O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, ontem, com ressalvas, as contas orçamentárias do governo para 2023, primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os ministros do Tribunal seguiram a opinião do relator, Vital do Rêgo, que apontou indícios de irregularidades na concessão de benefícios fiscais considerados prioritários pelo Executivo, com destaque para o aumento de 274,4% no volume de renúncias de receitas de 2021 a 2023 e 295 ,5% na projeção de 2023 a 2026.
No relatório de 26 páginas, Vital do Rêgo fez cinco recomendações, duas advertências e cinco ressalvas —uma irregularidade e quatro impropriedades na execução do Orçamento e na gestão dos recursos públicos federais. No Balanço Geral da União também foram verificadas 10 distorções, sendo sete em valor e três em classificação.
O relator destacou no documento que, no ano passado, foram criadas 32 novas isenções fiscais com impacto negativo na arrecadação de R$ 68,4 bilhões. E, ao longo do ano, o volume de despesas tributárias somou R$ 518,9 bilhões, um aumento de 8,1%, bem acima da inflação oficial de 4,62%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Vital do Rêgo destacou que, com essa renúncia fiscal — que voltou a crescer desde 2021 e, no ano passado, respondeu por 4,78% do Produto Interno Bruto (PIB) —, seria possível “quase neutralizar a expansão do Público Federal Endividar (R$ 550 bilhões) ou ampliar em mais de três vezes o Programa Bolsa Família (R$ 166,27 bilhões) ou ainda cobrir confortavelmente o déficit previdenciário de todos os sistemas (R$ 428 bilhões)”.
Ao analisar o parecer do TCU, a especialista em contas públicas Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), destacou que, em relação às despesas tributárias, “é imprescindível avançar neste tema. Isso envolve avaliar, monitorar e revisar essas despesas.” “A indicação era que este ano haveria progressos mais concretos em relação aos quadros de despesas de médio prazo e à revisão periódica das despesas. O Projeto de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) apresentou esses elementos, mas minha percepção é que ainda há mais a fazer”, destacou.
“O TCU ataca corretamente o gasto tributário excessivo no país, em linha com os argumentos do Ministério da Fazenda. Inclusive, com visão correta da ineficácia da desoneração da folha de pagamento para os 17 setores, que foi prorrogada pelo Congresso”, avaliou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, reforçando a importância da revisão dessas despesas, mas o tribunal deixou de fora uma maior discussão sobre duas contas de gastos altíssimos: o Simples e a Zona Franca de Manaus. “Seria papel do TCU apontar o excesso de gastos tributários também nessas áreas”, argumentou.
Na opinião da Vale, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) precisa passar um pente fino nessas isenções fiscais, com o objetivo de identificar se elas realmente funcionaram ou não.
Legitimidade
O ministro do TCU destacou ainda no relatório que empresas rentáveis e grandes distribuidoras de dividendos, como Petrobras e Vale, lideram a lista de empresas beneficiadas pela isenção tributária da União, de R$ 29,5 bilhões e R$ 19,2 bilhões, respectivamente. Em 2023, a petroleira distribuiu R$ 98 bilhões em dividendos aos acionistas, e a siderúrgica, R$ 28 bilhões, que não são tributados, como na maioria dos países.
Segundo Benito Salomão, professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o fato de o governo gastar bilhões de reais em benefícios para quem não precisa de ajuda governamental é um problema recorrente, tanto para que a agenda fiscal seja a “agenda do dia” do país. “Os subsídios para empresas lucrativas como a Vale e a Petrobras são exemplos flagrantes do que acontece em todos os níveis de governo. Isso é típico do Brasil e renunciar a benefícios para quem não precisa deles é nossa rotina há mais de 60 anos. A grande vantagem da Constituição de 1988 é que, agora, isso passa pelo Orçamento e a gente sabe por causa da Lei da Transparência”, afirmou.
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional, disse que sua equipe tem trabalhado para fazer a esperada revisão dos subsídios, que totalizaram R$ 519 bilhões no ano passado . “Essa renúncia é uma despesa, porque é um dinheiro que poderia estar entrando e não está. Se incluirmos benefícios financeiros, benefícios creditícios, juros subsidiados e tudo mais, chegamos a uma conta de R$ 646 bilhões. Isso corresponde a quase 6% do PIB”, afirmou Tebet, lembrando que o Congresso, ao aprovar o teto de gastos, se comprometeu a reduzir esse percentual de 4% para 2% do PIB. “Estamos a falar em rever a despesa para requalificar, estamos a falar em rever a despesa para garantir a qualidade da despesa pública”, acrescentou.
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