa discussão sobre o que foi buraco no teto e o que não foi, como auxílio caminhoneiro, auxílio taxista. Mas o limite foi mudar a Constituição.
Onde você acha que isso vai acabar?
Tem uma data que não vamos passar que é 2027. No Orçamento de 2026 para 2027, por conta de precatórios, será necessário trazer o precatório que está sendo pago fora do teto dentro do limite. Apostei em rediscussões profundas, e não sutis, porque o limite de gastos (do quadro fiscal) foi calculado errado. Todos sabiam que o teto de gastos não duraria 20 anos e duraria 10 anos, até a primeira revisão. Existem caminhos sutis para essa discussão e há caminhos grosseiros, que é deixar os precatórios para sempre fora do limite de gastos e os encargos dos precatórios não são mais primários, mas sim financeiros. Qualquer rediscussão terá os limites que conhecemos. E esse prazo será 2027, no máximo. Uma data anterior seria devido à baixa tolerância do governo em conviver com o cinto apertado. Não creio que teríamos necessariamente um encerramento do sector público se alargássemos este limite até 2026.
Mas o governo continua a aumentar as despesas. Ele voltou a participar de competições e fez diversos ajustes nos servidores. Ele não voltará rapidamente a esse limite de 1,4% do PIB no discricionário?
Há um ponto na narrativa do governo em que ele insiste em afirmar que é vítima do crescimento dos gastos obrigatórios. O governo não é vítima do crescimento dos gastos obrigatórios. Ele é cúmplice do crescimento. Por que? Foram as decisões tomadas por esta administração que fizeram com que os gastos obrigatórios crescessem mais rapidamente. Não é possível afirmar que o governo seja vítima deste crescimento dos gastos mínimos com saúde e educação. Não é possível dizer que o governo seja vítima do crescimento das despesas previdenciárias e do BPC em função do salário mínimo com reajuste real, se foi este o governo que decidiu pela regra atual do salário mínimo. Então, não dá para dizer que o governo é vítima porque os gastos obrigatórios crescem muito, essas foram decisões tomadas durante esse mandato.
E quais são as suas projeções para a dívida pública?
Tenho uma projeção de dívida menor que o mercado. Estou prevendo 77,5% do PIB, porque penso que haverá uma revisão em alta do valor nominal do PIB, o que aumenta o denominador. A dívida pública bruta poderá diminuir este ano, em relação ao PIB, porque a economia está a crescer mais rapidamente do que o esperado e não porque o governo está a gastar menos. A tendência é de crescimento da dívida de quase três pontos percentuais ao ano até o final do mandato Lula e isso é muito. E, quanto mais duro o Banco Central estiver nesse ciclo de aperto monetário, pior será essa dinâmica para o resultado fiscal.
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