Pressionados pelo aumento consistente número de incêndios no país, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, declarou na semana passada que havia suspeitas de que uma série de incêndios em São Paulo neste mês poderia ter sido orquestrada, repetindo um episódio que permaneceu conhecido como “Dia do Fogo”que aconteceu em 2019.
Na época, o governo federal anunciou que a Polícia Federal conta com 31 investigações sobre incêndios florestais.
Mas a comparação feita por Marina lançou luz sobre um assunto que parecia esquecido: afinal, o que aconteceu com os responsáveis pelo “primeiro” Dia do Fogo, há cinco anos?
Investigação da BBC News Brasil revela que, cinco anos depois do suposto primeiro “Dia do Fogo”, as duas investigações em nível federal sobre o assunto foram encerradas no primeiro semestre deste ano sem que ninguém fosse indiciado, denunciado ou julgado pelo episódio .
Em nota enviada à BBC News Brasil nesta terça-feira (27/8), o Ministério Público Federal (MPF-PA), o órgão informou que as investigações não conseguiram chegar a uma conclusão sobre o episódio.
“As investigações não obtiveram êxito na obtenção de elementos de condenação para a apresentação de denúncia pelo MPF”, dizia trecho da nota enviada pelo MPF-PA.
As investigações, segundo o MPF-PA, foram arquivadas em fevereiro e junho deste ano, mas só foram reveladas agora.
A BBC News Brasil também contatou o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a Polícia Federal e a Polícia Civil do Pará (que também abriu investigação sobre o episódio). O MJSP pediu que dúvidas sobre o caso fossem enviadas à PF. A Polícia Federal e a Polícia Civil do Pará não responderam.
Ambientalistas acreditam que a falta de responsabilização pelo Dia do Fogo 2019 fortalece o sentimento de impunidade em relação aos crimes ambientais no Brasil.
Incêndios em sequência
“Dia do Fogo” foi como ficou conhecida uma série de incêndios florestais no município de Novo Progresso, no Sudoeste do Pará, entre os dias 10 e 11 de agosto de 2019.
Na época, havia a suspeita de que as queimadas fossem organizadas por agricultores do Oeste e Sul do Pará como forma de demonstrar apoio ao então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Naquela época, o governo sofria pressões nacionais e internacionais devido ao aumento do número de queimadas na Amazônia.
As suspeitas de que os incêndios em municípios como Novo Progresso tenham sido orquestrados surgiram depois que um veículo jornalístico da cidade publicou uma reportagem afirmando que empresários e agricultores da região haviam organizado os incêndios por meio de um grupo de WhatsApp.
As suspeitas ganharam peso devido ao aumento significativo das queimadas no Estado em agosto daquele ano. Naquele mês, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Pará registrou 10.185 focos de incêndio. No mesmo mês do ano anterior, esse número era de 2.782, um aumento de 290%.
As queimadas são normalmente utilizadas por agricultores e grileiros em regiões como a Amazônia com o objetivo de retirar vegetação nativa e abrir espaço para plantio de pastagens para o gado. Nem toda queimada é ilegal, mas para que seja considerada regular é necessária autorização do órgão ambiental local.
Cinco anos e nenhuma acusação
A repercussão negativa do episódio levou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) a abrirem dois inquéritos para apurar o caso.
Em outubro de 2019, a PF deflagrou a operação “Pacto de Fogo” e cumpriu quatro mandados de busca e apreensão em endereços de empresários e agricultores de Novo Progresso. Ninguém foi preso na época.
Os policiais apreenderam notebooks, celulares, discos rígidos e anotações que foram submetidas à perícia.
Na época, o delegado responsável pelo caso, Sérgio Pimenta, disse à revista Globo Rural que havia indícios de que o “Dia do Fogo” havia, de fato, sido acertado via WhatsApp.
“A Polícia Federal entrevistou oito pessoas que confirmaram os episódios do “Dia do Fogo””, disse o delegado, segundo a revista.
Ainda segundo o delegado, os incêndios teriam sido agrupados em três grupos de WhatsApp e seus administradores excluíram membros que não eram considerados confiáveis.
Apesar das evidências, nenhum dos empresários e agricultores inicialmente investigados foi indiciado.
Entre eles está o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Novo Progresso, Agamenon Menezes.
Ele foi alvo de mandado de busca e apreensão e prestou depoimento à Polícia Federal. Ele teria sido apontado como um dos integrantes dos grupos de WhatsApp onde teria sido organizado o “Dia do Fogo”.
Em declarações à BBC News Brasil, Menezes classificou a polêmica em torno do “Dia do Fogo” como uma farsa.
“Nunca houve um Dia do Fogo assim. O que aconteceu foi uma mensagem de WhatsApp que foi postada online e usada para criar um escândalo. Este ano, aliás, está pior do que antes”, disse Menezes.
Liderança em incêndios e impunidade
Ambientalistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o arquivamento das investigações e o fato de ninguém ter sido punido pelo “Dia do Fogo” de 2019 aumentam o sentimento de impunidade em relação aos crimes ambientais.
“Há um cenário de impunidade e um sentimento de que o crime ambiental compensa”, disse a porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Thais Banwart, à BBC News Brasil.
Banwart disse que o Greenpeace Brasil fez um estudo com dados ambientais e financeiros públicos e constatou que houve um aumento na área dedicada à agricultura na região onde ocorreu o “Dia do Fogo” e que as propriedades onde foram encontrados incêndios nesse período foram possam aceder ao financiamento público. com taxas subsidiadas.
“Ou seja: o proprietário faz a queima, não responde na esfera cível ou criminal e ainda tem acesso ao crédito rural com taxas inferiores às de mercado”, disse o porta-voz.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) coletados pela BBC News Brasil mostram que mesmo após a repercussão negativa do “Dia do Fogo” há cinco anos, a região continua liderando o ranking de incêndios florestais em todo o Brasil.
Segundo o Programa Queimadas, do Inpe, Novo Progresso é o quarto município com maior número de focos de incêndio detectados neste ano, com 2.292, atrás apenas de Corumbá (MS), com 4.243, Apuí (AM), com 3.401, e Lábrea (AM), com 2.464.
Para a ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e atual coordenadora de Políticas Públicas da organização não governamental Observatório do Clima, Suely Araújo, o resultado das investigações no Pará pode potencializar a criminalidade ambiental.
“Essa falta de responsabilização pelo ocorrido no Dia dos Bombeiros, que foi uma orquestração criminosa, é muito ruim e acaba potencializando a possibilidade de novas ocorrências semelhantes. Isso pode já estar acontecendo”, disse Araújo.
Segundo ela, há uma ligação direta entre a impunidade e o fato de Novo Progresso, cenário do “Dia do Fogo”, continuar entre os líderes em número de incêndios no Brasil.
“A impunidade está sempre relacionada à continuidade das infrações ambientais e o Brasil tem dificuldade em impor essa responsabilidade”, afirmou Araújo.
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