Como é ser o único atleta olímpico do seu país

Único atleta enviado por seu país para o jogos Olímpicos em Paris 2024o velocista Shaun Gill tem desfrutado de seu status temporário de “homem mais famoso” de Belize.

Ele é um dos quatro atletas enviados para disputar o evento como único representante de sua nação. É uma responsabilidade que traz orgulho — e uma dose extra de ansiedade.

Os concorrentes “solo” disseram à BBC que a sua missão pode ser solitária, mas ser o porta-bandeira do país durante a cerimónia de abertura foi emocionante.

Como resultado da repentina fama de Gill, muitas pessoas têm pedido seu autógrafo na Vila dos Atletas, disse o jogador de 31 anos à BBC.

“Brinquei com um dos meus amigos que talvez precisasse de uma equipe de segurança”, ele ri.

Delegações olímpicas maiores – como as enviadas pelos EUA e pelo Reino Unido – podem escolher quem serão os seus porta-bandeiras entre grupos de centenas de atletas.

Mas Belize, um país da América Central com uma população de menos de meio milhão de habitantes, tinha apenas um candidato – tal como o Liechtenstein, Nauru e a Somália.

Gill agitava a bandeira de seu país com todo o fervor patriótico que conseguia reunir enquanto ele e outros atletas desfilavam em barcos ao longo do rio Sena. Ele se tornou viral por causa de seu esforço apaixonado sob a chuva torrencial.

Carregar nas costas todas as esperanças de uma nação foi uma pressão, admitiu o atleta. Ele não avançou para a final dos 100m masculinos e acredita que o efeito da diferença de fuso horário o impediu de correr tão rápido quanto esperava.

“Quando o desempenho deixa a desejar, penso: ‘Cara, espero não ter decepcionado todos vocês’”, disse Gill.

O corredor somali Ali Idow Hassan esperava alcançar o feito que Gill não conseguiu: subir ao pódio no Stade de France para garantir uma medalha para o seu país.

Mas Hassan, de 26 anos, não foi rápido o suficiente na prova masculina de 800m e não conseguiu avançar para as semifinais.

Isto acabou com a única esperança do país da África Oriental de uma medalha olímpica.

Algumas das nações mais pequenas do mundo beneficiam de regras de universalidade concebidas para garantir uma representação diversificada dos países durante as competições desportivas.

Hassan disse à BBC que estava “muito feliz” por ser o único enviado de seu país aos Jogos de Paris 2024, mas admitiu que havia outro lado:

“Fico muito triste quando estou sozinho.”

Mas Hassan fez amizade com atletas de outros países africanos. A experiência de ficar na Vila dos Atletas foi menos isolada do que se poderia esperar, concordaram os competidores.

O ciclista Romano Püntener, que representou sozinho o Liechtenstein, foi perseguido até o complexo por ninguém menos que Andy Murray.

O tenista queria trocar distintivos com Püntener, sabendo que um distintivo do Liechtenstein era uma raridade. Os distintivos são trocados regularmente pelos atletas que competem no circuito internacional.

Liechtenstein é um pequeno país sem litoral, entre a Áustria e a Suíça, com uma população de 38 mil habitantes. Lá, os atletas de alto rendimento são poucos e raros.

Os Jogos Olímpicos foram “inesquecíveis” para Püntener, que disse apreciar o grande investimento que recebeu como a única esperança do seu país para a edição de 2024.

“Isso simplesmente me ajudou”, refletiu o atleta. “Conseguimos reunir toda a equipe ao meu redor e eu pude decidir quem queria ter comigo – e quem não queria.”

O jovem de 20 anos terminou em 28º na corrida da semana passada, sua estreia olímpica.

Mas como não era esperado que ganhasse uma medalha, conseguiu divertir-se e agradecer o apoio dos 20 ou 30 compatriotas que compareceram para torcer por ele. Entre eles estava o primeiro-ministro do país.

Mas na era digital, uma enxurrada de apoio pode tornar-se uma distração quando os atletas querem concentrar-se em fazer bem pelo seu país.

“Parecia que tinha recebido uma mensagem de todas as pessoas que vivem no Liechtenstein”, disse Püntener.

Gill disse que recebeu “milhares” de votos de felicidades.

“Meu telefone trava, meu Instagram trava”, disse ele.

“Tive que me desligar em determinado momento porque não conseguia ter um segundo de paz comigo mesmo… Agradeço tudo isso, mas acho que tive que aprender a lidar com isso muito rapidamente.”

Apesar do enorme apoio que possam ter recebido, os concorrentes “solitários” enfrentam uma série de desafios, de diferentes maneiras.

Winzar Kakiouea competiu na prova masculina de 100m por Nauru, uma ilha do Pacífico que é a menor república do mundo e depende muito de ajuda.

Ele disse ao jornal americano New York Times que conheceu muita gente que nunca tinha ouvido falar de seu país — que tem uma população de 11 mil habitantes, e não tem nem pista de atletismo adequada, apenas um “oval de terra”.

Quando os Jogos terminarem e os holofotes se voltarem para outra coisa, esses competidores retornarão às suas vidas, que podem ser bem diferentes daquelas vividas por celebridades do mundo esportivo.

Gill decidiu se aposentar do atletismo e agora se concentrará no treinamento da próxima geração de corredores de Belize, bem como em sua futura carreira como engenheiro.

Püntener retornará para sua casa em Schaan, nas montanhas de Liechtenstein, perfeita para o ciclismo cross-country. “Para mim, parece uma cidade grande”, diz ele.

Hassan retomará os treinos na Etiópia, embora espere um dia voltar a viver na sua cidade natal, Mogadíscio, capital da Somália.

Na véspera da prova masculina de 800m, ele tinha esperança de que a melhoria da situação de segurança da Somália poderia significar o envio de mais atletas para futuros Jogos Olímpicos.

A Somália tem uma população de 17 milhões de habitantes, mas tem sido devastada pela guerra civil há décadas.

“Um dia haverá mais atletas”, acredita Nassan.

“Dez atletas, 100 atletas estarão aqui.”

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