“Talvez haja algo errado comigo”, disse um paciente psicólogo Débora Luepnitz.
“Quando não há nenhum homem em minha vida, sinto-me vazia e indigna de ser amada, não aprecio quase nada. Quando me aproximo de um homem, sinto-me sufocada.”
Luepnitz relata essa experiência no livro Ouriços de Schopenhauer (Ed. José Olímpio, 2006). Ela teve a ideia de contar ao seu paciente a parábola que inspirou o nome de seu livro – o dilema do ouriço, ou o dilema do ouriço.
Ela e outros pacientes que procuraram o psicólogo com problemas semelhantes acharam a parábola “reconfortante”. O que é curioso, pois o autor do dilema, longe de ser reconfortante, era um tanto espinhoso.
Artur Schopenhauer (1788-1860) é frequentemente descrito como o “filósofo do pessimismo”.
Pensador jovem e radical Alemanha A partir do início do século XIX, atacou as ideias dominantes, criticando o eminente filósofo Georg Hegel (1770-1831) como um charlatão pomposo e reagindo ao seu idealismo absoluto.
A ideia central de Schopenhauer era que tudo no mundo é movido pela vontade ou, em termos gerais, pelo desejo incessante de viver.
Mas ele não considerou isso algo positivo. Ele não se referiu à vontade como algo que podemos controlar, mas como algo que nos escraviza – uma exigência infinita que nunca é satisfeita.
Schopenhauer argumentou que, como resultado, ficamos oscilando inutilmente entre o sofrimento e o tédio. Para ele, a única saída da tirania da vontade se encontra na arte, principalmente na música.
O dilema
O dilema do ouriço apareceu em 1851, na coleção de pequenos ensaios filosóficos de Schopenhauer, intitulada Parerga e Paralipomena (Ed. Zouk, 2016) — em grego, “apêndices e omissões”.
Esta foi a sua última obra e a primeira a trazer-lhe o reconhecimento filosófico que tanto esperava.
Schopenhauer observou, com satisfação, que aquele livro era “incomparavelmente mais popular” do que todos os seus trabalhos anteriores.
Seus outros livros tiveram pouquíssima repercussão. Nada previa o impacto que ele teria na filosofia ocidental no futuro, influenciando as obras de artistas e escritores como Richard Wagner, Marcel Proust, Albert Camus e Sigmund Freud.
A parábola diz o seguinte:
“Em um dia gelado de inverno, vários ouriços se amontoaram bem próximos para não congelarem, graças ao calor mútuo. Eles logo sentiram a dor causada pelos espinhos dos outros, o que os separou novamente. juntaram-nos novamente e repetiu-se a retirada dos ouriços, de modo que ficaram presos entre dois males, até descobrirem a distância apropriada na qual poderiam tolerar-se melhor.”
Parece uma história infantil, mas resume a natureza complexa das relações humanas. E, como costuma acontecer com Schopenhauer, seu final não é muito feliz.
Ele diz que a vulnerabilidade é necessária para que os relacionamentos sejam mais transcendentes e satisfatórios, mas aumenta o risco de uma dor mais profunda.
E mostra como vivemos presos entre dois males: o isolamento e o risco de nos machucarmos.
“A necessidade de sociedade que surge do vazio e da monotonia da vida dos homens os une; mas suas inúmeras características desagradáveis e repulsivas, além de seus inconvenientes inaceitáveis, os separam mais uma vez”, continua Schopenhauer.
“A meia distância que finalmente descobrem e que lhes permite suportar o estar juntos é a cortesia e os bons modos. Em virtude disso, o fato é que a necessidade de calor mútuo só será satisfeita de forma imperfeita, mas por outro lado, eles não não sentirão a picada dos espinhos.”
Segundo o autor, portanto, estaríamos condenados a nunca satisfazer plenamente o desejo de ter relações sociais positivas, que é uma das necessidades humanas mais básicas e universais.
Uma distância prudente
Apesar do pessimismo, a genialidade da parábola ressoa nas pessoas que estudam os desafios da intimidade.
O pai de psicanáliseSigmund Freud (1856-1939), popularizou a parábola em 1921, em seu livro Psicologia de massa e análise do self (Ed. Cia. das Letras, 2011).
Ele discute a “ambivalência de sentimentos” inerente aos relacionamentos de longo prazo.
Para Freud, o afeto puro não existe. No amor existe ódio; e, no ódio, há amor.
Assim como Freud, outros pesquisadores das relações interpessoais estudaram a parábola. Serviu de ponto de partida para vários estudos.
Um deles é chamado A exclusão social motiva a reconexão interpessoal? Resolvendo o “problema do porco-espinho” (“A exclusão social motiva a reconexão interpessoal? Resolvendo o ‘problema do ouriço'”, em tradução livre).
Nele, seus autores Jon Maner, Nathan DeWall, Roy Baumeister e Mark Schaller examinam como as pessoas respondem ao ostracismo.
Em outros casos, a parábola do ouriço serviu de ferramenta para confortar pacientes atormentados por sentimentos relacionados aos seus relacionamentos íntimos, como no caso relatado pela psicóloga Deborah Luepnitz.
Para ela, muitos de nós vivenciamos “a solidão como um fracasso pessoal, não como uma condição essencialmente humana”.
“A parábola normaliza um problema que muitos de nós consideramos uma falha específica de caráter”, escreveu ela.
A parábola do ouriço também serviu para ilustrar a importância dos limites, tanto físicos quanto emocionais, bem como de outros aspectos das relações interpessoais.
Ela também figurou na cultura popular, especialmente na aclamada série de anime Neon Genesis Evangelion (1995), elogiado por explorar uma série de questões filosóficas e psicológicas.
O personagem principal da série, Shinji Ikari, é um jovem abandonado pelo pai. Ele luta contra a depressão e a ansiedade.
O dilema do ouriço é apresentado no terceiro episódio da série e desenvolvido no episódio seguinte — que, em inglês, tem exatamente esse título. Isso explica a tendência de Shinji de se afastar das pessoas para evitar o risco de se machucar.
“Com o tempo, isso vai resolver”, explica Misato Katsuragi, outro personagem principal. “Parte do crescimento é tentar de novo e de novo e, por tentativa e erro, encontrar a distância certa para evitar se machucar.”
Outra menção conhecida apareceu na série Esta vida emocional (“Essa vida emocional”, em tradução livre). Produzido pela televisão pública americana PBS, trata da natureza da felicidade, dos relacionamentos e da condição humana, na perspectiva de Elizabeth Gilbert, autora do livro Coma, ore, ame (Ed. Objetiva, 2008).
“Os ouriços que aprenderam a gerar seu próprio calor foram capazes de manter uma distância mais segura dos outros, o que não significava necessariamente viver uma vida de isolamento, mas simplesmente não ser cutucado por outros”, explicou Gilbert.
“O caminho para isso é o segredo mais próximo da felicidade que aprendi na vida.”
O próprio Schopenhauer avançou um pouco mais em relação à autogeração de calor. Seu texto sobre porcos-espinhos terminava dizendo:
“Quem tem muito calor interno vai preferir ficar longe da sociedade, para evitar dar ou receber problemas ou aborrecimentos.”
O filósofo acreditava que tudo o que procurávamos nos outros poderia ser encontrado numa solidão refinada através do desenvolvimento do nosso intelecto e do aprofundamento da nossa apreciação pela arte.
Para ele, se podemos mergulhar em um bom livro ou nos elevar ouvindo uma grande peça musical, por que interagir com o ser humano?
“Como regra geral, é possível dizer que a sociabilidade de um homem é quase inversamente proporcional ao seu valor intelectual”, declarou, em outro ensaio.
E para aqueles que eram muito anti-sociais, ele considerava a solidão “duplamente vantajosa”.
“Em primeiro lugar, permite-te estar contigo mesmo e, em segundo lugar, impede-te de estar com os outros – uma vantagem muito importante, tendo em conta a quantidade de restrições, aborrecimentos e até perigos que existem em qualquer relação com o mundo.”
Schopenhauer conhecia esta questão por experiência própria. Ele mesmo preferiu não correr o risco de se picar com espinhos alheios. Portanto, ele viveu praticamente isolado.
Após uma longa carreira filosófica, Schopenhauer morreu em seu apartamento em Frankfurt, na Alemanha, em 1860. Tinha 72 anos.
Nos últimos anos de vida, o filósofo recebeu a aclamação que sempre buscou, mas nunca obteve sucesso no amor — pelo menos, entre os seres humanos, já que contava com o carinho dos cães que sempre o acompanharam, menos dispostos a demonstrar seu carinho. afetos. espinhos.
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