O povo venezuelano fez história neste domingo (28/07). Apesar das ameaças de guerra civil e de derramamento de sangue por parte do regime de Nicolás Maduro, os eleitores desafiaram o medo e saíram em força para escolher o presidente. Às 16 horas, duas horas antes do horário estipulado para o encerramento das urnas, 11,7 milhões de pessoas tinham exercido o direito de voto — o que equivale a 54,8% do total inscrito no Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Cerca de 21 milhões de venezuelanos, numa população de 30 milhões, estavam qualificados para escolher o seu presidente. No entanto, os especialistas acreditavam que apenas 17 milhões o fariam, pois não tinham migrado.
Primeiro a votar em sua seção, às 6h20 (7h20 em Brasília), Maduro moderou o tom e prometeu respeitar o resultado das urnas. “Reconheço e reconhecerei o árbitro eleitoral, os boletins de voto oficiais e farei com que sejam respeitados”, declarou.
Em meio a uma guerra de pesquisas de boca de urna divergentes, a líder da oposição María Corina Machado, aliada do candidato Edmundo González Urrutia, da coalizão Plataforma Democrática Unitária, convocou a imprensa e apelou para que os eleitores permanecessem nos centros de votação, em todo o país.
“Ninguém sai dos centros de votação”, perguntou María Corina. “Nossos inspetores têm o direito de lavrar as atas (de votação).” Segundo ela, a jornada cívica de ontem foi “heróica”. “Vocês foram testemunhas de toda a Venezuela nas ruas, assim como dos venezuelanos de todo o mundo. Estamos lutando e trabalhando para um momento que chegou”, comemorou ela, mencionando que houve “pouquíssimos casos de violência”.
“Este é o momento mais crítico. A melhor forma de defendê-lo é com a presença ordenada de todos nos centros de votação”, destacou o opositor. “Todos os 24 estados estão quebrando recordes. Isso é histórico. Não especulamos. Falamos com as evidências em mãos.” Às 20h (21h em Brasília), os locais de votação, que deveriam fechar às 18h, permaneciam abertos.
Delsa Solórzano, representante política da oposição na CNE, confirmou, ao final da noite, que os inspetores foram expulsos dos centros de votação e as autoridades recusaram-se a transmitir as atas para compilação dos resultados. Às 23h20 (em Brasília), a investigação nem havia começado.
Divergência
Ambos os lados reivindicaram vitória nas pesquisas de saída: pesquisas realizadas pela oposição mostraram que Edmundo González obteve 65% dos votos, contra 13,5% de Maduro. Os governistas anunciaram uma pesquisa segundo a qual o presidente obteve 55% dos votos contra 31,2% do adversário. Nas últimas eleições, a CNE, alinhada com Maduro, esperava uma tendência irreversível de anúncio de resultados. O processo eleitoral é automatizado.
O chefe da campanha de Maduro, Jorge Rodríguez, deu a entender que o líder esquerdista venceu as eleições. “Não podemos dar resultados, mas podemos dar caras”, disse Rodríguez, sorrindo. “Foi uma vitória para todos”, acrescentou, acompanhado pelo número dois do chavismo, Diosdado Cabello, e outros líderes governamentais. Todos abriram um sorriso enquanto Rodríguez falava. “O povo falou e esta voz do povo deve ser respeitada”, insistiu.
Por telefone, o ex-prefeito de Caracas e ex-preso político Antonio Ledezma, exilado em Madri, garantiu ao Correio que a vantagem de Edmundo González sobre Maduro é “enorme”. “Essa liderança está presente em todas as apurações, na maioria dos centros de votação. É uma vantagem que o regime tenta esconder, impedindo que os inspetores tenham cópias das atas de votação”, afirmou. “O regime pretende anunciar uma fraude. Foi uma votação massiva, de milhões de venezuelanos, que deu a vitória a Edmundo González”.
Anteriormente, Andrés Velásquez, ex-governador do Estado de Bolívar e líder nacional do partido de oposição La CausaR, reforçou a denúncia. “Estão a indicar que não vão imprimir as actas, para não as entregarem aos inspectores. Estão também a retirar algumas delas dos centros de votação. Isto é inaceitável. O que é que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) pretende esconder? “, ele perguntou.
Na votação em Caracas, Edmundo González fez um discurso conciliatório. “Hoje, vamos trocar o ódio pelo amor. Vamos trocar a pobreza pelo progresso. Vamos trocar a corrupção pela honestidade. Vamos trocar a despedida pelo reencontro. Chegou a hora da reconciliação para todos nós, venezuelanos. Chegou a hora da mudança, da paz.”
Mortes
Às 22h deste domingo (horário de Brasília), José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidade Central da Venezuela (UCV), enviou um vídeo com imagens de supostos eleitores mortos por coletivos, grupos armados leais ao chavismo, em Guasimos, no estado de Táchira. “Tudo aponta para o regime roubar as eleições e começar a matar pessoas. Há dois mortos”, disse ele. Correspondênciapor telefone.
Pouco antes, informou que, em alguns locais de votação, o chavismo fez “todo o possível para impedir que as pessoas votassem”. “O governo tinha um plano para provocar situações violentas”, observou. Segundo Aumaitre, as pesquisas de saída indicavam uma vitória retumbante da oposição. “As mesas de votação tiveram que fechar às 18h, isso não aconteceu. Com a CNE assumida pelo chavismo, nunca sabemos o que pode acontecer. Espero que os resultados da CNE não sejam diferentes”.
A vice-presidente dos Estados Unidos e potencial candidata democrata à Casa Branca, Kamala Harris, escreveu uma mensagem na rede social X, na qual apela ao respeito pela vontade popular. “Os EUA apoiam o povo da Venezuela, que expressou a sua voz nas eleições históricas de hoje (ontem). A vontade do povo venezuelano deve ser respeitada. Apesar dos muitos desafios, continuaremos a trabalhar para um futuro mais democrático, próspero e seguro para o povo da Venezuela”, prometeu.
O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, garantiu ontem à noite que as Forças Armadas “garantirão a paz” à população. “O povo da Venezuela está se preparando para abrir os braços para uma nova etapa”.
Celso Amorim vê “motivo de satisfação”
Assessor internacional da Presidência da República e enviado a Caracas para acompanhar o processo eleitoral, o ex-chanceler Celso Amorim elogiou a “participação significativa” dos eleitores e reforçou o desejo do governo brasileiro de que os resultados das urnas sejam respeitados. “Estou satisfeito que a viagem tenha decorrido bem, sem grandes incidentes. Houve uma participação significativa do eleitorado. Estou em contacto com diferentes forças políticas e analistas eleitorais, bem como com membros da equipa de observadores do Centro Carter e do Painel de Peritos do das Nações Unidas”, afirmou em nota.
SHORTS
Um gesto simbólico
Ao chegar ao local de votação, no bairro Los Chorros (em Caracas), a ex-deputada da oposição María Corina Machado fez questão de estender as mãos para cumprimentar um soldado venezuelano. Ela estava “no vácuo”. A soldado não retribuiu a saudação e lhe deu as costas. A reação foi captada por um batalhão de fotógrafos e cinegrafistas posicionados em frente à escada.
Antes, passeio de moto…
Pouco antes de votar, María Corina decidiu testar a sua própria popularidade. Na garupa de uma motocicleta, ela viajou até os locais de votação em dois bairros de Caracas. Ela foi aplaudida pela multidão e recebeu abraços emocionados. “Que emoção encontramos nas ruas! Lutamos muito por esse momento. Ele chegou. Agora é aproveitar”, escreveu ela na rede social X.
A votação desigual
O boletim eleitoral utilizado pelos venezuelanos para escolher os seus candidatos tem uma peculiaridade. O nome e a foto de Maduro aparecem nada menos que 13 vezes. Por sua vez, a imagem do adversário Edmundo González aparece impressa apenas três vezes no documento. A explicação seria o fato de as imagens dos candidatos acompanharem a coligação que cada um apoia.
Visita a Hugo Chávez
Antes das 6h (7h em Brasília), o presidente Nicolás Maduro foi ao Quartel da Montanha, na favela 23 de Enero, para prestar homenagem ao seu antecessor Hugo Chávez, no aniversário de 70 anos do comandante da chamada Revolução Bolivariana. “Chegou o dia 28 de julho. Hoje teremos nossa batalha em Carabobo e iremos direto para a vitória”, disse Maduro, diante do caixão de Chávez.
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