Foi o dia mais sangrento no Líbano em 34 anos, desde o fim da guerra civil libanesa. Cerca de 1.600 bombardeios da Força Aérea Israelense contra o sul e o leste do país deixaram pelo menos 492 mortos, incluindo 35 crianças e 58 mulheres, e 1.645 feridos. A milícia xiita libanesa Hezbollah disparou 210 foguetes em direção à Alta Galiléia, na fronteira norte de Israel, e à cidade de Haifa. A Operação Northern Arrows destruiu “dezenas de milhares” de foguetes do grupo fundamentalista liderado pelo Xeque Hassan Nasrallah, anunciou o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant.
O governo israelense estima que o Hezbollah tenha 150 mil projéteis. Num vídeo, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu aconselhou os libaneses a “se afastarem das áreas perigosas”. Quase ao mesmo tempo, cidadãos que viviam em áreas com forte presença do Hezbollah receberam mensagens via telemóvel com o mesmo aviso. Os militares também anunciaram um ataque em Beirute dirigido ao comandante da frente sul da milícia. O grupo garantiu que ele está “bem” e em “lugar seguro”.
O Chefe do Estado-Maior do Exército israelita, Herzi Halevi, afirmou que os bombardeamentos visaram infra-estruturas de combate e acrescentou que as tropas estão “a preparar-se para as próximas fases” da operação. Um alto funcionário do governo dos EUA garantiu à France-Presse que a Casa Branca se opõe a uma invasão terrestre. Ele prometeu que os EUA apresentarão “ideias concretas” para reduzir a tensão no Líbano.
Porta-voz da Organização das Nações Unidas (ONU), Stéphane Dujarric disse que o secretário-geral (António Guterres) está “muito preocupado com a escalada da situação e com o grande número de vítimas civis”. O governo francês convocou uma reunião de emergência do Conselho de Segurança para discutir a escalada e alertou para a necessidade de evitar uma “conflagração regional que seria devastadora para todos”. Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), alertou: “Estamos à beira de uma guerra total”.
Hospital
Nasser Farran, cirurgião do Hospital Hiram, em Tiro (80 km ao sul de Beirute), está confinado na sala de cirurgia desde terça-feira (17/9), quando chegaram as vítimas das detonações de pagers e walkie-talkies. “Não ouvimos as explosões, porque estamos no subsolo. Mas, de vez em quando, podemos ouvir algo como o som de uma porta batendo. Sabemos que é um bombardeio. Ouvi dizer que nenhuma aldeia ficou sem ser alvo de mísseis. Hoje (ontem), recebemos dezenas de feridos. O hospital está funcionando na capacidade máxima”, disse ao jornal. Correspondênciapor telefone. “Os ferimentos afetaram diferentes partes do corpo de homens, mulheres e crianças. Há queimaduras nos membros e muitas amputações”.
Farran disse que trabalhou no Hospital Hiram durante os conflitos de 1993, 1996 e 2006. “Nunca vi nada assim. Desta vez, é uma guerra muito mais frontal, com mais feridos e mortes. Nenhuma área em todo o Líbano está seguro”, admitiu. A esposa de Farran saiu de Tiro às 14h desta segunda-feira (horário local), com destino a Beirute. Dez horas depois, ela ainda não havia chegado a Sidon, localizada a apenas 25 minutos de sua cidade natal. “Acho que estamos vivendo uma guerra aberta. Quanto à invasão de terras, ninguém sabe. O conflito está começando.”
Por volta da 1h20 desta terça-feira (24/9) (19h20 de segunda em Brasília), o cardiologista Basma Adnan, 76 anos, percorria os 80 quilômetros que separam Tiro de Beirute, quando conversou com o Correspondênciapor telefone. Com a voz cansada, disse que chegaria à capital pela manhã. “Estamos viajando há 24 horas. Os bombardeios estão acontecendo em cima de nós, por todo o caminho. O país está dividido em três partes, que não querem uma luta nacional. O Hezbollah é um dos partidos seculares que destruíram o país e a economia e roubou o povo libanês Infelizmente, não temos nem refúgio”, disse ele. “O povo libanês está a pagar o preço. Nem todos nós queremos a guerra contra Israel, como o Hezbollah fez. Queremos eleger um presidente que não dependa de outras nações. Queremos um Líbano democrático, com um exército forte, capaz de libertar o território e defender toda a população, não apenas uma parte.”
Adnan acusou Israel de mentir e repetir o que fez na Faixa de Gaza. “Eles estão assassinando civis aqui. Meu vizinho, por exemplo, foi morto com sua esposa e quatro filhas. Eles dormiam na casa dele. Eles não estão apenas atacando o Hezbollah. Eles estão eliminando e exterminando um povo. Eles querem nos expulsar do sul. Líbano para ocupar o território”, acrescentou.
Em Beirute, Tania Baban — diretora da organização não governamental Medglobal no Líbano — explicou que milhares de civis libaneses abandonaram as suas casas no sul do país e dirigiram-se para o norte e para a capital. “Estamos testemunhando o momento mais crítico no deslocamento de pessoas, que começaram a migrar a partir de 7 de outubro de 2023”, disse ela ao Correio, citando o massacre cometido pelo grupo fundamentalista palestino Hamas na Faixa de Gaza. Ela destacou que essas pessoas precisam de cuidados médicos, apoio psicológico e abrigo.
Sequestro
Para Eytan Gilboa, professor de relações internacionais na Universidade Bar-Ilan (em Ramat Gan), a resposta de Israel à “agressão do Hezbollah” deveria ter sido dada há meses. “A organização terrorista sequestrou o Líbano, tornando-o um satélite iraniano. Desde 8 de outubro de 2023, atacou cidades e aldeias israelenses, matou civis e destruiu inúmeras casas. Israel teve que evacuar 100.000 cidadãos da fronteira com o Líbano. Tanto o Hezbollah e Israel não querem uma guerra em grande escala, mas o governo de Netanyahu está determinado a afastar as forças do Hezbollah da fronteira”, disse ele Correspondência.
O académico israelita considera que uma escalada depende do Irão, “que normalmente transmite instruções” às milícias xiitas. “O objetivo de Israel é forçar o Xeque Hassan Nasrallah a parar a agressão e obter uma solução diplomática para o conflito ou enfrentar um confronto aberto, o que levaria à destruição do Hezbollah.”
Gilboa explicou que a Força Aérea Israelense destruiu lançadores de foguetes, mísseis e drones escondidos pelo Hezbollah nos telhados das casas das famílias. “Daí o elevado número de vítimas. As Forças de Defesa de Israel (IDF) pediram aos residentes de casas cheias de armas que abandonassem a área. A guerra poderá terminar se o Hezbollah parar os seus ataques a Israel.”
Barak Medina — professor de direito na Universidade Hebraica de Jerusalém — lembrou ao repórter que Israel esperou quase um ano para que a comunidade internacional tomasse uma iniciativa contra o Hezbollah. “O mundo ignorou-o. Os ataques de Israel não são contra o Líbano, mas contra o Hezbollah, que praticamente assumiu o controlo do Estado. Os bombardeamentos tiveram como alvo mísseis apontados a Israel e armazenados em casas. Como Israel emitiu um aviso, as operações militares estão em conformidade com o direito internacional .”
EU PENSO…
“Não espero muita pressão da comunidade internacional sobre Israel. O Hezbollah é reconhecido como uma organização terrorista pelos EUA, pela União Europeia, pela maioria dos países árabes sunitas e por outras nações. Faz parte da construção pelo Irão de um anel de fogo em torno de Israel. Israel.”
Eytan Gilboaprofessor de relações internacionais na Universidade Bar-Ilan (em Ramat Gan)
“É difícil prever o resultado do conflito. O Hamas quer assinar um cessar-fogo em troca da libertação de todos os reféns israelitas, uma oferta feita sob pressão do Irão e do Hezbollah. Espero que Netanyahu concorde com isso, mas concorda. não parecem credíveis, porque o governo vê a oportunidade de destruir o Hezbollah.”
Baraque Medinaprofessor de direito na Universidade Hebraica de Jerusalém
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