Promotores dos Estados Unidos divulgaram detalhes sobre a rede criminosa que forneceu cetamina ao ator Matthew Perryestrela da série Amigos que morreu de overdose em outubro do ano passado.
Apelidada de “Rainha da Cetamina” pelos promotores dos EUA, a traficante de drogas Jasveen Sangha é uma das cinco pessoas citadas como fornecedoras da droga para Perada – explorando seu vício em drogas para obter lucro e levando à morte por overdose.
Sangha enfrenta nove acusações, incluindo conspiração para distribuição de cetamina e distribuição de cetamina resultando em morte.
Com dupla cidadania britânica e americana, Sangha compareceu ao tribunal dos Estados Unidos nesta quinta-feira (15/8) e se declarou inocente.
O seu pedido de fiança foi negado pelas autoridades norte-americanas e ela permanecerá sob custódia até ao seu julgamento, em Outubro.
A acusação alega que foi a distribuição de cetamina pela Sangha em 24 de outubro que causou a morte do ator.
A cetamina é um anestésico com efeitos alucinógenos, de acordo com a Administração de Repressão às Drogas dos Estados Unidos (DEA). A droga altera a percepção da visão e do som e faz as pessoas se sentirem desconectadas e fora de controle.
É usado como anestésico injetável em humanos e animais porque tem a capacidade de fazer com que se sintam desconectados da dor e do ambiente ao seu redor.
A substância só pode ser administrada por médicos. Os pacientes submetidos a esse tratamento necessitam de monitoramento devido aos potenciais efeitos deletérios.
Sangha é acusada de fornecer cetamina desde 2019. Sua casa em North Hollywood foi descrita pelos promotores dos EUA como um “empório de venda de drogas”.
Mais de 80 frascos de cetamina foram encontrados na busca, junto com milhares de outras pílulas, que incluíam metanfetamina, cocaína e Xanax.
A casa foi apelidada de “Estoque Sangha” na acusação. Foi lá que ela embalou e distribuiu os medicamentos, segundo os investigadores.
Segundo a acusação, ela só vendia para celebridades e pessoas ricas.
Enquanto isso, ela vivia uma vida ostentosa nas redes sociais. Sangha tinha amigos famosos e, segundo comunicado ao jornal Daily Mail, esteve presente nas cerimônias do Oscar e do Globo de Ouro.
Logo após a overdose de Perry, ela publicou fotos de sua vida luxuosa, com viagens e festas no Japão e no México.
Um dia antes de ser preso, fotos em suas redes sociais mostravam que ele havia ido ao cabeleireiro e pintado as unhas de roxo.
Os promotores dizem que Sangha começou a fornecer cetamina a Perry depois que outro réu no caso – o médico Salvador Plasencia – soube que o ator estava interessado na droga e encomendou a substância a Mark Chavez, outro médico acusado no caso, que tinha uma clínica que tratava pacientes com cetamina.
Dizem que Plasencia ensinou o assistente de Perry, Kenneth Iwamasa, como injetar a droga no ator. Iwamasa, que morava na casa de Perry como criado, também foi acusado.
“Esses réus se preocupavam mais em lucrar com Perry do que com seu bem-estar”, disse Martin Estrada, um dos promotores.
Se condenada, ela enfrentará uma pena mínima de 10 anos de prisão federal. A pena máxima é a prisão perpétua, segundo o Departamento de Justiça.
As autoridades americanas descobriram uma suposta ligação entre Sangha e outra morte por overdose em 2019.
Documentos legais sugerem que ela sabia dos perigos da cetamina depois de vender o produto a Cody McLaury, um cliente que morreu de overdose.
Ela teria recebido uma mensagem de um parente de McLaury que dizia: “A cetamina que você vendeu ao meu irmão o matou. Está listada como a causa da morte.”
Dias depois, Sangha pesquisou na internet: “a cetamina pode ser listada como causa de morte?”
Ela também está sendo processada por essa morte.
Qual é a poderosa droga cetamina?
A cetamina é uma droga utilizada na medicina e na medicina veterinária pelas suas propriedades sedativas, embora os seus efeitos alucinógenos também a tornem um composto perigoso quando consumido como substância recreativa.
Na própria comunidade médica, embora seja amplamente utilizada como anestésico, sedativo e analgésico, a cetamina gera uma diversidade de opiniões devido às suas fortes propriedades dissociativas.
Em 2019, um derivado do medicamento foi aprovado nos Estados Unidos e na União Europeia para casos graves de depressão que não respondiam a outros tratamentos.
No Sistema Nacional de Saúde britânico (NHS) e em serviços públicos de outros países, a cetamina é utilizada como sedativo, anestésico e analgésico.
Também tem uso generalizado na sedação de animais.
A primeira molécula foi sintetizada em 1962 pela equipe liderada pelo professor Calvin Lee Stevens, da Wayne State University, em Michigan, nos Estados Unidos.
Dois anos depois, esta molécula foi testada durante um ensaio clínico e rapidamente introduzida na prática clínica como anestésico.
Nos últimos anos, vários estudos exploraram o uso de cetamina para tratar dependência e casos graves de depressão.
Em 2019, a University College London publicou um estudo experimental que revelou que mesmo uma pequena dose de cetamina poderia ajudar a reduzir a ingestão de álcool, embora recomendasse que mais pesquisas fossem feitas.
No mesmo ano, a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos e a Comissão Europeia aprovaram que a escetamina, um derivado da cetamina, poderia ser administrada como spray nasal, em conjunto com outro antidepressivo oral.
A intenção era tratar casos graves de depressão em adultos que tentaram outros tratamentos, mas não conseguiram se beneficiar deles.
Esta aprovação foi dada apesar de diversas críticas sobre as limitações das evidências médicas a este respeito.
Conhecida como “Special K” ou “Kit Kat”, a cetamina também é vendida ilegalmente e usada como droga recreativa devido aos seus efeitos alucinógenos.
Parece um pó granulado branco e reduz a sensação no corpo, colocando o consumidor em risco de lesões.
A Administração Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) observa que “a cetamina distorce a percepção da visão e do som e faz com que o usuário se sinta desconectado e fora de controle”.
“Isso faz com que os pacientes se sintam separados da dor e do ambiente”, acrescenta.
A droga também induz estados sedativos, fazendo com que os usuários se sintam calmos e relaxados. A experiência ainda pode causar episódios de amnésia.
“Em baixas doses produz um estado semelhante ao do álcool, com dificuldade para falar ou andar, podendo também induzir estados de euforia que podem durar de 15 minutos a 2 ou 3 horas”, Bruno García Mendive, especialista em anestesiologia e extenso trabalho de reanimação experiência em Cuba e Espanha.
“Combinado com álcool, pode causar depressão respiratória e parada cardíaca. Daí o perigo do seu uso gratuito e descontrolado, com grandes riscos de mortalidade se não houver meios de reanimação para estas complicações”, acrescenta.
“A cetamina também tem sido usada para facilitar a agressão sexual”, comenta a DEA.
Outros efeitos incluem agitação, depressão, dificuldades cognitivas, inconsciência, movimentos oculares rápidos, pupilas dilatadas, salivação, secreções lacrimais, rigidez muscular e possíveis náuseas.
O NHS também observa que danos à bexiga são comuns em pessoas que usam cetamina ilegal para fins recreativos.
Além disso, no Brasil a Lei de Drogas prevê atualmente que é crime adquirir, armazenar ou transportar drogas ilícitas para consumo pessoal, bem como cultivar plantas para esse fim.
Não há previsão de prisão para esse crime. As penas previstas neste caso são “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” e/ou “medida educativa de frequência a programa ou curso educativo”.
Desde que começou a ser aplicada na medicina, o uso da cetamina dividiu defensores e críticos, segundo artigo publicado pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA.
García Mendive destaca que a forte dissociação que a cetamina pode causar quando administrada como anestesia gera conflito entre os especialistas, sendo necessário o uso de outros medicamentos para neutralizar esse efeito colateral.
É por isso que muitos na indústria preferem usar outros anestésicos e optam por evitar a cetamina em muitos procedimentos.
Tal como acontece com os potenciais efeitos antidepressivos de outras substâncias, como os cogumelos alucinógenos, a cobertura mediática da cetamina também levanta sinais de alerta.
Este ano, um grupo de pesquisadores liderado por Nicollette Thornton, da Universidade de Sydney, na Austrália, concluiu que a cetamina foi representada na mídia de uma forma “extremamente positiva”. Isto foi feito com pouca referência à “eficácia e segurança a longo prazo” e com citações de líderes de opinião sendo “excessivamente otimistas em comparação com a base de evidências existente”.
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