Após um momento de intensa volatilidade, é praticamente impossível concluir a previsão dos especialistas para a movimentação do dólar em 2025. No último dia de operações do ano passado, o câmbio fechou em R$ 6,18 — o que representa uma alta de 26 % nos últimos 12 meses, além de ser a maior valorização anual desde 2020, ano em que o mercado global sofreu os efeitos da pandemia de covid-19.
Apesar de ser um ano em que a maioria das moedas internacionais sofreu desvalorização em relação ao dólar, o real foi uma das moedas que registrou maior desvalorização ao longo de 2024. Em apenas um mês, os agentes de mercado aumentaram a previsão para a taxa de câmbio para o próximo ano, de US$ 5,60 para US$ 5,96, conforme último Boletim Focus de 2024, divulgado pelo Banco Central.
Em pesquisa realizada pela Elos Ayta Consultoria, a moeda brasileira teve o pior desempenho neste período em relação à cotação referencial do dólar no mercado nacional, também chamada de Dólar Ptax, na comparação com outras 26 moedas, com queda de 21,82%. no valor final. Na venda de dólares comerciais, o real registrou desvalorização de 19,15%, ficando apenas acima do peso argentino e do rublo russo.
O índice DXY, que mede a força do dólar frente às seis principais moedas do mundo, avançou 7,06% no ano passado e registrou a maior valorização anual desde 2015. No último trimestre, a moeda avançou 7,65% e atingiu em 31 de dezembro o patamar de 108.487. pontos.
A valorização do dólar no último trimestre do ano está diretamente associada à eleição do republicano Donald Trump, que defende uma moeda mais forte e registou dados económicos favoráveis no seu primeiro mandato à frente da Casa Branca, entre 2016 e 2020. Pesou também na balança a postura do Federal Reserve (Fed) — o Banco Central dos EUA — de indicar um ritmo mais lento de quedas das taxas de juros no país, o que fortalece o dólar frente a moedas emergentes, como o real.
O cenário doméstico também jogou contra o real no final do ano. Com a deterioração da inflação e das expectativas de taxas de juros, a taxa de câmbio sentiu o peso da insatisfação do mercado com a condução da política fiscal em 2024. Após a eleição de Trump, no início de novembro, a expectativa de um pacote robusto de corte de gastos cresceu entre os players do mercado. Apesar disso, as medidas anunciadas pelo governo no final do mês frustraram as expectativas do mercado.
Entre os pontos mais criticados está a isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas que recebem até R$ 5 mil. A medida foi uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pediu à equipe econômica que estudasse alternativas para colocá-la em prática. Com a desidratação do pacote no Congresso Nacional, a economia estimada pelo Ministério da Fazenda para este ano e o próximo caiu de R$ 71,9 bilhões para R$ 69,8 bilhões. O mercado prevê uma redução ainda menor nos gastos nos próximos dois anos. Como exemplo, a XP projeta economia de apenas R$ 44,3 bilhões.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, rebateu as críticas sobre a alta do dólar no país. Segundo o chefe do ministério, a valorização da moeda norte-americana foi “forte em todo o mundo”. “O câmbio não é fixo no Brasil. O dólar neste ano de 2024 termina muito forte no mundo todo. Mas acho que as intervenções do Banco Central foram corretas”, disse aos jornalistas.
Cenário fiscal
O real foi a sexta moeda mais desvalorizada do mundo no ano passado. A moeda brasileira foi a que mais perdeu valor entre todos os países do G20 (grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo, a União Europeia e a União Africana), no mesmo ano em que o Brasil sediou a reunião do bloco no Rio de Janeiro. Na avaliação do sócio e economista da G2W Investimentos Ciro Almeida, a situação fiscal do Brasil é o que mais tem pesado como principal fator para a desvalorização do real.
“O governo não tem demonstrado interesse em ter equilíbrio fiscal. Há uma política fiscal muito expansionista, que acaba gerando mais inflação, mais risco, e mais risco aumenta os juros, pois vimos a elevação dos juros futuros nos últimos dias, com todos os DIs (Depósitos Interbancários) futuros já em 15%. Então, a situação fiscal acaba representando um risco para a saúde, a confiança e a credibilidade do Brasil. Por isso, os investidores estrangeiros também preferem retirar dólares daqui e investir. mercados mais seguros”, avalia o especialista.
Em dezembro, após o dólar atingir o valor recorde de R$ 6,28 no fechamento, o Banco Central promoveu uma série de intervenções com o objetivo de frear a valorização da moeda norte-americana no país. Por meio de leilões à vista – quando a autoridade monetária vende valores de suas próprias reservas -, de swaps cambiais – que, em resumo, é a venda de moeda no mercado futuro – e de outros métodos conhecidos, o BC conseguiu promover quedas pontuais no câmbio avaliar. taxa de câmbio, mas não conseguiu reduzir o valor da moeda norte-americana para menos de R$ 6.
“O efeito (das intervenções) é pontual, no período do leilão. Depois disso, o dólar volta a subir, porque a credibilidade hoje está muito sensível. Não há confiança hoje de que o governo terá, de fato, uma preocupação fiscal”, avalia Almeida.
Além de intervenções pontuais, o Comitê de Política Monetária do BC promoveu um aumento histórico da taxa de juros na última reunião presidida por Roberto Campos Neto, aumentando a Selic em um ponto percentual em apenas uma reunião, para 12,25% ao ano. Como se não bastasse, ele também indicou em comunicado divulgado logo após a decisão que deveria haver dois novos aumentos na mesma alíquota nas duas primeiras reuniões deste ano.
Especialistas discordam sobre o patamar que a moeda deve atingir este ano. Para o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo, o dólar deve ficar próximo de R$ 6 nos próximos meses, caso não haja grandes complicações na situação macro. O economista avalia que as transações comerciais podem funcionar a favor do Brasil neste ano, com expectativa de aumento no valor obtido com as exportações.
“Provavelmente deveria retornar um pouco abaixo desses R$ 6, ficando em torno de R$ 5,80, R$ 5,70, porque o Brasil tem reservas em torno de US$ 372 bilhões, tem uma balança comercial muito forte que produz superávits em torno de US$ 80 bilhões, US$ 95 bilhões inclusive está previsto para o próximo ano”, destaca.
Economia
O dólar acima de R$ 6 deve gerar aumento de inflação no curto prazo em alguns produtos, conforme explica o economista-chefe da RC Consultores, Marcel Caparoz. “Você vai impactar, por exemplo, no preço do petróleo em real. Porque você tem o preço em dólar e, agora, em real fica mais caro. preço ao consumidor”, avalia.
Produtos eletrônicos, medicamentos e cosméticos, além de passagens aéreas, também deverão sentir o peso de um dólar mais forte, impulsionado pelo aumento do preço do Querosene de Aviação (QAV).
O superintendente de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Telles, afirma que, na avaliação da entidade, o dólar acima de R$ 6 não deve ser o novo patamar do câmbio. A projeção da CNI para dezembro de 2025 é de câmbio em torno de R$ 5,60. “Com a aprovação do pacote fiscal, entendemos que essas preocupações fiscais vão diminuir e, com isso, o dólar entrará em um processo de desvalorização frente ao real e esse patamar acima de R$ 6 não deve ser mantido”, afirma.
Mesmo com o aumento dos juros e o recente cenário de desvalorização cambial, a CNI acredita em um aumento do crescimento econômico neste ano, com crescimento do PIB de 2,4% em relação a 2024. Segundo o representante da entidade, isso deve acontecer porque, apesar da alta nas taxas de juros, com o aumento do emprego no mercado de trabalho. A confederação projetou um crescimento de 3,3% no crescimento real da massa este ano.
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