Os efeitos da seca prolongada foram contabilizados na inflação de Setembro. Segundo dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o indicador acelerou para 0,44% no mês, resultado impulsionado pelo aumento dos preços da energia elétrica residencial e pela alta preços dos alimentos.
A variação do IPCA ficou em linha com as expectativas do mercado, que esperava alta em torno de 0,45%. A principal influência do mês veio do grupo habitação, com alta de 1,80%, devido à mudança na bandeira tarifária. Segundo o gerente de pesquisas do IBGE, André Almeida, o custo da energia elétrica residencial passou de uma queda de 2,77% em agosto para uma alta de 5,36% em setembro. “A mudança da bandeira tarifária verde em agosto, onde não havia cobrança adicional na conta de luz, para vermelha nível 1, devido ao nível dos reservatórios, foi o principal motivo desse aumento”, explicou.
A bandeira vermelha é acionada quando o custo de produção de energia aumenta, o que pode acontecer por diversos motivos, como chuvas abaixo do esperado, que reduzem o armazenamento de água nos reservatórios das hidrelétricas. A bandeira tarifária vermelha foi acionada pela primeira vez em setembro de 2024, no patamar 1, que acrescenta aproximadamente R$ 4,46 a cada 100 kWh consumidos.
Só a conta de luz teve impacto de 0,21 ponto percentual na inflação geral de setembro. A reformada Leonor Colares sentiu o impacto desta mudança e também o maior consumo de energia no bolso. “A conta de luz aumentou muito sim, mas também usamos muito o ar condicionado por causa do calor. Agora vamos ter que aguentar”, disse. Correspondência.
O segundo grupo com maior influência no resultado do IPCA de setembro foi Alimentação e bebidas, com inflação de 0,50%. O custo da alimentação em casa ficou 0,56% mais caro, após dois meses consecutivos de queda. Segundo pesquisa do IBGE, esse resultado foi influenciado em grande parte pelo aumento dos preços da carne bovina e de algumas frutas, como laranja, limão e mamão. Esses alimentos também sofreram com o impacto sazonal da falta de chuvas.
A servidora Thelma Santana, que costuma ir ao supermercado quinzenalmente, teve que trocar produtos de melhor qualidade por outros mais baratos por causa do aumento dos preços. “As marcas que eu comprava, não compro mais, procuro as mais baratas. Frutas e verduras só se compram na época. “, comentou. Ela também reclamou do aumento na conta de luz. Antes, a família de Thelma pagava cerca de R$ 100 na conta de luz, agora, com a mudança da bandeira tarifária, a conta fechou em R$ 239 no mês passado.
Choque de oferta
A subida dos preços já era esperada pelos especialistas, que vinham alertando para o impacto da escassez de água. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a alta dos preços em setembro está relacionada a um “choque de oferta” e é uma pressão inflacionária temporária.
“Temos essa questão da seca. O IPCA demonstra claramente que os núcleos estão bem comportados, mas que a seca está afetando dois preços importantes, o da energia e o dos alimentos”, disse. “É temporário, não é algo que vai durar no tempo. Logo a chuva vai chegar, e as coisas vão voltar ao normal, os preços vão voltar ao normal”, avaliou.
O chefe da equipe econômica afirmou ainda que o Banco Central precisa ser cauteloso na definição da taxa básica da economia (Selic), e que a alta dos juros não reverte o impacto da seca. “Isso não tem nada a ver com palavrões, xingar não faz chover”, enfatizou. “Isso tem que ser analisado [pelo Banco Central] com a devida cautela, para não tomar uma decisão errada devido a uma questão climática temporária, que não é permanente”, acrescentou o ministro.
Para os analistas, a resiliência da inflação ainda é um fator preocupante no longo prazo. “Consideramos que o cenário prospectivo ainda é desafiador, devido à persistente inflação de serviços e à aceleração dos preços ao produtor e de proteínas”, destacou Alexandre Maluf, economista da XP Investimentos.
Tarifas
Em setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica Selic em 0,25 ponto percentual, para 10,75% ao ano. Um dos fatores considerados para o início de um novo ciclo de aumento dos juros foi a piora das estimativas de inflação e a desancoragem das expectativas futuras. Em comunicado, a comissão responsável pelas decisões de política monetária sinalizou que a janela continua aberta para o aumento das taxas de juro na próxima reunião, marcada para novembro.
A meta de inflação, estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é de 3%, em 2024 e 2025. A margem de tolerância para que seja considerada cumprida é de 1,5 ponto percentual para baixo ou para cima. Isso significa que a inflação acumulada nos 12 meses até setembro foi de 4,42%, e o indicador está cada vez mais próximo do teto da meta de 4,50%.
Segundo Matheus Pizzani, economista da CM Capital, a inflação atual continua inconsistente com a postura do BC em termos de gestão de juros. “Destaca o facto de não dever ser visto como o principal vetor de explicação e justificação das decisões futuras da instituição”, considerou.
Outros fatores destacados pelo Copom em sua última decisão foram a resiliência da atividade econômica, as pressões no mercado de trabalho, além do hiato positivo de produtos (economia caminhando para consumir mais do que sua capacidade de produção). Segundo Pizzani, na próxima reunião do Copom deverá prevalecer uma “conversão das expectativas” para o centro da meta de inflação. “Nossa projeção atual aponta para um novo reajuste de 50 pontos-base na taxa Selic”, estimou.
*Estagiário sob supervisão de Rosana Hessel
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