Ao longo dos 30 anos do Plano Real, o tripé macroeconômico tem sido a base para a longevidade da atual moeda brasileira, mas mantê-lo equilibrado tem sido um desafio contínuo ao longo dessas três décadas. Composto por três princípios de condução da política econômica: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal, o tripé teve uma terceira perna instável desde o início, pois não foi possível fazer o ajuste nas contas públicas que estava planejado desde 1994.
Segundo especialistas ouvidos pelo Correio, essa perna fraca do tripé precisa ser olhada com mais atenção, pois as despesas continuam a crescer em ritmo mais acelerado que as receitas, desequilibrando as contas públicas.
O economista e ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, um dos pais do Plano Real, reconhece que, ao longo dos anos, o ponto fraco do tripé sempre foi a política fiscal. “É muito difícil manter o barco em movimento com um buraco no casco. É assim que é a política fiscal. Podemos fazer alguns truques para manter as coisas em movimento. Acho que é difícil reduzir o buraco no casco o suficiente para o navio navegar.” e flutuar. Mas não. No fim das contas, o vazamento tem que ser estancado”, enfatiza o sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos. Ele lembra ainda a tentativa frustrada do governo Dilma Rousseff de mudar o tripé, com a Nova Matriz Macroeconômica. “Foi um fracasso tão estrondoso que eles recuaram diante da mudança e fingiram que a tentativa nunca aconteceu”, destaca.
“Isso, basicamente, foi uma licença para gastar e esconder o resultado pedalando e controlando a inflação controlando os preços da energia e do petróleo”, acrescenta outro pai do Plano Real, o economista Edmar Bacha, em referência à Nova Matriz Macroeconômica.
Simão Davi Silber, economista e professor da Universidade de São Paulo (USP), reforça que o tripé macroeconômico está fraco desde o início do Plano Real. “Eu diria que é tetralégio, porque, embora o governo pudesse aumentar a carga tributária para fazer o ajuste fiscal, ela aumentou. Então, houve aumento do Imposto de Renda”, destaca. Silber cita como exemplos o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). “Esse foi o primeiro passo. Quando não conseguiram aumentar o imposto, começaram a aumentar a dívida pública. Agora, a dívida pública é grande. E a última opção é voltar à inflação e começar a emitir dinheiro para pagar a conta. “, ele adiciona.
Segundo o ex-presidente do Banco Central, não é mais possível fechar essa conta do lado tributário ou tentar equilibrá-la do lado da receita, como tentou o atual governo. “Todo mundo está descobrindo que não é possível, porque o imposto já está pago e, ao mesmo tempo, há uma sensação de excesso de gasto. Quem se aproxima do setor público brasileiro vê que ele é muito grande e muito caro e poderia ser menor e mais barato”, explica Franco.
Negação
Para Gustavo Franco, é importante identificar os economistas que criticam a defesa do tripé, que são os “pró-rupturas” ou os “negacionistas”: aqueles que pensam que o défice nas contas públicas não é importante, ou que não importa. não existe. “Tem uma pessoa que diz que não há défice na Segurança Social. Há quem diga que o défice fiscal não é importante, é coisa dos rentistas e dos financiadores. numerosos e menos levados a sério do que no passado, mas ainda existem e continuam influentes no Congresso Nacional”, afirma o ex-presidente do BC.
O economista José Ronaldo de Castro Souza Jr., professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), acredita que o governo não cumprirá a meta fiscal deste ano e do próximo. “Isso já está muito claro. E estamos caminhando para um aumento da dívida pública. Isso prejudicou a curva de juros, aumentou os juros, o que pressionou o câmbio, o que vai pressionar ainda mais os juros e isso reduz Então, o que estamos vendo é exatamente isso, políticas que aparentemente estimulam o crescimento que podem, a partir do próximo ano, começar a desestimular o crescimento e não o contrário”, alerta.
Segundo Souza Jr., com a volta da vinculação dos pisos da Saúde e da Educação, em relação à arrecadação, fica mais difícil para o governo cumprir a nova regra fiscal, mesmo depois da flexibilização da meta em abril. “É muito difícil voltar ao equilíbrio no resultado primário. Porque a receita cresce, mas a despesa tem que crescer junto. Fica bastante complicado e vai acabar inviabilizando o quadro, que já é, digamos, uma mudança de em relação ao teto, o que dificultou muito o reequilíbrio fiscal”, afirma. “Se somarmos a vinculação dos pisos da saúde e da educação à receita, mais o aumento real do salário mínimo que está indexado ao crescimento do PIB, isso gera naturalmente um aumento dos gastos obrigatórios que inviabiliza a própria regra fiscal”, alerta.
O professor do Ibmec, porém, também reconhece que um dos maiores problemas dessa situação fiscal cada vez mais agravada é a falta de cortes de gastos. Ele reconhece que o recente anúncio de corte obrigatório de gastos de R$ 25,9 bilhões no Orçamento do próximo ano, mesmo sem dar detalhes, é um sinal positivo da atual gestão. “Até agora não ouvimos o governo falar em redução de gastos. O governo só apostava no aumento da arrecadação. Então, é um progresso. Mas ainda é um valor tímido. Espero que isso tenha outros desdobramentos e que possamos avançar nisso. discussão”, afirma.
Problema estrutural
Souza Jr. destaca que a questão fiscal é um problema estrutural no Brasil e sempre foi. “Com o Plano Real isso ficou mais claro, porque você tirou aquele ganho do chamado imposto inflacionário, com a emissão de moeda, então isso só ficou mais claro para todo mundo. , ainda assim, eram questões mais temporárias e tinha uma questão estrutural da Constituição Federal, que gerou um aumento de gasto social e isso foi, digamos, contrabalançado, com um aumento de arrecadação, mas isso tem limite E quando isso limite atingido, tivemos uma crise que foi a crise de 2014 a 2016”, destaca o professor do Ibmec.
Os analistas são unânimes em alertar para o risco da volta da inflação como alternativa para o governo tapar os buracos que continuam a crescer. E, para evitar que essa inflação volte a ser hiperinflação, é importante que a população perceba esse risco no radar, segundo eles.
“E é por isso que o mercado reage e a população acaba reagindo também. E, o governo, de uma forma ou de outra, acaba tendo que reagir, como reagiu agora anunciando o corte de gastos, porque o aumento dos gastos é real. Isso não foi inventado por ninguém. Então, quem acompanha de perto a política fiscal sabe que quando o aumento real do salário mínimo fosse anunciado, isso só resultaria em aumento de gastos e dificuldade de ajuste fiscal. , isso não foi inventado pelo mercado, aliás, o mercado demorou para perceber o impacto disso”, acrescenta Souza Jr.
Sociedade vacinada
O ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria, Maílson da Nóbrega, reconhece que a perna fiscal continua sendo o calcanhar de Aquiles da política econômica, mas não vê risco de o Brasil voltar à hiperinflação, porque a sociedade está vacinada contra ela e sabe que isso é muito ruim. “O risco de hiperinflação não está no radar, mas o país ainda pode enfrentar uma grave crise fiscal que leve ao ressurgimento de uma inflação elevada”, alerta.
“A sociedade brasileira aprendeu a odiar a inflação, isso leva à mobilização, o que pode criar um ambiente social e político favorável para uma reforma séria que dê sentido ao sistema orçamentário brasileiro, porque hoje não tem sentido. dificuldade em cortes orçamentários, quando considerados os investimentos, que Lula diz que não vai cortar, os gastos obrigatórios chegam a 96% da receita total e, como os gastos previdenciários vêm crescendo a uma taxa maior que as demais despesas, será impossível suprir as despesas. unidades orçamentárias com o mínimo necessário para seu funcionamento Já estamos vendo isso agora. Falta dinheiro para o seguro rural, falta dinheiro para o licenciamento do Ibama. Em breve, faltará dinheiro para financiar a Armada. Forças. e bolsas de estudo no estrangeiro Isto tudo vai inviabilizar a tarefa de gestão do Orçamento. Isto vai tornar-se numa fonte de tensão interna para a equipa económica”, alerta.
Maílson destaca que há cálculos em que os gastos obrigatórios chegarão a mais de 100% das despesas primárias em 2032, mas dados do Ministério do Planejamento também confirmam que isso ocorrerá em 2027. “É claro que manter o vínculo entre o salário mínimo e os gastos do plano previdenciário, em 10 anos, custarão R$ 1,3 trilhão. Isso eliminará toda a economia da Reforma da Previdência, que foi de R$ 800 bilhões”, alerta. “Lula não admite e o PT condena. Mas estamos num buraco e o PT cava mais fundo”, lamenta.
Segundo o economista e consultor Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o tripé macroeconômico, colocado como base da política macroeconômica após a crise do início de 1999, na primeira crise do Plano Real, funcionou bem nos primeiros anos. “A relação dívida pública/PIB caiu nos 10 anos seguintes e o Brasil enfrentou com tranquilidade as crises internacionais de 2001 e 2008”, explica.
Ele destaca, porém, que, a partir de 2006, foi gradativamente abandonado e a consequência foi a perda de vitalidade da economia brasileira a partir de 2010. “A adoção de políticas macroeconômicas sustentáveis depende apenas da vontade política. Os benefícios no médio prazo É fato, a questão é que os custos são políticos, no curto prazo. Poucos políticos querem arcar com eles”, lamenta Troster.
A economista e especialista em contas públicas Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), destaca que o grande problema do tripé é a falta de uma meta fiscal mais credível. E, neste sentido, também não poupa críticas ao novo quadro fiscal, que acaba por piorar, em vez de melhorar, a situação das contas públicas. “Essa regra não é boa, porque funciona com bandas, e, na verdade, o único objetivo que importa é que ela acione o mecanismo de contingência e ninguém fique preocupado com um objetivo maior. para violar a meta fiscal mínima você usa a faixa inferior e essa meta não existe na prática”, lamenta. “O grande problema fiscal é a meta fiscal, e não só o desenho da meta atual é ruim, mas o próprio alcance tem se mostrado cada vez mais problemático”, destaca o economista.
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