Um dos setores econômicos mais afetados pelas mudanças climáticas, o agronegócio vem enfrentando queda nas áreas seguradas. Responsável pela segurança alimentar e correspondente a 23,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, a indústria agrícola tem como uma das suas principais preocupações a proteção de efeitos adversos à produção.
Somente nas enchentes no Sul do país, a agricultura acumulou R$ 4,1 bilhões em perdas registradas, enquanto a pecuária sofreu R$ 372,1 milhões em perdas, segundo o último Boletim da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). “Muitos agricultores não contratam seguros para as suas propriedades ou equipamentos e essas perdas não podem ser cobertas. Infelizmente ainda temos uma baixa penetração da cultura de compra de seguros no Brasil”, destaca o presidente do comitê de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Joaquim Cesar Neto.
O seguro rural representa atualmente apenas 11,2% do mercado segurador total. Face à emergência climática, a cobertura tem vindo a diminuir. Em 2021, foram protegidos cerca de 14 milhões de hectares. Em 2022, foram cobertos 7,3 milhões de hectares, quase metade da área que tinha seguro no ano anterior. Em 2023, a área protegida caiu para 6,2 milhões de hectares.
A falta de subsídio é um dos maiores obstáculos. O Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), subsidiado pelo governo federal, oferece aos agricultores a oportunidade de assegurar sua produção com custo reduzido. Com valor inicial de R$ 1,06 bilhão, os recursos do PSR foram reduzidos para R$ 933 milhões em 2023, levando ao indeferimento de pedidos complementares, cancelamentos de operações ou onerando ainda mais os produtores que arcam com o valor integral dos contratos.
Segundo o presidente da comissão de Seguro Rural da FenSeg, cerca de 80% dos municípios brasileiros têm menos de 50 mil habitantes. A principal ou única atividade é a agricultura. “Se houver danos graves em alguma região ou município, os agricultores desses municípios entram em colapso”, afirma.
Os desafios são cada vez mais complexos. Com o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como secas, ventos fortes e inundações, as colheitas são prejudicadas, levando a perdas significativas de produção. “O subsídio é um fator essencial para o desenvolvimento do segmento. Infelizmente, nos últimos anos tivemos dificuldades em obter recursos suficientes no momento adequado. Por exemplo, no ano passado solicitamos recursos especificamente para o estado do Rio Grande do Sul, que tem a cultura de contratar um seguro um pouco mais tarde. Solicitamos mais recursos e não tivemos sucesso. Temos uma dificuldade grande aí”, acrescenta Cesar Neto.
De modo geral, tivemos uma diminuição da área plantada segurada e isso é muito ruim”, destaca o presidente da comissão de Seguro Rural. “Com os eventos climáticos, houve diversas perdas. Como consequência, existe uma dificuldade em equilibrar todas as compensações face a uma diminuição das receitas. O desejo então é aumentar o número de agricultores segurados para poder suportar um equilíbrio maior”, acrescenta.
Plano de colheita
A cobertura insuficiente é um dos temas em debate entre o setor e o governo federal. No dia 26 será lançado o Plano Safra 2024/2025. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) entregou ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, dez pontos considerados prioritários para o próximo programa de apoio ao setor agropecuário. Entre os destaques mapeados pela confederação estão o aumento dos recursos para financiamento e o volume para o seguro rural.
Segundo o assessor técnico da Comissão Nacional de Política Agrícola da CNA, Guilherme Rios, a expectativa é que haja uma complementação de R$ 2,1 bilhões ao orçamento do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), totalizando R$ 3 bilhões. Com o valor, será possível cobrir a mesma área de proteção de 2021, quando foi alcançado o recorde brasileiro.
O subsídio ao prêmio do Seguro Rural, segundo Rios, além de um amplo trabalho de conscientização dos produtores, foi responsável pelos avanços na proteção obtidos nos últimos anos. “Com o subsídio, o produtor pode ter acesso a ferramentas de seguros a preços mais baixos. adaptado à sua realidade, possibilitando adquirir a proteção necessária para enfrentar diversos problemas, inclusive outros além das questões climáticas, como a questão dos preços e das pragas”, afirma.
Segundo o assessor técnico, em 2021, os produtores gaúchos cobriram uma área de 2,54 milhões de hectares, em 2023, apenas 953 mil. “Eventos como os ocorridos no Rio Grande do Sul, mesmo que não pudessem ser evitados, teriam sido mais fáceis de lidar se os produtores tivessem um seguro rural em condições adequadas”, destaca.
“Além disso, é importante que os recursos do programa sejam não contingentes, ou seja, não possam ser cortados. Os recursos aprovados para 2023, pouco mais de R$ 900 milhões, estão desprotegidos e já sofreram cortes desde sua liberação”, completa.
Antecedentes de catástrofe indefinidos
O Congresso Nacional prepara proposta que regulamenta o Fundo para Catástrofes (Lei Complementar 137/2010), destinado a eventos extremamente catastróficos ou atividades de alto risco. Para a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), o fundo seria fundamental para equalizar e estabilizar as seguradoras em casos de eventos climáticos severos, acima da série histórica.
“As mudanças nos padrões climáticos, como secas prolongadas, inundações repentinas, geadas tardias ou precipitações excessivas e todas as suas consequências têm sido resultado de um grande trabalho e discussão por parte do sector. Muitas estratégias adaptativas, investigação e desenvolvimento de políticas agrícolas eficazes foram desenvolvidas. Porém, a falta de incentivo público para implementação dessas ferramentas tem dificultado o progresso”, avalia Guilherme Rios.
Sustentabilidade
A sustentabilidade do setor segurador e a situação dos resseguradores, responsáveis por compensar as seguradoras em caso de perdas numa apólice, são preocupantes, dado o aumento exponencial dos sinistros devido a condições meteorológicas adversas. O recorde de indenização foi em 2022, sob os efeitos mais severos do El Niño, quando foram pagos R$ 8,8 bilhões aos agricultores segurados. O valor pago em 2023 foi bem menor, cerca de R$ 2 bilhões.
Secas, granizo e geadas foram responsáveis por 87% dos sinistros do seguro agrícola em pouco mais de 11 anos, segundo levantamento divulgado pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros (CNSeg). Esses eventos totalizaram mais de 122.698 ocorrências de um total de 141.354 registradas no Cadastro Nacional de Sinistros Rurais (RNS).
Apesar do cenário ser mais adverso, a atividade empresarial na área de resseguros continua a crescer. Segundo dados da plataforma IRB+Inteligência, que analisa o mercado segurador, o repasse de prêmios de seguradoras para resseguradoras atingiu R$ 25,2 bilhões em 2023, um aumento de 8,9% em relação ao ano anterior.
Somente em janeiro de 2024, as seguradoras contrataram R$ 2,8 bilhões em resseguros, um aumento de 3,6% em relação ao mesmo mês do ano passado, considerado o maior valor já registrado na série histórica, iniciada em 2014. “Os resseguradores no Brasil enfrentaram um período de crescimento, mas com desafios significativos”, avalia Gesner Oliveira, professor e pesquisador do Instituto de Inovação em Seguros e Resseguros da FGV (FGV IISR).
Segundo Oliveira, os riscos relacionados às mudanças climáticas estão levando a uma reavaliação dos preços dos seguros e dos modelos de concessão de crédito. “As seguradoras estão cada vez mais conscientes de que os modelos tradicionais podem não ser suficientes para capturar toda a gama de riscos associados às alterações climáticas”, considera.
Segundo o pesquisador, o cenário pode resultar em prêmios mais elevados e critérios de subscrição mais rígidos, o que, por sua vez, afeta a acessibilidade dos seguros aos consumidores. “O mercado de seguros desempenha um papel crucial na mitigação dos impactos das catástrofes climáticas. A indústria seguradora enfrenta um cenário desafiador que exige inovação, colaboração com governos e outras partes interessadas, e um compromisso contínuo com a pesquisa e desenvolvimento de novas soluções de gestão de risco”, acredita.
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