Proprietário do SBT, o apresentador e empresário Silvio Santos, morreu neste sábado (17/8)aos 93 anos, não deu problemas apenas à TV Globo, pois ameaçou diversas vezes o primeiro lugar de audiência da maior emissora do país.
Em 1989, o comunicador também incomodou – e muito – o líder das pesquisas para a presidência da República, Fernando Collor de Mello.
O jovem e ambicioso governador de Alagoas, apesar de concorrer com um partido pequeno, o Partido da Renovação Nacional (PRN), contou com o apoio declarado da maioria do empresariado e do todo-poderoso presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho.
“Ele [Collor] ele está mais acomodado, mais ponderado e mais equilibrado, com suas boas ideias privatistas (…) vou influenciar o máximo possível a seu favor”, declarou Marinho, em rara entrevista ao Folha de S.Paulo.
A candidatura presidencial de Silvio Santos, oficializada na última hora em 31 de outubro de 1989, duas semanas antes do primeiro turno, começou a ser gerada a partir de duas disputas, uma política e outra empresarial.
Apesar de emergir como o nome mais forte para derrotar os dois grandes candidatos de esquerda, Lula e Leonel Brizola, Collor não foi unânime entre o establishment político. Acima de tudo porque se projeta nacionalmente como um crítico ferrenho dos que estão no poder, apesar de ser um produto da elite política alagoana.
Filho do senador Arnon de Mello, um dos cardeais da Arena, partido de apoio à ditadura militar, Collor escolheu o então presidente José Sarney como principal alvo de seus ataques.
Velha raposa na política brasileira, Sarney decidiu agir. Para isso, selecionou três cardeais do Partido da Frente Liberal (PFL), Hugo Hugo Napoleão, Edison Lobão e Marcondes Gadelha. O objetivo era tentar convencer Aureliano Chaves, candidato presidencial do partido, com parcos 2% nas pesquisas, a desistir da disputa.
Ele sairia de cena para dar lugar a um candidato muito mais popular e carismático, conhecido de todos os brasileiros, que entraria na eleição com pelo menos 20% das preferências de voto para enfrentar Fernando Collor: Silvio Santos.
Apesar de nunca ter ocupado cargo político, o animador não era exatamente um outsider. Como dono da segunda maior emissora de televisão do país, manteve estreita relação com todos os presidentes da República, com o próprio Sarney e também com os da ditadura militar.
Foi nesse período que obteve autorização para operar canais de TV no Rio, São Paulo, Porto Alegre e Belém, o que possibilitou ao conglomerado formar o Sistema Brasileiro de Televisão, SBT.
Sarney foi frequentemente elogiado no programa “Semana do Presidente”. O quadro foi criado em 1981, durante o mandato do general João Figueiredo, para divulgar as conquistas do Planalto, sempre em tom de orgulho.
Silvio Santos recusou inúmeros convites para entrar na política. Mas em 1989, a ideia parecia tentadora. Mesmo que tenha perdido o segundo turno para um nome da esquerda, uma vitória já estava assegurada: a implosão do candidato preferido da TV Globo e do ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães.
A ACM era dona de uma afiliada da emissora na Bahia e tinha laços históricos com Roberto Marinho. Com Collor como presidente, o abismo que separava a emissora mais poderosa do país das demais concorrentes aumentaria ainda mais.
Os três escudeiros de Sarney estiveram perto de convencer Aureliano Chaves a abrir mão da passagem para Silvio Santos – o que não aconteceu devido à rápida intervenção do empresário Antônio Ermírio de Moraes.
O dono do grupo Votorantim, assim como seus colegas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), temia que a entrada de Silvio Santos na disputa contribuísse para a divisão dos votos da direita. Com os votos concentrados em Collor, esse campo político garantiu representação no segundo turno da eleição.
Ermírio de Moraes prometeu a Aureliano Chaves o que nenhum outro cacique de seu partido havia garantido: dinheiro para sua campanha. Três dias depois do jantar com o dono do Votorantim, Aureliano voltou atrás e manteve a candidatura ao PFL. Coube a Silvio Santos tentar disputar um partido com pouca expressão.
E assim, após rápida negociação, assumiu o lugar do pastor Armando Corrêa, candidato do anão Partido de Mobilização Nacional (PMB).
O pedido de inscrição da chapa de Silvio Santos e Marcondes Gadelha foi feito apenas 11 dias antes das eleições. Chegou a hora do voto impresso e as cédulas eleitorais já estavam prontas com o nome de Armando Corrêa.
Problema parcialmente resolvido pelo talentoso animador de auditório. Faltando poucos segundos para o fim das eleições, Silvio Santos tentou ser o mais didático possível: “No dia das eleições não haverá Silvio Santos nas urnas. Você deve colocar o X e marcar 26. Por favor, não escreva na cédula porque anulará a votação”, disse. “E pode acreditar: Silvio Santos vai lutar por você, defender os interesses do povo e o desenvolvimento do Brasil. Qualquer um que acredite em mim deveria votar em 26.”
Com a entrada de Silvio Santos na disputa, os temores da FIESP se confirmaram. As pesquisas indicavam que o novo candidato estava colhendo votos de Collor.
Poucos dias antes da eleição, entraram em cena duas figuras obscuras da política brasileira, ainda desconhecidas nos corredores de Brasília, mas que mais tarde estariam intimamente ligadas a dois processos de impeachment enfrentados por presidentes da República: PC Farias e Eduardo Cunha.
Tesoureiro da campanha de Fernando Collor, PC Farias colocou em campo um de seus funcionários mais ferrenhos, responsável pela arrecadação de recursos para o comitê de campanha no Rio e que já demonstrava um raro talento para transitar entre esferas de poder.
Habilidade que rendeu a Eduardo Cunha, ex-economista da Xerox do Brasil, o apelido – dado por PC – de “papabiru”. Mistura de papagaio (por causa do nariz proeminente) com gabiru, uma espécie de rato esperto e traiçoeiro.
Eduardo Cunha agiu com rapidez e enorme eficiência ao descobrir que o partido rentista de Silvio Santos, o PMB, não havia promovido convenções em um mínimo de estados, como exige a lei.
Em 9 de novembro de 1989, a menos de uma semana das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral barrou, por 7 votos a 0, a candidatura de Silvio Santos, deixando caminho livre para Collor. Agradecido, PC Farias conseguiu para Cunha a presidência da Telerj, companhia telefônica estatal do Rio.
Com Silvio Santos fora de cogitação, Collor conquistou o primeiro turno, com 30% dos votos, quase o dobro dos votos do segundo colocado, Lula. No segundo, a disputa com o petista foi mais acirrada. O candidato do PRN venceu por 53% a 46% e tornou-se assim o primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura militar.
Sabotado novamente pelo PFL
Em 1992, três anos após a tentativa frustrada de se tornar presidente da República, Silvio Santos decidiu entrar novamente na política.
Lançou-se como pré-candidato a prefeito de São Paulo. Novamente, assim como em 1989, os dirigentes do PFL mexeram os pauzinhos para enfraquecer sua candidatura, com a diferença de que, desta vez, o apresentador era filiado ao Partido da Frente Liberal.
Durante a convenção para escolha do candidato da sigla, o grupo contrário à sua candidatura trocou golpes e chutes com seus apoiadores. Ao final, o deputado Arnaldo Faria de Sá acabaria sendo escolhido para concorrer à prefeitura de São Paulo, vencido por Paulo Maluf.
O nome do animador foi cogitado em outras disputas eleitorais. Em 1988, o PFL chegou a lançar seu nome para concorrer à prefeitura de São Paulo. Desta vez foi o próprio Silvio Santos que, prevendo novas complicações e boicotes, não se entusiasmou com a ideia.
Em 2002, com a iminente vitória de Lula no Planalto, alguns empresários tentaram vendê-lo como o único candidato com chances de derrotar o PT. Silvio se sentiu encorajado, mas, mais uma vez, não conseguiu criar força partidária para seguir em frente.
Nos bastidores, porém, ele nunca deixou de exercer um imenso poder, mantendo boas relações com todos os presidentes, independentemente da coloração ideológica.
Lula lamentou sua morte: “A maior personalidade da história da televisão brasileira”. Com Jair Bolsonaro a proximidade foi muito maior. Em 2020, o então presidente recriou a pasta de Comunicação, extinta quatro anos antes, e a entregou a Fábio Faria, casado com Patrícia Abravanel, uma das filhas do apresentador.
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