Desde a sua criação em 1994, o real perdeu mais de 80% do seu valor. Segundo a calculadora do cidadão, disponível no site do Banco Central (BC), o brasileiro precisa ter R$ 8,08 em 2024 para ter o mesmo poder de compra de R$ 1 em julho de 1994, quando foi lançado o Plano Real.
Se na época a hiperinflação era o principal desafio e o maior motivo da desvalorização da moeda nos últimos 30 anos, agora a política fiscal é a questão central.
Na semana passada, o dólar voltou a atingir novas máximas em relação ao real devido ao ruído político. No dia 2 de julho, a moeda norte-americana atingiu o patamar de R$ 5,70, maior valor desde janeiro de 2022. A desvalorização do real frente à moeda ocorre em um momento de cautela no mercado, com investidores impactando negativamente as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que afirmou haver um “jogo de interesses especulativos” do mercado financeiro contra o real no país e vem fazendo críticas recorrentes à política monetária do BC.
Após a mudança de tom no discurso do chefe do Executivo, reforçando o compromisso do governo com as contas públicas, o dólar caiu, voltando ao patamar abaixo de R$ 5,46. No ano, a moeda já acumula alta de 12,56%.
Segundo pesquisa da BRCG Consultoria, mais de 80% da desvalorização do real no primeiro semestre deste ano se deve ao cenário doméstico. “Para que o dólar apresente redução em relação ao real, o governo brasileiro precisa adotar uma política fiscal mais rigorosa e transparente, além de melhorar a comunicação com o mercado financeiro”, afirma Fábio Murad, sócio da Ipê Avaliações.
“A confiança dos investidores é essencial para atrair e manter capital no país. Portanto, o cumprimento do quadro fiscal e a demonstração de um compromisso sólido com a responsabilidade fiscal são essenciais”, acrescenta o analista. Outra medida importante, segundo Murad, é a manutenção de uma política monetária coerente e independente. “A autonomia do Banco Central deve ser respeitada e reforçada, garantindo que as decisões sobre taxas de juro e outras políticas monetárias sejam baseadas em critérios técnicos e não políticos”, afirma.
Segundo o analista, a redução dos juros nos Estados Unidos também poderia ajudar a aliviar a pressão sobre o dólar, mas esta é uma variável externa sobre a qual o governo brasileiro tem pouco controle. “Portanto, focar em políticas internas robustas e transparentes é a melhor estratégia para promover a estabilidade cambial e reduzir a valorização do dólar.”
Para José Alfaix, economista da Rio Bravo, o compromisso com ajustes fiscais por meio de revisões de gastos também é o primeiro passo para conter a desvalorização da moeda brasileira. “Embora muito difícil, pelo custo político e pela aversão de Lula à ideia, a proposta de desvinculação dos pisos constitucionais traria o maior alívio para as contas públicas, dado o peso dessas despesas obrigatórias quando contrastadas com as discricionárias”, avalia.
Ao mesmo tempo, o redireccionamento de programas de assistência e a revisão de algumas despesas fiscais parecem mais prováveis, como sublinha Alfaix. “Os ministros devem fazer ‘alterações cirúrgicas’ nas despesas, dada a sensibilidade da questão, o que pode dificultar melhorias estruturais. Para combater a alta do dólar e a desvalorização do real, o governo precisa parar de alimentar atritos com o Banco Central, e se comprometer com o cumprimento das metas fiscais”, reforça.
Alguns passos nesse caminho já foram marcados. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou corte de R$ 25 bilhões em despesas e disse que Lula determinou que o marco fiscal seja cumprido. Ele também prometeu cortes em algumas despesas obrigatórias do Orçamento de 2025. Os anúncios, porém, ainda são vistos como insuficientes pelo mercado.
Intervenção
A intensa volatilidade da taxa de câmbio nos últimos dias aumentou a pressão por intervenção do Banco Central, visando conter o agravamento. A sinalização do BC é de que não é o momento nem a situação para intervir, pois não há nenhuma das duas condições que justificariam a medida: disfuncionalidade do mercado e falta de liquidez.
Para o economista Denis Medina, professor da Faculdade de Comércio (FAC-SP), o BC não deveria fazer nenhuma intervenção específica no câmbio para conter a alta do dólar frente ao real. “Qualquer risco de interferência no câmbio gera mais inflação”, alerta.
No regime de câmbio flutuante, adoptado em 1999, a instituição intervém apenas para garantir o bom funcionamento deste mercado, geralmente através de contratos de “swap cambial”, que são leilões lineares e venda directa de dólares do mercado. Servem também para dar “proteção” aos agentes que possuem dívidas em moeda estrangeira, como é o caso do Brasil, que tem dívidas em dólares.
“A missão do Banco Central é defender a moeda brasileira, ele faz isso através de taxas de juros e negociações de swap para que possamos manter a capacidade, mas isso é temporário. O BC não tem poder de controlar os gastos públicos, caso estes gerem evasão de moeda dos investidores”, afirma Medina. “O câmbio precisa estar flutuando, todos os preços controlados criam enormes problemas para a economia. Interferir no câmbio é a pior coisa que o governo poderia querer fazer”, enfatiza.
âncora cambial
Nos primeiros cinco anos de criação do Plano Real, o governo controlou a taxa de câmbio, por meio da banda cambial. Assim, o real poderia valorizar ou desvalorizar em relação ao dólar dentro de uma faixa permitida pelo Executivo. O Banco Central poderia intervir para evitar que a taxa de câmbio ultrapassasse os limites superior e inferior da banda, comprando ou vendendo reservas internacionais no mercado financeiro.
Na época, R$ 1 valia exatamente US$ 1, mas sem levar em conta a inflação. No histórico dia 14 de outubro de 1994, apenas quatro meses após o lançamento do Plano Real, o dólar atingiu o menor preço da história em valores nominais, com a moeda norte-americana sendo negociada a R$ 0,82.
A precificação, porém, era ilusória, como afirma o economista Rodrigo Marcatti, presidente da Velha Investimentos. “Sem dúvida, o principal motivo da desvalorização do real ao longo de todos esses anos é a inflação. Quando o real foi criado, durante algum período o Banco Central e o governo brasileiro tiveram uma diretriz para manter o câmbio »Rafaela Gonçalves controlado, o que levou a uma precificação superficial», lembra.
A nova moeda foi essencial para conter a hiperinflação, porém, o regime de controle cambial mostrou-se insustentável devido às crises internacionais, o que levou o governo a abandonar de vez a âncora cambial e instituir o regime de câmbio flutuante, tal como acontece hoje. . “Basicamente tivemos uma inflação de mais de 500% no Brasil, em comparação com apenas cerca de 50% nos Estados Unidos. Então a nossa moeda desvalorizou 85% durante todo esse período em relação ao dólar”, acrescenta Marcatti.
Real no futuro
Em meio à forte desvalorização do real, o banco americano JPMorgan sinalizou que há espaço para alívio na moeda, que é a mais desvalorizada frente ao dólar entre os países emergentes. Em relatório, os analistas da instituição financeira estimam que o real esteja quase 7% abaixo do valor justo. Portanto, embora a visibilidade futura permaneça baixa, o cenário tático para os ativos brasileiros está maduro para maior alívio.
Segundo analistas, a revisão orçamentária bimestral, prevista para 22 de julho, será fundamental para definir a trajetória de médio prazo dos ativos brasileiros. O documento destaca que “uma melhor orientação governamental sobre as perspectivas fiscais é uma condição necessária para uma recuperação sustentável”.
Entre os riscos, analistas avaliam que a rápida deterioração do real abre a possibilidade de que uma elevação dos juros, que estava distante há algumas semanas, passe a fazer parte da discussão do Banco Central no curto prazo. “Isso pode acontecer se as expectativas de inflação aumentarem impulsionadas pela moeda fraca, mesmo que o repasse para a inflação real demore mais”, explica.
Além disso, segundo o relatório, uma decepcionante revisão orçamentária bimestral também poderia deteriorar ainda mais a situação cambial, aumentando a pressão sobre o BC para conter a volatilidade do mercado.
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