Entre os argumentos que influenciaram a decisão histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Brown versus Board of Education, que declarou a inconstitucionalidade da segregação racial nas escolas públicas e completou 70 anos em maio, chama a atenção um experimento psicológico.
No início da década de 1940, mais de uma década antes da decisão dos juízes, os psicólogos americanos Kenneth e Mamie Clark desenvolveram um teste para analisar as atitudes das crianças negras em relação à raça e como desenvolveram o seu sentido de identidade e identidade. auto estima.
O experimento envolveu bonecas de plástico idênticas, exceto pela cor, e mostrou que a maioria das crianças negras rejeitava as bonecas pretas.
Reproduzido ao longo dos anos em diversas partes do país, o estudo ficou conhecido como “teste do boneco”, e seus resultados chamaram a atenção para os danos psicológicos, emocionais e intelectuais causados pela segregação em crianças negras.
Quando a equipa jurídica que lutava para derrubar as leis americanas de segregação escolar apresentou o seu caso perante os juízes do Supremo Tribunal, os testes das bonecas e a investigação dos Clarks desempenharam um papel importante, tal como o seu testemunho.
Os seus estudos também serviriam de base para pesquisas futuras sobre como as crianças constroem e compreendem a sua identidade racial e como absorvem preconceitos.
Quem foram os pesquisadores
Kenneth Bancroft Clark (1914-2005) e Mamie Phipps Clark (1917-1983) construíram carreiras distintas em psicologia e quebraram diversas barreiras raciais.
Ele foi o primeiro estudante negro a receber um doutorado em psicologia da prestigiosa Universidade Columbia em Nova York em 1940.
Três anos depois, Mamie Clark se tornou a segunda negra a receber o mesmo diploma da universidade.
Kenneth Clark também foi o primeiro professor negro a ocupar uma cátedra permanente no City College de Nova York e o primeiro presidente negro da American Psychological Association, entre outros títulos importantes.
Ambos se conheceram enquanto estudavam na Howard University, em Washington, na década de 1930.
Foi nessa época que Mamie Clark iniciou sua pesquisa acadêmica explorando o processo de construção de identidade em crianças negras.
Seus estudos procuraram determinar quando essas crianças começaram a tomar consciência de sua identidade racial.
Essa linha de pesquisa foi aprofundada durante o doutorado em Nova York e serviu de base para o casal desenvolver o experimento do boneco.
Em 1946, o casal fundou o Northside Center for Child Development, que fornecia terapia e serviços educacionais e sociais para crianças no bairro nova-iorquino do Harlem.
Ao longo das suas carreiras, os Clarks ganharam respeito como autoridades na integração em diferentes sectores da sociedade americana e como figuras influentes no movimento dos direitos civis.
“Ambos fizeram contribuições significativas para o campo da psicologia e para o movimento social de seu tempo”, afirma a American Psychological Association.
Como foi o teste?
O experimento da boneca foi inicialmente concebido e conduzido na década de 1940 para testar a percepção racial de crianças mulheres negras e medir os efeitos psicológicos da segregação na sua auto-estima.
Os testes foram repetidos nos anos seguintes com alunos de escolas segregadas em diferentes partes do país, com resultados semelhantes.
Durante os testes, quatro bonecos de plástico foram mostrados para crianças negras de três a sete anos.
As bonecas usavam fraldas e a única diferença entre elas era a cor: duas eram brancas com cabelos loiros e duas eram pintadas de castanho e tinham cabelos pretos.
As crianças tiveram que identificar corrida dos bonecos, diga qual cor eles preferiram e qual deles mais se pareceu com eles.
“O teste da boneca foi uma tentativa de minha esposa e eu de tentar entender como as crianças negras se viam, se se viam como iguais aos outros”, disse Kenneth Clark em entrevista à emissora norte-americana PBS em 1985.
“Tínhamos cerca de três ou quatro questões relacionadas ao conhecimento (sobre a diferença de cor dos bonecos) e outras relacionadas à preferência”, lembrou a psicóloga.
Entre as perguntas feitas aos participantes estavam as seguintes:
-Dê-me a boneca com a qual você quer brincar
-Dê-me a boneca que é uma boneca bonita
-Me dá a boneca que é feia
-Dê-me a boneca que tem uma cor linda
-Dê-me a boneca que parece uma criança branca
-Dê-me a boneca que parece uma criança de cor
-Dê-me a boneca que parece uma criança negra
-Dê-me a boneca que se parece com você
Quase todas as crianças conseguiram identificar a raça dos bonecos.
A maioria quis brincar com a boneca branca e também atribuiu a ela características positivas, como ser “agradável” e ter uma “cor bonita”. Ao mesmo tempo, a maioria atribuiu características negativas à boneca negra. Para Kenneth Clark, a parte mais “perturbadora” foi a pergunta final.
“Muitas crianças ficaram emocionalmente perturbadas por terem que se identificar com a boneca que haviam rejeitado. Algumas saíram da sala ou se recusaram a responder aquela pergunta”, observou a psicóloga em 1985.
“Interpretamos isso como uma indicação de que a cor, em uma sociedade racista, era um componente muito perturbador e traumático do senso de autoestima e valor de um indivíduo”.
Em artigo científico publicado na década de 1950 apresentando os resultados, os Clark concluíram que “preconceito, discriminação e segregação” prejudicavam a autoestima das crianças negras, gerando sentimento de inferioridade e desprezo por si mesmas.
Décadas depois, na entrevista à PBS, a psicóloga reforçou que os resultados dos estudos indicavam “o impacto desumanizante e cruel do racismo na nossa sociedade supostamente democrática”.
As origens do caso Brown v. Conselho de Educação
Na mesma entrevista, Kenneth Clark destacou que os testes dos bonecos começaram 14 anos antes da decisão da Suprema Corte e que, na época, ele e Mamie não tinham ideia de que seus resultados teriam um papel tão importante.
Mas a investigação do casal com crianças negras e o seu depoimento pericial acabariam por se tornar uma peça crucial na decisão do Supremo Tribunal.
Durante décadas, muitos estados, especialmente no Sul do país, seguiram leis rígidas de segregação racial, várias delas adotadas após a Guerra Civil (1861-1865) e a abolição da escravatura.
A legitimidade destas leis foi confirmada pela Suprema Corte, a mais alta corte do país, em 1896, no caso Plessy versus Ferguson.
Essa decisão estabeleceu a doutrina jurídica “separados, mas iguais“, segundo a qual a segregação racial era constitucional, desde que fossem oferecidos serviços “separados, mas iguais” a brancos e negros.
Porém, como em outros setores, na educação era comum que as escolas para estudantes negros não tivessem a mesma qualidade das instituições reservadas para estudantes brancos.
Passaria mais de meio século até que a decisão no caso Plessy v. Ferguson e essa doutrina jurídica fossem rejeitadas.
Isto só aconteceu em 1954, no caso Brown v. Board of Education, quando o Supremo Tribunal decidiu por unanimidade que a segregação racial nas escolas públicas era inconstitucional.
A nova decisão veio após anos de esforços de ativistas e acadêmicos, envolvendo o Fundo de Defesa Legal, ou LDF, uma organização de direitos civis que tem suas origens na Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor, ou NAACP, por sua sigla em inglês).
O impacto da pesquisa dos Clarks

Quando chegou à Suprema Corte, Brown v. Conselho de Educação combinou cinco ações judiciais contra distritos escolares em Kansas, Carolina do Sul, Delaware, Virgínia e Distrito de Columbia.
O argumento para anular a doutrina dos “separados mas iguais” foi que a segregação racial violava a garantia de igual proteção perante a lei, presente na 14ª Emenda da Constituição.
Este argumento foi reforçado com exemplos de estudos realizados por historiadores, cientistas sociais e outros especialistas, alguns dos quais foram chamados como testemunhas para destacar os impactos negativos da segregação nas crianças e famílias negras.
Os Clarks, que já haviam testemunhado em outros casos envolvendo segregação, estiveram entre esses especialistas, apresentando não apenas os resultados dos testes das bonecas, mas também analisando outros estudos sobre o tema.
Num artigo de 1950, os Clarks afirmaram que “está claro que a criança negra, aos cinco anos, (já) está consciente do facto de que ser negro na sociedade americana contemporânea é um sinal de estatuto inferior”.
Segundo eles, o sentimento de inferioridade vivido pelas crianças negras nas escolas segregadas impediu-as de receber uma educação igualitária.
Esta conclusão reforçou o argumento que questionava a constitucionalidade das escolas “separadas mas iguais”.
Ao anunciar a decisão unânime, o então juiz-presidente Earl Warren citou um artigo dos Clarks e suas conclusões.
“Separar (as crianças negras) de outras pessoas de idade e qualificações semelhantes apenas por causa da sua raça cria um sentimento de inferioridade relativamente ao seu estatuto na comunidade que pode afectar os seus corações e mentes de uma forma que provavelmente nunca será desfeita”, disse Warren.
A integração nas escolas não foi imediata após a decisão de 1954, e foram necessários vários anos e novos processos legais para atingir este objectivo.
“Ainda hoje, o trabalho de Brown (contra o Conselho de Educação) está longe de terminar. Mais de 200 casos envolvendo a dessegregação escolar permanecem abertos em processos judiciais federais”, afirma a LDF nos seus autos relacionados com o caso.
“A vitória legal em Brown não transformou o país da noite para o dia e ainda há muito trabalho a fazer. Mas (a decisão de) acabar com a segregação nas escolas públicas do país proporcionou um grande catalisador para o movimento pelos direitos civis, permitindo avanços na dessegregação. de habitação, alojamentos públicos e instituições de ensino superior.”
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