Em outubro, 5.569 municípios brasileiros eleger prefeitos e vereadores – mas Brasília e demais regiões administrativas do Distrito Federal, também chamadas de “cidades satélites”, não estão incluídas nesta conta.
A área possui uma organização política distinta porque o Distrito Federal tem características de município e de Estado, e suas “cidades satélites” não são tratadas como municípios.
“Quando Brasília foi inaugurada em 1960, o modelo administrativo estabelecido era um pouco mais parecido com o de Estado, englobando responsabilidades que, em outras regiões, seriam divididas entre prefeitos e governadores de estado. Assim, o título de ‘prefeito’ foi substituído por ‘ governador’”, explica o historiador Matheus Rosa, mestre pela UnB e pesquisador de história regional.
E como capital federal, diz Rosa, a ideia era que Brasília pudesse funcionar de forma independente e imparcial, sem o impacto de disputas regionais.
Mas, embora existam semelhanças com as administrações estaduais, o Distrito Federal possui características únicas que, durante décadas, resultaram na falta de eleições municipais.
Para compreender as diferentes divisões políticas do resto do Brasil, é necessário voltar à década de 1950, quando começou a ser discutida a transferência da capital federal para o interior do Brasil, que remonta ao início do século XIX. revivido.
O que é Distrito Federal – e por que não pode ser considerado um Estado
Diferentemente dos Estados, o Distrito Federal possui uma estrutura administrativa singular, com maior centralização de algumas funções no governo federal.
Embora o DF tenha governador e câmara legislativa própria, algumas funções, como segurança pública e questões judiciais, são administradas ou fiscalizadas pelo governo federal.
Aspectos como tributação e regulação do transporte público entre municípios e estados vizinhos, por exemplo, que normalmente seriam de responsabilidade do governo estadual, no DF são de responsabilidade da União.
A ideia de um Distrito Federal em Brasil vem do Império, quando, em 1834, foi criado o “município neutro”.
O objetivo era separar a administração do Rio de Janeiro, então capital do Império, para garantir uma gestão especial por ser sede do governo.
“Já existia essa ideia de que a capital do país deveria ter uma administração local com status diferente de outras províncias ou regiões do Brasil”, diz Rosa.
Na prática, explica o historiador, o município neutro funcionava como um município ordinário, com Câmara Municipal e prerrogativas.
“No entanto, alguns serviços essenciais, como polícia e bombeiros, eram controlados diretamente pelo governo central. Com a Proclamação da República, esse conceito evoluiu para Distrito Federal, nome que refletia a influência do modelo republicano americano, especialmente sobre a questão federal “.
O Centro-Oeste como escolha do DF
O Rio de Janeiroo foi capital do Brasil entre 1793 e 1960. Durante os 167 anos como sede, a ideia de transferir o poder nacional para o centro do Brasil foi comum a vários governantes.
Segundo o historiador Matheus Rosa, não há um motivo único para essa transferência — ela foi motivada por motivos diversos em momentos diferentes.
“Um dos principais fatores sempre foi a questão da segurança nacional. O Rio de Janeiro, por ser uma cidade litorânea, era considerada vulnerável tanto a invasões estrangeiras quanto a revoltas internas, devido à crescente urbanização e à nova visão do local como uma ‘cidade dos proletários ‘ao longo do século XIX e início do século XX.”
O professor Antônio Carpintero, do Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da UnB, descreve o primeiro estudo da área que viria a ser o Distrito Federal.
“O governo de Floriano Peixoto nomeou uma comissão, chamada Comissão Cruls, em 1890, que fez um relatório detalhado sobre a região. O relatório localizou um retângulo no Planalto Central para a criação do Distrito Federal. suspense Floriano Peixoto deixou a reportagem pronta para Prudente de Morais, que acabou engavetando o projeto.”
O plano sofreu alterações e atualizações nos governos seguintes, até ganhar mais força no governo de Getúlio Vargas e, principalmente, no de Juscelino Kubitschek, presidente que efetivamente realizou a transferência da capital do Rio para a recém-construída Brasília.
“Ao lançar a candidatura, Kubitschek conciliou as diferentes leituras do projeto e priorizou a mudança da capital, apesar da oposição de alguns setores políticos que queriam que ela permanecesse no Rio”, lembra Carpintero.
A mudança passou a ser vista como uma forma de descentralizar a população, maioritariamente concentrada no litoral, e ocupar o interior, especialmente o Centro-Oeste.
“O processo de integração nacional também envolveu a ocupação de terras que, embora consideradas ‘desocupadas’, já eram habitadas por povos indígenas e populações tradicionais”, afirma Matheus Rosa.
“Assim, Brasília simbolizou não apenas a expansão econômica para o interior, impulsionada pelo agronegócio, mas também a criação de uma rede de infraestrutura que incluía rodovias, ferrovias e aeroportos, promovendo a integração do território e a expansão do mercado interno”.
A integração também envolveu a criação de uma infraestrutura robusta, que incluía energia, transportes — como rodovias, ferrovias e aeroportos —, facilitando a integração do território e a expansão do mercado interno.
“A expansão do mercado interno foi vista como uma forma de superar a condição de exportar matérias-primas e transformar o Brasil em uma nação moderna e industrializada, de acordo com a visão do século XX do que seria uma nação desenvolvida. riqueza agrícola no interior e expandir o consumo nestas regiões.”
Nas décadas de 1930 e 1940, durante a expansão demográfica e econômica, diversas soluções e tamanhos diferentes foram idealizados para o Distrito Federal.
O formato atual, com 5.760 km² e dividido entre regiões administrativas — e não municípios — foi idealizado em 1955 por uma comissão militar, a quem coube localizar a cidade de Brasília no Distrito Federal e definir seus limites geográficos.
“No contexto brasileiro, o distrito é a menor circunscrição territorial autônoma, com relativa autonomia, mas menor em tamanho que vários municípios brasileiros. Sua criação teve como objetivo evitar que um Estado tivesse precedência sobre os demais, garantindo que a capital fosse neutra e independente “, descreve Antônio Carpintero, do Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da UnB.
Para efeito de comparação, vale destacar que a área do Estado de São Paulo é 43 vezes maior que a área do Distrito Federal. O Rio de Janeiro tem uma área 7 vezes maior que a do DF e por sua vez o Estado de Minas Gerais é 100 vezes maior.
O território do DF ainda é menor que os mais de 150 municípios do país.
A área, significativamente menor que outras unidades federativas, também contribui para uma governança mais centralizada.
A prefeitura que durou 9 anos
Embora hoje não exista mais, Brasília teve prefeitura entre 1960, ano de sua criação, e 1969.
Como explica o historiador Matheus Rosa, o termo “prefeitura do Distrito Federal” já era utilizado no Rio de Janeiro quando era capital, e foi transferido para Brasília.
“A administração do Distrito Federal, após a transferência, passou a ser regida inicialmente por uma lei de 1960, nos moldes do que vigorava até então, ou seja, um prefeito nomeado pelo Presidente da República e uma Câmara de vereadores funcionando separadamente.”
Em 1969, durante o ditadura militaruma emenda à Constituição de 1967 aboliu o papel do prefeito. A partir daí, o comando mudou.
“O que aconteceu em 1969 foi a mudança do nome de ‘prefeito’ para ‘governador’, sem mudar muita coisa na prática”, afirma o historiador. Esta situação continua até hoje.
Uma possível razão para essa mudança, segundo Rosa, seria uma comparação entre o Distrito Federal, no Planalto Central, e o Estado da Guanabara, criado em 1960, quando o Rio de Janeiro perdeu o status de capital federal.
“O Estado da Guanabara era uma situação especial, pois era um Estado formado por um único município, cabendo ao governador acumular as funções de prefeito. A emenda constitucional que instituiu o ‘governador’ do Distrito Federal também consolidou esse acúmulo de funções em Guanabara”.
Em 1975, quinze anos depois, a Guanabara se fundiu com o Estado do Rio de Janeiro.
Outra hipótese, explica Rosa, é que essa mudança buscou dar mais prestígio político à figura do governante de Brasília, já que, na época, muitos dos ministérios e órgãos do governo federal ainda funcionavam no Rio de Janeiro.
“Depois do governo Médici, em 1969, houve uma determinação maior em transferir essas estruturas para Brasília. Assim, a mudança de prefeito para governador pode ter sido uma tentativa de dar um status maior a Brasília”.
Mesmo que a prefeitura hoje não exista mais, os cidadãos do DF ainda podem ser convocados para serem mesários, pois há necessidade de votar em pessoas que moram na região, mas estão cadastradas em outras localidades.
“Vale dizer também que alguns moradores de Brasília estão de olho nas eleições nos municípios de Goiásjá que a proximidade geográfica faz com que muitos utilizem serviços ou frequentem locais nessas cidades”, aponta o historiador.
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