A rede social
Na quarta-feira (28/8), Moraes intimou o bilionário Elon Muskproprietária do X desde outubro de 2022, nomear um representante legal no Brasil em até 24 horas. Em caso de descumprimento, a rede social seria suspensa no país.
O Brasil é o sexto maior mercado de X do mundo, com 21,5 milhões de usuários, segundo plataforma global de dados e estatísticas Estatista. O país fica atrás apenas dos EUA, Japão, Índia, Indonésia e Reino Unido.
A decisão do ministro vem depois Musk fecha escritório da rede X no Brasil em 17 de agostodemitir funcionários, inclusive representantes legais da empresa.
Na época, o bilionário justificou sua decisão de fechar a sede brasileira devido a “exigências de censura” do ministro do STF.
A rede social, porém, permaneceu online para os usuários.
Em nota, X afirmou que Moraes ameaçou de prisão o representante legal da empresa caso a rede social não cumprisse as ordens, classificadas como “censura”.
No dia 8 de agosto, Moraes havia ordenado o bloqueio de sete perfis bolsonaristas na rede social. Entre eles, o do senador Marcos do Val (Podemos-ES). A OX, porém, não acatou a decisão judicial. O despacho também determinou multa de R$ 20 mil por dia.
Essas multas teriam afetado até mesmo a operação de outra empresa de Musk no Brasil, a Starlink, que fornece internet para usuários em diversas regiões do país, segundo declaração da empresa em X. Segundo a Starlink, suas contas foram bloqueadas por Moraes.
“Esta ordem baseia-se na determinação infundada de que a Starlink deveria ser responsável pelas multas aplicadas — inconstitucionalmente — contra X. Foi emitida em sigilo e sem conceder à Starlink o devido processo legal garantido pela Constituição do Brasil”, diz o comunicado.
Ao comentar a notícia sobre o bloqueio de contas da Starlink, Musk disse que a medida era “ilegal” e escreveu que Moraes “é um criminoso declarado da pior espécie, disfarçado de juiz”.
Questionado pela BBC News Brasil, o STF afirmou que “não tem informações” sobre o caso Starlink.
O que diz a lei brasileira
Musk é investigado pelo STF sob a acusação de obstrução à justiça, organização criminosa e incitação ao crime. O bilionário também foi incluído na chamada investigação da milícia digital, que também tem outros sob investigação.
Como proprietário de
Em intimação para Musk na última quarta-feira, Moraes cita o Marco Civil da Internet, lei 12.965/14.
No artigo 11, a lei brasileira diz que “qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, dados pessoais ou comunicações por provedores de conexão e aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, a legislação brasileira deverá ser obrigatoriamente respeitado”.
O advogado Francisco Cruz, diretor executivo do InternetLab, centro de pesquisa focado em direito e tecnologia, avalia que as empresas de mídia social não são exatamente obrigadas a ter escritório no Brasil, mas são obrigadas a cumprir a legislação brasileira.
“Quando o ministro do STF ou qualquer juiz no Brasil determina que um perfil seja suspenso, que uma postagem seja removida ou que uma informação seja prestada, a empresa tem que dar um jeito, principalmente se se enquadrar no artigo 11 do Marco Civil”, explica Cruz.
Em 2023, Moraes já havia tomado atitude semelhante. Ele determinou que o aplicativo de mensagens Telegram informasse ao STF seu representante legal no Brasil, caso contrário seria retirado do ar. Na ocasião, o Telegram indicou um nome.
“A determinação para representação legal é objetiva, visa o cumprimento de obrigações, tanto que o próprio ministro diz que a suspensão é até o pagamento das multas e o cumprimento das ordens”, afirma Francisco Cruz, do InternetLab.
Especialista em liberdade de expressão, o jurista constitucional André Marsiglia menciona que o Código Civil exige que as empresas estrangeiras que operam no Brasil devem de fato manter um representante legal no país.
Mas, na avaliação de Marsiglia, a suspensão de X é “uma medida desproporcional”.
“A decisão não afeta apenas a plataforma, mas todos os seus usuários. Punir os usuários para atingir Musk é desproporcional. E desproporção geralmente é sinônimo de censura”, afirma.
Para o advogado, embora a decisão de bloquear os recursos da Starlink seja “controversa”, “ainda é uma medida menos onerosa para as pessoas e que, se tomada com cautela e cautela, poderia ser adotada em vez de suspender X”.
Almíscar x Moraes
A tensão entre o bilionário e o ministro tem aumentado nos últimos meses.
Desde 2022, Musk iniciou uma ofensiva pública contra Moraes, acusando-o de censura e ameaçando descumprir ordens judiciais, inclusive bloqueando as contas de investigados pelo STF.
Moraes IMusk então incluiu Musk na investigação da milícia digital em abril, e também abriu nova investigação para apurar se o empresário cometeu crimes de obstrução à justiça, organização criminosa e incitação ao crime.
“A mídia social não é uma terra sem lei; são terra de ninguém”, destacou Moraes na decisão, tomada após o dono do X fazer postagens na rede social que, segundo Moraes, são uma “campanha de desinformação” que instiga “desobediência e obstrução da justiça”.
Na época, Musk chamou Moraes de “ditador brutal” e disse que o ministro está com o presidente Lula “na coleira”.
Mas, para entender como a situação chegou a esse ponto, é preciso voltar a 2019.
Foi nesse ano que foi instaurado o chamado inquérito das fake news, que apura a divulgação de conteúdos falsos com ofensas e ameaças que “afetam a honra e a segurança” do STF, de seus integrantes e de seus familiares. Moraes é o relator do inquérito.
Desde então, diversos perfis foram suspensos ou foram suspensos na rede social.
Moraes também autorizou uma investigação em 2021 para apurar indícios de atuação de uma milícia digital com o objetivo de atacar a democracia e o Estado democrático de direito.
Moraes ainda é relator do inquérito que apura os atos golpistas de 8 de janeiro.
Entre os alvos dessas investigações estão apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Durante sua presidência no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre agosto de 2022 e junho de 2024, Moraes também tomou decisões contra usuários de redes sociais com a justificativa de coibir a disseminação de notícias falsas.
Bloqueios fora do Brasil
Entre os países que actualmente bloqueiam o acesso ao X estão a China, o Irão, a Coreia do Norte, a Rússia, o Turquemenistão e Mianmar. O nível de controle sobre a conexão à rede social varia dependendo do país.
Buna Santos, da organização Ação Digital, destaca que as circunstâncias em que ocorrem os bloqueios do Twitter em muitos outros países são diferentes das que ocorrem hoje no Brasil.
A China, por exemplo, bloqueia alguns sites por considerar que vão contra “o ideal de um governo ou partido”, diz. “No Brasil, o bloqueio se daria dentro de um processo judicial e após reiterado descumprimento de ordem”, avalia.
Em território chinês, a proibição faz parte de uma estratégia mais ampla de censura na internet, conhecida como ‘Grande Firewall’. Quem tentar acessar o X – assim como outras redes sociais como Instagram, Facebook e WhatsApp – a partir de um computador no país receberá uma mensagem de erro.
Muitos cidadãos usam ferramentas VPN para contornar o bloqueio. VPN é a sigla em inglês para rede privada virtual, um mecanismo que funciona criando uma conexão criptografada segura entre o dispositivo do usuário e um servidor remoto.
Isso permite ao usuário acessar a internet a partir de uma rede localizada em outro país e, portanto, sem restrições locais.
Noutros países, como a Nigéria, Türkiye e Uganda, já foram relatados bloqueios temporários de X.
Para o advogado Francisco Cruz, do centro de pesquisas InternetLab, entre os maiores mercados de internet do mundo, o Brasil tem sido reconhecido por conduzir esses conflitos com as redes sociais “a ferro e fogo”
“Cada país não tem apenas uma legislação diferente, mas um peso político diferente. O Brasil está num limiar, no sentido de que o Judiciário não chega com uma resposta de ‘não posso cumprir ou não tenho cargo’, porque o país é um mercado relevante o suficiente para fazer barulho e causar prejuízo a essas empresas”, diz Cruz.
O advogado destaca que poucos países têm esse “poder de barganha” como o Brasil.
“Quando olhamos para outros países, temos que ter cuidado, porque ou eles não têm essa força e essa capacidade para fazer cumprir essa ameaça [de tirar redes do ar] ou eles têm outro problema geopolítico [como Rússia e China]”, explica ele.
Nos EUA, por exemplo, o TikTok pode ser banido no país a menos que seu proprietário chinês, ByteDance, venda a operação americana da empresa até 2025.
Os legisladores americanos aprovaram a regra preocupados com a possibilidade de o governo chinês obter acesso aos dados de 170 milhões de usuários norte-americanos.
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