Com o objetivo de simplificar impostos e isentar itens de arrecadação, a proposta de regulamentação da reforma tributária, aprovada na Câmara dos Deputados na semana passada, impactará os preços de alimentos, remédios e serviços. Nos próximos anos, os brasileiros deverão sentir as mudanças no bolso, principalmente pelos diferentes regimes planejados.
Uma das mudanças mais importantes é que os impostos não são mais cumulativos. Ou seja, o imposto será cobrado em um único momento entre o início da produção e a venda do item ao consumidor final. Com a reforma, os cinco tributos que hoje são cobrados separadamente serão unificados em apenas dois, que formarão o novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), cuja alíquota padrão deverá ser de 26,5%.
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS) se unirão para formar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (IBS), que será controlado pelos estados. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) formarão a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), controlada pelo governo federal.
Segundo Marcos Correia Piqueira Maia, advogado tributarista e sócio do Maneira Advogados, a proposta da reforma tributária é que não haja aumento da carga tributária efetiva no Brasil, “apenas um reequilíbrio dos tributos nas cadeias produtivas e uma melhor adequação do regime jurídico sistema ao novo contexto global, especialmente a tributação do comércio eletrônico, direitos, entre outros”.
“No entanto, não se pode negar que a prestação de serviços, especialmente quando se destinam a consumidores finais não contribuintes, poderá sofrer um aumento considerável dos impostos aplicáveis”, alerta Maia.
Alívio
Vários produtos deverão ficar mais baratos com a implementação da reforma. O maior impacto será no preço dos alimentos, o projeto elimina impostos sobre produtos alimentícios básicos, o que tende a proporcionar alívio no dia a dia das famílias. Hoje, em média, esses produtos são tributados em torno de 8%.
Uma lista de 24 produtos será isenta de impostos, entre carnes, peixes, arroz, feijão, macarrão, queijos, verduras e frutas. Para os demais alimentos de consumo mais frequente, haverá redução de 60% nas alíquotas de impostos, incluindo leite, sucos naturais e outros produtos in natura, considerados aqueles não sujeitos a nenhum processo de industrialização.
Haverá também isenção para o transporte público coletivo de passageiros e alíquota zero para compras públicas. As profissões regulamentadas pelo conselho terão uma redução de 30% na carga tributária, enquanto os serviços essenciais, como educação e saúde, terão uma redução de 60%. “Essas medidas visam tornar o sistema tributário mais justo e eficiente, aliviando a carga tributária sobre serviços importantes para a população”, afirma Thiago Marini, advogado especialista em direito tributário do Miguel Neto Advogado.
“Um destaque positivo é que a carga tributária sobre alimentos básicos será reduzida e haverá um sistema de cashback para famílias de baixa renda, devolvendo parte dos impostos pagos sobre itens essenciais, como setores específicos, como educação, saúde e dispositivos médicos , terão regimes de tributação diferenciados, com reduções significativas nas alíquotas”, destaca.
O cashback — mecanismo que se popularizou por meio da devolução de parte do valor pago por um produto ou serviço em forma de crédito ao cliente — beneficiará famílias que ganham até meio salário mínimo por pessoa, com a devolução de parte do os novos impostos sobre o consumo. Uma regulamentação posterior definirá a forma de cálculo e restituição do imposto, mas algumas possibilidades já foram discutidas. No caso das devoluções de água, luz e gás canalizado, está a ser estudada a possibilidade de o cashback ser incluído na fatura a pagar pela família. Quanto aos itens adquiridos, a devolução é apurada no caixa.
A proposta também inclui 383 medicamentos que terão o imposto zerado, entre os medicamentos estão 26 vacinas: dengue, covid-19 e febre amarela estão entre elas. Outros medicamentos populares deverão ser impactados pela medida: losartana potássica (para hipertensão), insulina (controle de diabetes) e diazepam (tratamento de ansiedade). Também é concedido desconto de 60% para todos os demais medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Aumento de preço
Por outro lado, negativamente, a reforma propõe a criação de um novo Imposto Seletivo (IS), apelidado de “imposto sobre o pecado”. A tributação extra encarecerá uma série de produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, com o objetivo de inibir o consumo. Assim, os consumidores podem esperar um aumento considerável nos preços de itens como cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas (refrigerantes) e veículos poluentes, que estarão sujeitos ao imposto extra.
O impacto final no bolso dos brasileiros ainda é incerto. Isso porque a alíquota só será definida em processos posteriores do projeto, impossibilitando a determinação do efeito do Imposto Seletivo no consumidor final. Na última fase, foi incluída a taxa extraordinária de jogos e apostas.
Em relação ao preço dos serviços, a expectativa é que eles fiquem mais caros. “Entendo também que os setores de serviços, especialmente de tecnologia, podem enfrentar um aumento significativo da carga tributária devido à redistribuição de impostos ao longo da cadeia produtiva e que há preocupações com a complexidade e potencial aumento de impostos para segmentos não cobertos por isenções ou regimes especiais”, avalia Thiago Marini, advogado especialista em direito tributário.
Ameaça
Há preocupação com o impacto das novas regras nas micro e pequenas empresas, que perderão competitividade com as mudanças que virão. Isto acontecerá porque esta categoria de empresas deixará de gerar créditos fiscais, o que as tornará mais vulneráveis às grandes empresas, que continuarão a gerar créditos.
O projeto permite que contribuintes do regime de tributação do Simples, com receita anual de até R$ 4,8 milhões, ou Microempreendedores Individuais (MEIs), optem por continuar no modelo antigo ou recolher a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), impostos introduzidos pelo novo regime.
Hoje, o sistema tributário desse segmento permite a geração de créditos para quem revende produtos fabricados por microempresas. Isso significa que se uma pequena empresa pagar, supostamente, 10% de impostos, ela gera créditos fiscais de 10% para o comprador de seus produtos, que são usados para reduzir impostos devidos ao governo federal.
Com a reforma, as pequenas empresas deixarão de gerar crédito, perdendo uma moeda importante, enquanto as grandes empresas continuarão a gerar e permanecerão muito mais atrativas para os negócios. “Na prática, a redação coloca o pequeno empresário entre a espada e a espada”, afirma o presidente da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), José César da Costa
Segundo Costa, a mudança pode inviabilizar grande parte dos negócios, visto que hoje, no Brasil, mais de 92% dos empreendimentos estão incluídos no Simples Nacional, com 20 milhões de micro e pequenas empresas, que respondem por 70% dos empregos no país. país. “Esse pequeno empresário pode permanecer no Simples, pagando a taxa unificada reduzida e repassando um crédito menor do que será repassado pelas empresas concorrentes fora do regime, perdendo competitividade”, explica.
“Ou adota o regime tributário híbrido, passando a recolher IBS e CBS separadamente e arca com o custo de cumprimento de obrigações mais acessórias de ambos os regimes tributários, o que inviabilizaria a operação para a maioria dos pequenos negócios”, acrescenta.
Os varejistas e prestadores de serviços sentirão os efeitos da reforma tributária, assim como os consumidores, que poderão enfrentar aumentos de preços devido à necessidade de transferência da carga tributária. “As empresas do Simples terão que fazer análises muito criteriosas para decidir se migrarão para o regime regular ou permanecerão no Simples”, destaca Charles Gularte, vice-presidente executivo de atendimento ao cliente da Contabilizei.
“Também é preciso avaliar esse efeito da mudança em quem está contratando ou comprando seus produtos. Essa decisão impacta diretamente no preço que eles vão oferecer, então será necessário muito mais trabalho para as pequenas empresas nesse processo”, completa.
Atualmente, cerca de 75% dos produtos nas gôndolas dos supermercados, por exemplo, possuem regras favorecidas e perderão esse status. Itens da cesta básica, que são minoria, são economizados. No caso dos serviços, uma lista de profissionais, incluindo saúde e educação, beneficiarão de desconto fiscal.
Transição
As regras da reforma fiscal serão aplicadas de forma faseada ao longo dos próximos anos e todos os seus efeitos serão sentidos ao longo do tempo. A proposta prevê regras de transição até 2033, quando o novo modelo entrará em vigor. Ou seja, as mudanças não serão imediatas.
O texto seguiu para análise do Senado, que poderá fazer alterações nas regras definidas até agora. Caso haja alterações, a proposta volta à Câmara dos Deputados. Uma segunda parte do regulamento, que ainda aguarda análise, prevê a retomada do imposto sucessório nos planos de previdência privada, como o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e a Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL).
Esta etapa trata apenas dos impostos sobre o consumo. A expectativa é que as discussões sobre a reforma do Imposto de Renda comecem no próximo ano, com mudanças como a tributação dos dividendos (parcela dos lucros das empresas distribuída aos acionistas).
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