A seca e as altas temperaturas no Brasil e no Vietnã impactaram significativamente o custo da produção de café. Os dois países são os maiores produtores do mundo e, juntos, respondem por mais de 50% da produção global. Segundo a Organização Internacional do Café (OIC), órgão intergovernamental formado por países exportadores e importadores, os preços subiram quase 20% no terceiro trimestre de 2024, atingindo os níveis mais elevados em quase uma década.
No Sul de Minas Gerais, estado responsável por mais da metade da produção do país, as variações na Bolsa de Valores na semana passada levaram o preço da saca de 60kg de R$ 1.455 para R$ 1.510, um aumento de 3,8% em apenas cinco dias.
As consequências dos incêndios e do período de seca extrema vivido no Brasil deverão se refletir na safra 2024/25, segundo especialistas. Os impactos causados pelas altas temperaturas e mais de 100 dias sem chuvas só serão mensuráveis a partir do novo ano cafeeiro, que vai de outubro de 2024 a setembro de 2025. Porém, o aumento dos preços já é uma realidade.
A bebida passou a ter um sabor mais amargo ao consumidor, com o custo bem acima da média oficial da inflação. Nos últimos 12 meses até setembro, o café moído acumulou alta de 22,66%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Neste ano, a aceleração é ainda maior, chegando a 24,93%.
O presidente da Comissão Nacional do Café (CNA), Fabrício Teixeira Andrade, explica que a ansiedade climática antecede até os resultados da colheita na precificação da commodity. “O mercado está muito sensível às notícias e isso aumenta a volatilidade do café na bolsa — mesmo que o mercado físico não acompanhe, porque seus resultados são sentidos mais no médio prazo”, afirma.
A alta volatilidade do mercado está diretamente relacionada aos alertas das mudanças climáticas, como avalia o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), Celírio Inácio da Silva. Segundo ele, às vezes a reação do mercado precifica um impacto maior que a realidade.
“Quando falamos em queimadas, por exemplo, isso repercute muito, e a repercussão é um dos motivos do aumento que estamos vendo. Na pesquisa que fizemos com os produtores, vimos que na prática a colheita não foi muito afetado, mas a notícia já está contribuindo para manter o preço elevado”, afirma.
Exportações recordes
Se por um lado os preços sobem, as exportações batem recordes. Em setembro deste ano foram vendidas 4,5 milhões de sacas de 60 kg, 33% a mais que os 3,3 milhões de 2023. O volume histórico acumulado em 2024, nos três primeiros trimestres do ano, também saltou para 36,4 milhões de sacas, o maior valor já registrado.
Dos 113 países que recebem café do Brasil, os Estados Unidos são o principal comprador (5,7 milhões), seguidos pelos europeus Alemanha (5,3 milhões), Bélgica (3,3 milhões) e Itália (3 milhões) e, em quinto lugar, o Japão ( 1,6 milhões).
Quanto maior a procura externa, mais competitivo se torna o mercado interno e mais difícil é manter os preços. Além disso, o Brasil tem trabalhado com outros países para introduzir a tradição cafeeira em outros territórios.
Celírio Inácio diz que isso foi feito com o Japão. O país não tinha o hábito de consumir a bebida e atualmente é o 5º maior comprador. “Trabalhamos para difundir a cultura do café pelo mundo e conseguimos ampliar o mercado com a entrada de novos consumidores. Portanto, o comércio interno brasileiro concorre com uma demanda externa que cresce cada vez mais”, afirma.
A produção nacional também está sendo pressionada pelo Vietnã. Devido ao clima, à falta de tecnologia e aos problemas logísticos de transporte das exportações para a Europa, os vietnamitas passaram a comprar café brasileiro para atender às demandas que recebem. De janeiro a setembro deste ano, foram importadas 637 mil sacas de 60 kg, 374,8% a mais que no mesmo período do ano passado. Destes, 485 mil eram da espécie robusta.
Alívio para o Vietnã
O pesquisador Renato Garcia Ribeiro, responsável pela área cafeeira do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), explica por que a nação asiática, segunda maior produtor de café do mundo, precisa apoiar a produção brasileira para atender seus compradores.
“As lavouras do Vietnã sofreram com a falta de chuvas e as altas temperaturas, o que resultou na queda da colheita, e agora os produtores enfrentam problemas no transporte da mercadoria. Algumas rotas estão bloqueadas devido à guerra no Oriente Médio e, para superar Nessa situação, o frete fica mais caro e lento, atrasando a passagem dos navios da Ásia para a Europa”, afirma.
Historicamente, o Brasil lidera o mercado internacional de café Arábica (o Vietnã domina a produção mundial de grãos Robusta, utilizados no café solúvel). Nos três primeiros trimestres foram vendidas 26,4 milhões de sacas, 26,6% a mais que em 2023, um recorde histórico.
A necessidade de preencher o espaço deixado pelo Vietnã, além de fornecer o produto ao país, criou outro marco inédito: o Brasil passou de 2,6 milhões de sacas para 7 milhões de 2023 a 2024, considerando o período de janeiro a setembro, um aumento de 170,4%.
O preço da bebida mais consumida no mundo depois da água é definido por uma série de fatores como insumos, embalagens, combustível e a própria matéria-prima, que representa de 60 a 65% do custo de produção, conforme destacou o diretor executivo da ABIC.
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