Oponente de Nicolás Maduro, Edmundo González Urrutia pediu asilo político na Espanha e deixou a Venezuela neste fim de semana. Segundo a vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, o ex-candidato estava refugiado na embaixada espanhola em Caracas e o governo aceitou a sua saída em favor da “tranquilidade e da paz política no país”. O ministro espanhol das Relações Exteriores, José Manuel Albares, confirmou a aceitação do pedido de asilo e afirmou que “o governo da Espanha está comprometido com os direitos políticos e a integridade física de todos os venezuelanos”.
González e a esposa embarcaram na noite de sábado em um avião da Força Aérea Espanhola, pousando ontem na base de Torrejón de Ardoz, perto de Madri, pouco depois das 11h (horário de Brasília). “Confio que em breve continuaremos a luta para alcançar a liberdade e a recuperação da democracia na Venezuela”, afirmou o ex-diplomata, em áudio divulgado pela sua equipe após chegar ao país europeu.
A fuga ocorre dias depois de ter sido emitido um mandado de detenção contra o ex-diplomata por crimes eleitorais, solicitado pelo Ministério Público (MP) e aceite pela justiça venezuelana na passada segunda-feira. Ele é acusado de publicar cópias de mais de 80% das atas de votação em um site, defendendo sua vitória com mais de 60% dos votos nas eleições de 28 de julho. No entanto, o governo afirma que o material está cheio de inconsistências.
Segundo o MP, aliado do presidente Nicolás Maduro e controlado pelos chavistas, o pedido de prisão foi apresentado depois que González ignorou três intimações para prestar depoimento. O ex-diplomata, por sua vez, denunciou que o órgão agia como “acusador político” e argumentou que, caso comparecesse, seria submetido a um processo “sem garantias de independência”.
A líder da oposição María Corina Machado declarou que a saída do presidente eleito da Venezuela era necessária para “preservar a sua liberdade e a sua vida” no meio de uma “onda brutal de repressão”. “A sua vida estava em perigo, e as crescentes ameaças, intimações, mandados de detenção e até tentativas de chantagem e coação a que foi sujeito demonstram que o regime não tem escrúpulos nem limites na sua obsessão em silenciá-lo e tentar subjugá-lo”, publicado no X (antigo Twitter).
Horas depois, Corina anunciou que, “no dia 10 de janeiro de 2025, o presidente eleito Edmundo González Urrutía tomará posse como presidente constitucional da Venezuela e comandante das Forças Armadas nacionais. diáspora, e continuarei a fazê-lo aqui, ao seu lado.”
Ainda ontem, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, disse que a fuga de Urrutia representa o fim de “uma comédia”. “Eu diria que termina a breve temporada de uma peça humorística, num gênero que eu poderia chamar de comédia, teatro bufão”, disse Saab ironicamente.
Apoio internacional
Desde a proclamação da vitória de Maduro, com 52% dos votos, ocorreram protestos em todo o país. Os Estados Unidos, a União Europeia e as nações latino-americanas rejeitaram o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e pediram a verificação dos votos, mas a CNE adiou a entrega da acta, alegando que foi alvo de uma ataque cibernético. O conselho afirma, porém, que a invasão hacker não conseguiu alterar os votos, que são protegidos por sistema analógico próprio.
No sábado, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, chamou González de “herói que a Espanha não abandonará” durante uma reunião do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) em Madrid. Além dele, falou o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, afirmando que “é um dia triste para a democracia na Venezuela” e destacando que, “na democracia, nenhum líder político deve ser forçado a pedir asilo em outro país.” “A UE insiste que as autoridades venezuelanas acabem com a repressão, as detenções arbitrárias e o assédio contra membros da oposição e da sociedade civil, bem como libertem todos os presos políticos”, disse Borrell num comunicado.
Aumento da perseguição
O venezuelano Rufo Chacon, de 21 anos, vive atualmente na Espanha, devido à opressão que sofreu em seu país natal. Chacon afirma que Edmundo González conta com o apoio da população, “porque estava sendo perseguido por este governo corrupto”. “Se o tivessem capturado, ele teria sido torturado e desaparecido como muitos venezuelanos”, disse ao Correio.
O jovem teve que fugir da Venezuela com a mãe e a irmã de 7 anos. “Eles queriam desaparecer comigo. Eu sou o sobrevivente que pode falar e mostrar ao mundo como o governo nos tortura. Eles me deixaram cego, ainda tenho 47 fragmentos de bala no rosto. Eles me perseguiram e tentaram matar minha mãe, como ela relatou todos os atos de perseguição.”
Para Rufo, a esperança tem nome: María Corina Machado. “Uma mulher forte e honesta que esteve na linha de frente, lutando pela nossa liberdade.” Embora ele e sua família não possam retornar à Venezuela, tentam viver com o mínimo no país europeu. “Foi muito difícil sair do meu país e vir para Espanha pedir asilo. Já se passou um ano e um mês e não posso estudar nem trabalhar. A minha mãe tenta trabalhar para nos sustentar. Espero que, em algum momento, ponto, haverá uma resolução e isso nos apoiará.”
José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciências políticas da Universidade Central da Venezuela (UCV), disse que a fuga de figuras como Edmundo Gonzalez revela que o regime de Maduro é incapaz de manter uma fachada democrática. “Apesar das tentativas de controlar o sistema eleitoral e de manipular os resultados, roubar as eleições não terá sucesso a longo prazo. A comunidade internacional e a maioria do povo venezuelano já não o vêem como um líder legítimo e a narrativa de fraude é cada vez mais consolidado.”
Um venezuelano que não quis ser identificado disse ao Correio: “O clima é de proteção contra a arquitetura do terror. Acho que não”, referindo-se à posição de Maduro diante da fuga de González.
Palavra de especialista
“Esta é a primeira vez que um candidato presidencial deixa o país tão pouco depois das eleições, mas outros políticos da oposição (incluindo aqueles em prisão domiciliária) conseguiram deixar o país nos últimos anos. A oposição provavelmente continuará a pressionar enquanto o governo tende a cercar os espaços onde este grupo atua. O governo de Maduro tem utilizado todos os mecanismos institucionais para garantir a sua permanência no poder e o Judiciário tem sido um dos seus aliados mais importantes.”
Linha do tempo
20/03- Venezuela emite ordem de prisão contra seis opositores
28/07- Venezuelanos vão às urnas para eleger o presidente
29/07- A reeleição de Maduro é declarada. Ele expulsa o corpo diplomático da Argentina e de outros seis países. Argentina pede ajuda ao Brasil
31/7- Itamaraty atende pedido e afirma que assumirá a custódia da embaixada argentina na Venezuela
1/8- Brasil assume diplomacia argentina em Caracas
6/9- Forças venezuelanas cercam a Embaixada da Argentina e a eletricidade foi cortada
7/9- Venezuela revoga custódia do Brasil da embaixada da Argentina
8/9- Edmundo González foge para Espanha sob asilo, cinco dias após um mandado de prisão do regime de Maduro
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