O mercado financeiro não se convenceu com a fala do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no primeiro dia após o anúncio do pacote de corte de gastos de R$ 70 bilhões em dois anos. O dólar disparou e chegou a R$ 6, e a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) voltou a operar no vermelho, registrando perdas de R$ 172,9 bilhões em dois dias.
Mesmo após o detalhamento das medidas, o valor foi considerado insuficiente para reequilibrar as contas públicas e estabilizar a trajetória de crescimento da dívida pública. Ao antecipar o anúncio de alterações no Imposto de Renda, juntamente com o anúncio de medidas de contenção de custos, o ruído aumentou.
Ontem, o dólar comercial bateu novo recorde desde o início do Plano Real, e fechou o dia cotado a R$ 5,989 à venda, alta de 1,28% em relação ao dia anterior. É bom lembrar que o real desvalorizado implica aumento de preços e maior trabalho do Banco Central para trazer a inflação para dentro da meta. Em duas semanas, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reunirá novamente e as apostas são para uma nova aceleração da taxa básica da economia (Selic), hoje em 11,25% ao ano. Agora, o aumento esperado começa em 0,75 ponto percentual, para 12% —acima das previsões anteriores, de 11,75% anuais.
A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) também operou no vermelho, refletindo o mau humor do mercado. Caiu 2,4%, registando a maior queda desde 2 de janeiro deste ano, para 124.610 pontos, num feriado nos Estados Unidos. Segundo pesquisa da Elos Ayta, apenas oito das 86 empresas da carteira do IBovespa registraram ontem rentabilidade positiva, “destacando o impacto generalizado do movimento de queda do mercado”.
Surpresa ruim
A surpresa ruim do pacote, segundo analistas, foi o anúncio da mudança na faixa de isenção do Imposto de Renda, dos atuais R$ 2.840 para R$ 5 mil, a partir de 2026. Para eles, o anúncio antecipado dessa isenção fiscal foi visto como uma derrota de Haddad para a ala política do governo. Para eles, a credibilidade de Haddad também ficou abalada e ele terá mais dificuldade em conter o ímpeto de gastos dos governos petistas.
“Não há alternativa para a equipe econômica. A ala política com Lula neste mandato está ganhando todos. Nem o câmbio de R$ 6 incomoda, porque, no fundo, existe a visão equivocada de que isso será bom para as exportações , aquelas histórias de velhas petistas”, lamentou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “O governo Lula deveria ter uma clara vantagem sobre o governo Jair Bolsonaro, uma melhor articulação política, beneficiando-se da experiência de dois mandatos. Mas o pacote de corte de gastos demonstra que isso não está acontecendo”, destacou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos .
Daniel Cunha, estrategista-chefe da corretora BGC Liquidez, lamentou a forma como o pacote foi divulgado pelo governo. “Infelizmente, a apresentação do pacote acabou desorganizada, atropelada pela decisão de última hora de incluir a isenção do imposto de renda, que acabou roubando os holofotes que deveriam estar voltados apenas para iniciativas de contenção de custos”, afirmou. “O governo acabou deixando a desejar. Quanto ao conteúdo, considerando toda a complexidade e dificuldade política de ajuste de gastos no Brasil, achei bom. Mas, na verdade, o valor ficou aquém do esperado após adiar a apresentação por tanto tempo”, afirmou.
Analistas reconhecem que o pacote vai na direção certa, pois busca adequar o crescimento das despesas obrigatórias, como o salário mínimo, ao teto do marco fiscal —com limite de até 2,5% acima da inflação—, além de à imposição de uma idade mínima para a aposentadoria dos militares, limitando ao teto os supersalários dos servidores públicos.
No entanto, o pacote ainda tem um impacto fiscal duvidoso. Segundo estimativas de especialistas em contas públicas, é possível que seja inferior ao anunciado pelo governo, em torno de 50% a 60%.
Segundo cálculos de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, as medidas anunciadas por Haddad deverão ter um impacto 62,7% menor entre 2025 e 2026 do que o estimado pela equipe econômica, de R$ 45,1 bilhões. Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco, estima um impacto um pouco maior, de R$ 53 bilhões, ainda abaixo do previsto pelo governo e insuficiente para cumprir a meta fiscal prevista no novo marco. “A escolha de mudar a regra do salário mínimo traz ganhos aquém do ideal no longo prazo, de R$ 80 bilhões, em vez de R$ 300 bilhões, se a regra fosse de 70% do PIB, assumindo um PIB médio de 2% à frente”, ele explicou.
Jeferson Bittencourt, chefe de macroeconomia da ASA, concorda que a mudança no IR foi uma surpresa ruim. “O lado das despesas do pacote não traz conforto adicional à sustentabilidade da dívida e, do lado das receitas, traz riscos de perda de receitas e direciona recursos de uma nova base tributária para um benefício fiscal de mérito muito questionável, mas inquestionavelmente inflacionário “, alertou.
A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, acrescentou o coro ao reconhecer que, apesar do pacote abordar alguns assuntos delicados e estar na direção certa, o valor ficou um pouco abaixo do que se imaginava para dar alguma sustentabilidade ao quadro fiscal até 2026. “Obviamente teremos que enfrentar uma reforma mais profunda das despesas obrigatórias daqui para frente”, alertou. Ribeiro também considerou a divulgação desajeitada e lembrou que ainda há muitas dúvidas sobre a compensação da isenção maior do IR. “A ala política acabou interferindo e gerando essa agenda em conjunto, e acho que a interpretação é que a equipe técnica não conseguiu aguentar e ter prioridade no pacote de corte de gastos. , o receio do mercado em relação ao pacote e o efeito da isenção do IR nas contas públicas”, explicou. Para o economista, o risco tende a se tornar ainda maior a partir de agora, porque 2026 é ano eleitoral e, por conta disso, a ala política continuará sendo prioridade. “Esse é o maior medo do mercado e está começando a ser incorporado também no preço”, explicou.
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