Num mundo marcado por acontecimentos imprevisíveis — como a pandemia de covid-19, a epidemia de dengue e as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul, para citar as mais recentes — o mercado segurador enfrenta novos desafios. Ao mesmo tempo que os operadores precisam de lidar com situações complexas, como catástrofes climáticas e doenças infecciosas de grande alcance, cresce a percepção de que a aquisição de seguros é uma medida importante. Neste especial, o Correspondência apresenta a situação atual do mercado de seguros, com detalhes dos tipos mais utilizados por consumidores e empresas. O leitor poderá conhecer a grande variedade de produtos oferecidos para atender às necessidades dos clientes — desde residências até investimentos no mercado financeiro. Mais do que nunca, investir na prevenção é um bom negócio. E está cada vez mais acessível.
Condições meteorológicas extremas e o mercado de seguros
A tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul, entre os meses de abril e maio, deixou imagens que jamais serão esquecidas. As tempestades e o aumento do volume dos rios deixaram cidades inteiras cobertas de água durante vários dias, com perdas difíceis de contabilizar. Dado o cenário de crescentes catástrofes climáticas, o fortalecimento do mercado segurador tem-se revelado essencial para a resiliência económica e a proteção das comunidades.
Com a crescente frequência e intensidade dos eventos extremos, as perdas económicas podem ser substanciais, afetando não só indivíduos e empresas, mas também a estabilidade financeira de regiões inteiras. Segundo o último Boletim de Desastres, divulgado na semana passada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), no dia 14 de junho, as perdas financeiras chegaram a R$ 12,2 bilhões e o setor habitacional foi o mais afetado pelas enchentes, com impacto de R$ 4,7 bilhões. Até o momento, 110.900 unidades foram danificadas ou destruídas.
“Ainda estou em estado de choque, sem saber o que fazer e tentando voltar à vida normalmente”, relata o servidor público aposentado Alcides Barcellos, 75 anos, que teve casa e veículo totalmente destruídos pelas chuvas do Bairro dos Farrapos, no Porto. Alegre, próximo ao Aeroporto Salgado Filho, que ainda não tem data específica para a retomada das operações. “O imóvel ainda está de pé, mas perdi tudo que tinha. Meu bairro ficou completamente alagado e ainda estou fora de casa, esperando receber o ressarcimento do carro, que estava segurado, para tentar recomeçar”, lamenta.
O aposentado Gilberto Pinheiro, 73 anos, também morador de Porto Alegre, se deparou com uma situação que nunca havia visto em toda a sua vida. “Além da casa destruída, tive muitos prejuízos: móveis, todos os eletrodomésticos e ferramentas elétricas. Consegui economizar alguma coisa, pois minha casa tem dois andares, mas a água subiu muito rápido. Nas chuvas anteriores não fui atingido, pois não atingiu minha região”, conta.
Gilberto, que também perdeu o carro, já recebeu indenização pelo veículo e é com esse valor que agora tenta aos poucos recuperar seus demais bens. “Tenho certeza que só tinha um para o carro, pois ninguém esperava uma enchente dessa magnitude. Só para vocês terem uma ideia, minha casa não fica na parte mais baixa do bairro e a água subiu três metros. Já recebi uma indenização pelo carro, o que vai me ajudar em algo muito importante. Apesar da decepção das perdas, pelo menos terei um pouco mais de tranquilidade para poder pensar com calma”, afirma.
As enchentes no sul do país já somaram R$ 1,673 bilhão em indenizações que serão pagas aos clientes. Os dados preliminares foram estimados pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), que acredita que será o maior prejuízo já enfrentado pelas seguradoras no país. O maior impacto, por enquanto, vem das políticas automotivas. São 8.216 ações ajuizadas, que somam um custo estimado de R$ 557,4 milhões. O maior número de ocorrências notificadas, porém, está nos seguros residenciais e habitacionais, com 11.396 sinistros, com custo potencial de R$ 239,2 milhões.
O cenário é desafiador no país, dada a baixa proteção. Segundo o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, embora o Rio Grande do Sul seja um estado com cultura de seguros acima da média brasileira, o seguro residencial, por exemplo, cobria pouco mais de 30% dos domicílios da unidade federativa. “Certamente, se houvesse muito mais seguros no estado, as pessoas seriam capazes de reconstruir os seus bens, as suas casas, as suas colheitas e assim por diante, muito mais rapidamente. Mas, infelizmente, a cobertura não é muito grande”, destaca.
Novo seguro
Diante do aumento das condições climáticas adversas, o mercado segurador apresentou à Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL) para a criação do Seguro Social de Catástrofes, uma alternativa emergencial em casos como o que ocorreu no Sul do país. O projeto prevê o direito à cobertura de bens e assistência funerária decorrentes de eventos naturais relacionados a catástrofes como chuvas, enchentes e deslizamentos de terra, sendo essas ocorrências reconhecidas como calamidades públicas pela autoridade competente do local afetado.
A proposta da CNseg visa atingir todas as classes sociais do país e o custo do produto está estimado em cerca de R$ 3 por mês. A intenção é que o valor seja descontado diretamente da conta de luz e seja obrigatório, assim como o Dpvat, (Seguro Obrigatório de Proteção às Vítimas de Acidentes de Trânsito).
A indenização prevista seria de R$ 15 mil a R$ 20 mil por residência atingida e repassada automaticamente por meio de Pix ao segurado. O pagamento deverá ocorrer no primeiro dia útil seguinte à declaração do estado de calamidade. O texto do PL também prevê cobertura adicional por morte no valor de R$ 5 mil para cada vítima. “A ideia é que o agente traga algum alívio para essas pessoas. O sistema de pagamento será simplificado seguindo o decreto de calamidade do governo do estado e das prefeituras, para que o pagamento possa ser realizado”, explica Oliveira.
O cidadão deve ter um prazo para escolher a empresa. Se você não inserir nenhuma, uma empresa será automaticamente determinada. Os contratos firmados com as seguradoras seriam de responsabilidade das concessionárias de energia elétrica e do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), órgão mencionado no texto como responsável pelo monitoramento e regulamentação da modalidade de seguro.
Segundo o presidente da CNseg, o setor segurador está tentando redesenhar os modelos de precificação e de aceitação de riscos, dada a quebra de dados históricos devido às mudanças climáticas. “Não podemos mais usar dados do passado, eles não representam o que vai acontecer no futuro. Este é um grande desafio para os seguros no mundo, não apenas no Brasil”, destaca.
Desastres
O Brasil bateu recorde de ocorrências de desastres hidrológicos e geohidrológicos em 2023. Segundo relatório do Centro Nacional de Desastres Naturais, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), foram registrados 1.161 eventos de desastres. , sendo 716 associados a eventos hidrológicos, como transbordamentos de rios, e 445 de origem geológica, como deslizamentos de terra.
Com a tragédia no Sul do país, a expectativa é que esse recorde seja renovado em 2024. Segundo Daniel Caiche, professor do MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em mudanças climáticas e mercado de carbono da Vega Agroambiental, os setores são sensíveis às variações e enfrentam desafios significativos num futuro em que os eventos climáticos extremos se tornarão cada vez mais frequentes e intensos. “O crescimento populacional, a urbanização desordenada e a infraestrutura inadequada aumentam a vulnerabilidade a estes eventos climáticos”, destaca.
Os sectores económicos mais impactados por eventos extremos, segundo o especialista, incluem a agricultura e as infra-estruturas. “Os setores responsáveis pela produção de energia e alimentos respondem por parcela significativa da produção econômica, além de serem estratégicos para a manutenção da nossa organização social.
“Um mercado de seguros robusto pode ajudar a mitigar estes impactos, oferecendo cobertura para danos materiais, interrupções de negócios e perdas agrícolas, entre outros. “Para responder a esta procura crescente, as seguradoras precisam de desenvolver produtos inovadores e acessíveis que satisfaçam as necessidades específicas de diferentes sectores vulneráveis, como a agricultura, as infra-estruturas e a habitação, especialmente para as populações mais vulneráveis e em áreas de alto risco”, afirma Caiche.
Segundo ele, os governos e as entidades reguladoras também têm um papel vital a desempenhar, estabelecendo políticas que incentivem a resiliência financeira e a adaptação climática, e oferecendo subsídios ou incentivos fiscais para seguros em áreas de risco. “A colaboração entre os setores público e privado pode levar ao desenvolvimento de soluções de seguros mais eficazes e sustentáveis”, acrescenta.
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