As projeções não negam que a perna fiscal do tripé macroeconômico, criado em 1999 para dar sustentabilidade ao Plano Real, permanece fraca e sem sinais claros de melhoria. Segundo cálculos atualizados da Instituição Fiscal Independente (IFI), o governo federal não conseguirá entregar superávit primário até 2034, último ano das projeções da entidade, vinculada ao Senado Federal. Segundo o economista Alexandre Andrade, diretor do IFI, a indexação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo e a falta de limite para o aumento das despesas com Saúde e Educação vinculadas à receita poderão fazer com que as despesas obrigatórias cheguem a 100% da receita até 2027.
“Esse foi um exercício que fizemos para mostrar o que acontece com a regra fiscal, dada essa atual trajetória de crescimento das despesas. Se nada for feito, então, claro, tudo depende de outros parâmetros, incluindo o crescimento económico e o cenário de receitas”, explica. “A nova meta fiscal já estava comprometida antes mesmo da mudança, porque é muito difícil manter a nova regra”, destaca.
Segundo estimativas do IFI, a dívida pública bruta continuará a crescer e atingirá 100% do PIB em 2028, no cenário pessimista, e em 2034, no cenário base, conforme mostra a tabela ao lado. “A trajetória do resultado primário piorou devido ao aumento das despesas. Também atualizamos alguns parâmetros, por isso a previsão das contas públicas piorou. Antes, na última revisão, a dívida começou a se estabilizar, mas agora não vemos essa possibilidade. No cenário base, por exemplo, o governo não conseguirá entregar superávit primário até 2034”, alerta o economista da IFI.
Desequilíbrio
Segundo Andrade, os números atuais comprovam o maior desequilíbrio na perna fiscal do tripé macroeconômico, porque a nova regra fiscal é baseada no crescimento das receitas, mas o governo não poderá aumentar os impostos para aumentar a receita. “Basta olhar essa última medida provisória que foi devolvida e que compensaria a isenção. Portanto, fica mais difícil para o governo equilibrar as contas públicas, porque há resistência ao aumento de impostos por parte da sociedade, mas também há vontade política de aumentar os gastos”, alerta.
E, como o dólar vem subindo mais nos últimos dias, chegando à casa dos R$ 5,50, o que pressiona a inflação, aumenta o risco do cenário pessimista ser mais viável que o cenário base, reconhece Andrade. “Ainda não sabemos em que nível esta taxa de câmbio se estabilizará. Mas se o dólar ficar nesse patamar mais alto por algum tempo, isso vai atingir a inflação, e aí o nosso cenário também ficará desatualizado”, explica.
Apesar da recente desvalorização do real frente ao dólar e das mudanças na meta de inflação, Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, acredita que o câmbio flutuante e o sistema de metas de inflação continuam firmes. “Penso que a mentalidade hoje de não intervir no câmbio ou de intervir em situações muito esporádicas para reduzir a volatilidade está enraizada e tornou-se uma constante ao longo dos últimos anos. A questão da meta de inflação também teve melhorias nos últimos anos, principalmente, e finalmente atingimos a meta de 3% e agora temos um horizonte fixo”, destaca.
“O quadro fiscal teve saldos positivos ao longo dos 30 anos do plano real, mas foram momentos duradouros. Sempre vimos, em diversos momentos, interferências políticas que desmantelaram o cenário fiscal positivo. Isso ocorreu a partir do segundo mandato de Lula e, posteriormente, durante todo o governo Dilma, tivemos no final do governo Bolsonaro. E agora está acontecendo novamente no governo Lula”, explica. “Portanto, temos um tripé fraco, na verdade, porque a perna orçamental não pode ajudar a política económica como deveria. E a consequência disso é que a meta de inflação fica cada vez mais difícil de ser alcançada e o câmbio também acaba ficando mais volátil e pressionado”, alerta. “Dos três elementos do tripé, o mais importante de todos, que é o fiscal, ainda não conseguimos geri-lo de forma consistente. E tenho a impressão de que, nos próximos anos, isso também não acontecerá. Espera-se, talvez, em 2027, num novo governo e, quem sabe, o país consiga encaminhar isso de forma mais adequada”, acrescenta.
Violação da segurança social
O rombo previdenciário, que somou R$ 153,3 bilhões de janeiro a maio deste ano, disparou, em termos reais (descontada a inflação), quase 30% em relação ao mesmo período de 2023, enquanto receitas e despesas líquidas cresceram, respectivamente, 9% e 13%, na mesma base de comparação. Um dos fatores desse impulso é o ganho real do salário mínimo, que serve de índice de pensões e benefícios de aposentadoria pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Nova reforma
Na opinião do diretor da IFI, devido a essa discrepância, será necessária em breve uma nova reforma previdenciária, além de uma revisão completa dos gastos. “Não adianta o governo querer apenas cortar desperdício e não rever alguns benefícios. Será necessária uma reavaliação completa do Orçamento. Essas medidas anunciadas pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, com a mudança da meta, têm um impacto muito pequeno”, explica. “Depois de 30 anos, esse problema fiscal continua existindo, porque é difícil de resolver e não está sendo abordado como deveria”, enfatiza Andrade.
Na opinião de Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, apesar dos avanços notáveis ao longo dos 30 anos, o Plano Real ainda permanece incompleto, em grande parte devido à instabilidade fiscal. “Este é um desafio que não foi enfrentado até hoje. O novo quadro fiscal, por exemplo, que substituiu o antigo limite máximo de gastos, não resolveu a questão. E, na realidade, afiou a matemática devido ao retorno das ligações e indexações dos gastos com saúde e educação às receitas”, afirma.
Segundo Barros, a inovação do novo regime tributário com piso para investimentos públicos, “além do efeito colateral negativo do retorno da política de valorização do salário mínimo, que produz um aumento automático e inercial das despesas, também contribuiu para a manutenção a matemática fiscal desfavorável.” “O governo está a contrair um aumento mínimo de despesas de 2% ao ano, ou seja, o enquadramento criou um piso para as despesas e, na tentativa de reduzir o défice, há uma pressa em medidas do lado das receitas como forma de de encerrar a conta. A estratégia tem limites, tanto do ponto de vista político, que dá sinais de cansaço, como do ponto de vista económico, devido ao efeito inflacionista nas empresas e no ambiente de negócios. Não há atalhos e, sem atacar eficazmente o lado da despesa, haverá uma crise de confiança na condução da política económica prejudicada pela percepção de risco relativamente à evolução das contas públicas, com efeitos negativos na curva de juros, taxa de câmbio e inflação”, explica.
Embora a política monetária tenha poder e seja capaz de fazer preços no curto prazo, a trajetória de médio prazo é determinada pela política fiscal, destaca Barros. “Sem um plano de consolidação fiscal sólido e credível, a estabilização económica permanecerá incompleta”, enfatiza.
Barros reforça ainda que a recente desvalorização do real frente ao dólar foi um efeito colateral dessa piora da situação fiscal. Na opinião de Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e um dos pais do Plano Real, neste momento as críticas do presidente Lula ao Banco Central são desnecessárias e apenas contribuem para agravar a situação. “Com a independência do Banco Central, o Presidente da República não pode agora demitir o Presidente do BC e, de facto, o Chefe do Executivo tem liberdade para criticar publicamente a política monetária. O que é uma perda de tempo, você sabe. Em outros países que têm esse mesmo tipo de arranjo, os presidentes se controlam porque não há ganho absolutamente nenhum”, afirma o sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos.
Ajuste difícil
Segundo analistas, como o presidente Lula sabe que essa bomba fiscal vai explodir a qualquer momento, ele vem tentando encontrar alguém para culpar por essa situação pouco animadora, que fará com que o país continue crescendo pouco mesmo com as recentes dificuldades fiscais do governo. estímulo. : o Banco Central.
O economista José Ronaldo de Castro Souza Jr, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Souza Jr., ressalta que não adianta criticar a política monetária, porque não é ela que promove o crescimento. “Uma política monetária bem executada é a base da estabilidade económica, condição necessária para o crescimento do país. Mas a política monetária, por si só, não tem como objetivo fazer o país crescer. Pode ajudar na política anticíclica de curto prazo, mas a política monetária, o seu efeito a longo prazo, é ajudar a manter o país estável para ter condições de crescimento, mas não para promover o crescimento”, explica.
Impasse
Souza Jr. destaca ainda que o maior desafio do governo será o ajuste fiscal daqui para frente. “O país tem uma série de questões que são difíceis politicamente. Todo governo se depara e fica assustado com os valores, mas aumentou muito no governo Dilma, principalmente, houve um aumento muito grande. Então não conseguimos mais contê-lo. A questão é essa, eficiência é um negócio e se você fizer esse tipo de ajuste, você vai incomodar algumas pessoas. E os beneficiários, que é a população em geral, estão dispersos, não são um grupo organizado, porque é a sociedade em geral, então são temas difíceis de abordar”, enfatiza Souza Jr.
“É difícil cortar despesas. É muito complicado, porque sempre vai ter alguém afetado. E como eu disse, o beneficiário não tem voz, porque é o povo em geral”, acrescenta. Ele lembra que o governo possui tecnologia para avaliar políticas públicas, mas isso não resultou em decisões ineficientes de corte de políticas públicas. “Então, há um problema. Por que, por exemplo, o abono salarial é eficiente? Não. E está cortado? Não. Então só estou dando um exemplo”, afirma.
Segundo o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, o país vive um momento de esgotamento das ilusões em relação à ideia de que é possível equilibrar as contas com facilidade. Não é. “Outro dia vi que levaram ao presidente a lista de isenções fiscais como a Receita Federal as concebe e aí apareceu um número absurdo. Dizem que, por exemplo, há isenção tributária pelo fato de não ser aplicado o imposto sobre grandes fortunas e colocam um número completamente fantasioso de quanto seria viável captar”, destaca um dos pais do Plano de verdade.
Na opinião de Franco, é “fantasioso” dizer que o Simples é uma isenção tributária, porque, “em essência, se você aplicasse as disposições tributárias do complicado sistema tributário comum às empresas do Simples, a maioria dessas empresas não existiria”. “. “Então, não há isenção tributária. Haverá um extermínio de empresas se essa legislação for retirada dessas empresas”, enfatiza Franco, que alerta que será inevitável uma revisão das despesas obrigatórias.
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