POR CLARITA COSTA MAIA* — Apenas seis dias antes do aniversário de um ano do maior ataque aos judeus desde a Segunda Guerra Mundial – uma acção coordenada que reviveu o trauma histórico da pogroms Russos dos séculos XIX e XX —, o principal patrocinador dos actos de agressão, crimes de guerra e genocídio cometidos pelo Hamas na rave SuperNova e nos kibutzim saiu das sombras: o Irão.
Nesta terça-feira (1/10), o Irã realizou o maior ataque da história contra Israel com mísseis, lançando 182 artefatos balísticos (entre eles, Shahab-3, Qiam-1 e Zolfaghar). A maioria foi interceptada pelo sistema Arrow 3, a terceira camada de defesa aérea de Israel. Este foi o segundo ataque com mísseis do Irã contra Israel este ano.
A reação iraniana era esperada. O Irão é o principal patrocinador do Hamas (na Faixa de Gaza), dos Huthis (no Iémen) e do Hezbollah (no Líbano). Diante do enfraquecimento dos seus aliados, o país persa precisou agir para manter o seu prestígio e influência na região. O Irão prossegue uma agenda imperialista regional, competindo pela liderança do mundo islâmico com a Arábia Saudita. Ao utilizar o Hamas como milícia por procuração para atacar Israel, o Irão está a tentar minar os Acordos de Abraham, que promovem a normalização das relações entre Israel e o mundo árabe, fortalecendo a posição saudita.
O debate internacional está fora de foco. Muitas vezes centrado no conflito entre o Hamas e Israel, não aborda a variável causal mais marcante do fenómeno, que tira partido de outras variáveis intervenientes: o projecto de imperialismo regional iraniano, que instrumentaliza rivalidades e conflitos latentes e atropela, por enquanto, judeus , palestinianos, libaneses e iemenitas, mas poderá fazer mais vítimas.
O Irão está disposto a desestabilizar o Médio Oriente para alcançar os seus objectivos políticos e ideológicos. Se o Sul Global pretende fazer avançar a agenda do Estado de direito internacional contra o imperialismo, deveria, por coerência, unir-se para condenar o Irão pelos actos de guerra que comete através das suas milícias patrocinadas, responsáveis por crimes graves contra a paz e por crimes sob direito humanitário internacional.
Os interesses financeiros e comerciais dos aliados económicos e ideológicos do Irão criam uma cortina de fumo que obscurece o debate público internacional, incluindo nas Nações Unidas. A ONU, sendo um órgão político, muitas vezes toma decisões influenciadas por interesses pragmáticos, em vez de se basear exclusivamente no melhor direito internacional. Até as ações do Tribunal Internacional de Justiça são permeadas por nuances e influências políticas.
Conter o Irão e o seu projecto imperialista regional é essencial para evitar o agravamento da crise no Médio Oriente. Qualquer outra solução é apenas um paliativo. Além disso, esta medida garantiria maior segurança interna a vários países, incluindo o Brasil, onde as ligações entre o terrorismo internacional e o crime organizado são cada vez mais evidentes.
Em junho de 2024, o relatório do Instituto Inter-regional de Pesquisa sobre Crime e Justiça das Nações Unidas (UNICRI), intitulado O nexo entre o crime organizado transnacional e o terrorismo na América Latinasalientou que grupos como o Hezbollah — embora não listados como organizações terroristas pela ONU — utilizam tácticas terroristas e têm laços crescentes com o crime organizado transnacional para o branqueamento de capitais, bem como o tráfico de drogas, armas e pessoas, para fins de exploração sexual e para fins de colheita de órgãos. As investigações indicam a presença de operações da rede Al-Qaeda, do Hezbollah e, recentemente, do Hamas, na região do Chuí (RS), além de ligações entre o Hezbollah e o PCC.
Conter o Irão é imperativo para uma abordagem séria e assertiva da crise no Médio Oriente, bem como para a actual crise de segurança pública alimentada pelo crime organizado cada vez mais próximo de grupos terroristas. Mas parece que os líderes políticos nacionais e internacionais não estão preparados para este debate — ou, pior, não têm interesse em enfrentá-lo.
* Especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Universidade de Bochum (Alemanha). Membro da Academia Suíça de Direito Internacional
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