A seca prolongada que atingirá o Brasil em 2024 está causando impactos significativos na produção agrícola do país, além de intensificar os custos de produção – principalmente devido ao aumento das tarifas de energia elétrica. Em 60 anos, o número de dias consecutivos sem chuva no país passou de 80 para 100, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Isto significa que o período de seca está a tornar-se mais severo e a seca está a tornar-se parte do clima do país. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Safra 2023/24 foi afetada pelo El Niño, fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico em sua porção equatorial, que provocou chuvas intensas na Região Sul.
Técnicos da empresa estão visitando regiões produtoras para o 1º Levantamento de Grãos da Safra 2024/2025, que será divulgado no dia 15 de outubro. A expectativa é que agora a seca, agravada pela possível ocorrência de La Niña, prevista para ocorrer entre setembro e novembro, possa prejudicar ainda mais a produção.
Neste contexto, culturas essenciais, como a soja, enfrentam quedas de produtividade. O milho também deve ficar comprometido pela falta de chuvas —principalmente a terceira safra. Isso poderia levar a um aumento nos preços dos produtos no mercado interno.
“A expectativa é que a estiagem prolongada afete a próxima produção, considerando o histórico de anos como 1998, 2015 e 2020, quando a colheita também foi reduzida devido a cenários de seca intensa”, diz Isadora Araújo, economista da GEP Costdrivers, empresa plataforma de projeção de dados.
Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemanden), mais de 1,5 mil municípios tiveram suas áreas produtivas prejudicadas pela seca de agosto; Desse total, 963 viram mais de 80% das suas áreas agrícolas afetadas.
“A seca prolongada está a afectar tanto a agricultura como a pecuária, e o aumento das tarifas de electricidade agrava a situação. Embora o aumento da energia pressione os custos, a queda nos preços dos factores de produção, como os fertilizantes, poderá aliviar parte deste impacto” , explica o economista.
A baixa qualidade das pastagens também afeta a pecuária e pode comprometer o abastecimento de alimentos. Os pequenos produtores, especialmente aqueles que não dispõem de sistemas de irrigação eficientes, são mais vulneráveis à seca. A agricultura familiar, responsável por parte significativa do abastecimento alimentar, é especialmente impactada.
O Cemaden alerta para o risco que atinge regiões, como o Norte, e que pode culminar em aumentos consideráveis no preço dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. “Essa combinação de seca, aumento dos custos de produção e altas tarifas de energia afeta diretamente a inflação”, destaca Araújo.
O economista lembra que, em 2024, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, já atingiu o teto da meta estipulada pelo Banco Central, com acumulado de 4,5% nos últimos 12 meses. “Esse cenário aumenta a preocupação com a inflação nos próximos meses, o que pode pressionar o Banco Central para manter a taxa Selic elevada, impactando o crédito e o consumo no país”, finaliza.
Efeito La Niña
Relatório divulgado pela Biond Agro destaca o menor crescimento da área plantada de soja para a Safra 2024/25 na comparação dos últimos cinco anos, com aumento estimado de apenas 2,55% em relação à safra anterior. A área plantada será de 47,2 milhões de hectares, refletindo margens de lucro mais estreitas e um cenário menos atrativo para o setor.
A empresa destaca que os fatores climáticos e econômicos deverão trazer desafios significativos aos produtores. Segundo o documento, o impacto do fenômeno La Niña na safra 24/25 ainda é incerto, mas preocupante. Segundo o líder de inteligência e estratégia da Biond Agro, Felipe Jordy, se o fenômeno climático vier com fraca intensidade, como é esperado, poderá ter um papel importante na colheita.
“Historicamente, esse efeito no Brasil costuma resultar em ganhos de produtividade em relação às safras anteriores. Porém, o padrão climático tem se tornado cada vez mais imprevisível, de modo que o que era habitual no passado pode não se repetir na mesma proporção agora”, afirma.
O especialista destaca que as mudanças climáticas globais estão tornando menos previsíveis os impactos de fenômenos como El Niño e La Niña, exigindo que os produtores prestem maior atenção ao planejamento e ao uso de tecnologias de mitigação de riscos climáticos.
“A variabilidade climática está cada vez mais presente nas safras brasileiras. Os produtores precisarão adotar cada vez mais práticas de gestão de riscos para minimizar os impactos e garantir a produção dentro das metas”, afirma.
Além dos desafios climáticos, as margens estreitas e os elevados custos de produção são também uma preocupação fundamental. A Biond Agro destaca que os altos custos, somados à baixa absorção do Plano Safra 24/25 e à alta taxa de juros, podem limitar os investimentos em tecnologia por parte dos produtores, impactando diretamente na produtividade das culturas.
A combinação de fatores econômicos adversos pressiona as margens dos produtores de soja, o que influencia o desempenho esperado para a safra 24/25. A produtividade prevista é de 58,2 sacas por hectare, aumento de 9% em relação à safra anterior, mas inferior à média histórica dos últimos anos com La Niña de fraca intensidade. Embora a produção de soja deva crescer 11,8%, atingindo 164,8 milhões de toneladas, esse aumento deve ser visto com cautela, considerando os desafios mencionados.
Energia e logística
Além dos impactos nas culturas, a seca deverá aumentar o custo da electricidade. Considerando os aumentos já realizados em 2024, a projeção da Gep Costdrivers é que a tarifa média no Brasil apresente um aumento anual acumulado de 9,48% nas tarifas. As hidrelétricas, responsáveis por mais de 50% da energia do país, possuem reservatórios baixos. A necessidade de acionamento de termelétricas, mais caras e menos eficientes, aumenta tarifas para consumidores e empresas.
A energia é essencial para a produção de grãos, sendo utilizada em todas as etapas do processo agrícola. Isso pressionou ainda mais os custos de produção, principalmente nas regiões mais afetadas pela seca – como os estados de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso.
“O problema é que o Brasil está mal preparado para essa seca histórica e para as queimadas criminosas que estão ocorrendo. Isso deve comprometer o orçamento em geral, além de ser sentido no bolso do consumidor”, diz Deborah Bizarria, economista e coordenadora do Livres políticas públicas.
Igualmente impactada, a logística também sofre os fortes impactos da seca, principalmente na Região Norte, onde o transporte é predominantemente fluvial, dificultando a distribuição dos produtos. Em locais como o interior do Amazonas, a falta de transporte adequado já provocou escassez de alimentos e aumento significativo dos preços.
Bizarria explica que lidar com as consequências de eventos climáticos extremos é muito mais caro do que preveni-los. “No entanto, se o país não tratar com mais seriedade a sua gestão orçamental, nunca sobrará dinheiro para políticas de prevenção. Estaremos sempre a gastar apenas em mitigação”, salienta.
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