O escândalo envolvendo as acusações contra o rapper O americano “Diddy”, cujo nome verdadeiro é Sean Combs, trouxe à luz detalhes chocantes sobre as ações do empresário musical, incluindo acusações de estupro, violência doméstica e tráfico de pessoas para exploração sexual.
Segundo os promotores que investigam o caso, Diddy “criou uma organização criminosa” para “abusar, ameaçar e coagir mulheres e outras pessoas ao seu redor para satisfazer seus desejos sexuais, proteger sua reputação e esconder sua conduta”.
Diddy nega as acusações e se declara inocente.
As acusações, no entanto, são corroboradas por inúmeras evidências, apontam os promotores, incluindo imagens de câmeras de segurança nas quais Diddy é visto agredindo sua então namorada em 2016, Cassie Ventura.
As imagens, que se tornaram públicas este ano e foram transmitidas pelo canal de televisão americano CNN, mostravam Diddy empurrando Ventura para o chão e chutando-a enquanto ela estava no chão. Mais tarde, ele tentou arrastá-la pela blusa e jogar um objeto nela.
Porém, em meio aos detalhes chocantes das denúncias e acusações reais feitas pelas vítimas contra Diddy e sendo investigadas pela polícia e pelo Ministério Público, rapidamente começaram a ser compartilhadas postagens que misturavam informações sobre o caso com denúncias sem qualquer prova — o caso se tornou inflamável pela disseminação de teorias da conspiração, especialmente as teorias QAnon.
O QAnon é uma teoria da conspiração de extrema direita que afirma que o ex-presidente Donald Trump está travando uma guerra secreta contra pedófilos adoradores de Satanás no topo dos governos mundiais (principalmente o americano), do setor empresarial e da imprensa. Segundo a teoria, autoridades e celebridades participam de uma seita que bebe o sangue de crianças para permanecerem eternamente jovens.
Assim que surgiram postagens nos EUA tentando implicar celebridades que conheciam ou não Diddy nos crimes pelos quais ele é acusado, o mesmo tipo de mensagem começou a aparecer em grupos de extrema direita no Brasil.
Mais de 1.500 postagens diferentes citando o caso Diddy foram identificadas em grupos de direita brasileiros nas duas semanas após a prisão do rapper, em 16 de setembro, pelo sistema de monitoramento coordenado pelo pesquisador Leonardo Nascimento, da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
A BBC News Brasil analisou mais de 600 dessas mensagens e todas continham informações sobre o caso real misturadas com alegações conspiratórias infundadas.
Entre elas estão acusações —sem qualquer prova— de que diversas outras celebridades ou figuras importantes participaram dos crimes pelos quais Diddy está sendo investigado.
As postagens tentam implicar, entre outros, a ex-primeira-dama Michelle Obama, a vice-presidente Kamala Harris, o jogador de basquete LeBron James, o ator Kevin Hart, o cantor Justin Bieber (às vezes como vítima, às vezes como acusado), a cantora Taylor Swift, o ator Will Smith e até mesmo o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
Não há provas ou indícios de que alguma dessas pessoas estivesse envolvida ou tivesse qualquer ligação com os crimes pelos quais Diddy está sendo investigado.
Muitas das postagens também alegam que artistas já tentaram “denunciar” ou “divulgar” o caso de Diddy por meio de mensagens ocultas em letras de músicas e vídeos musicais. Entre eles estariam Justin Bieber e Kanye West.
Outras postagens tentam relacionar as acusações contra Diddy ao caso de Jeffrey Epstein empresário condenado por tráfico sexual e que estava ligado a inúmeras pessoas importantes.
Combustível para QAnon
Os conspiradores do QAnon afirmam que a sua luta contra uma “círculo satanista internacional” de tráfico de crianças levará a um dia de ajuste de contas em que pessoas proeminentes serão presas e executadas.
Mas há tantos desenvolvimentos, desdobramentos e debates internos que a lista total de teorias QAnon é enorme – e muitas vezes contraditória.
Segundo Juciane Pereira de Jesus, pesquisadora da UFBA (Universidade Federal da Bahia), casos reais de investigação ou condenação de pessoas ricas e famosas – que de fato conhecem e conhecem muitas outras pessoas de destaque – são uma base fértil para a construção de narrativas. conspiratório.
“Eles tentam de qualquer forma implicar outras pessoas – especialmente figuras do Partido Democrata – nos crimes pelos quais os criminosos são condenados”, diz Pereira, que monitora redes brasileiras de extrema direita no Telegram desde 2022.
Em outras palavras, casos reais funcionam como “combustível” para teorias conspiratórias. Leonardo Nascimento explica que os casos que envolvem crimes de natureza sexual são especialmente favoráveis porque se enquadram na narrativa existente.
“Tudo que tem a ver com escândalo sexual é porta de entrada, pretexto para você listar alguma teoria da conspiração”, afirma.
Segundo Juciane Pereira, os adeptos do QAnon utilizam fatos e informações reais em meio a cenários inventados para chegar a conclusões sem qualquer embasamento.
“Toda teoria da conspiração tem algum elemento de verdade. A teoria precisa ter pelo menos um traço de realidade para ter credibilidade”, afirma Juciane Pereira.
“Porque o primeiro momento é o momento do ceticismo, antes de a pessoa entrar totalmente naquela narrativa conspiratória. A teoria precisa ter algo verificável, num primeiro momento, para que a pessoa depois construa uma visão cada vez mais conspiratória.”
Ela afirma ainda que o compartilhamento desse tipo de conteúdo no Brasil tende a ser vertical, ou seja, é mais divulgado pelos canais de direita do Telegram do que compartilhado entre os usuários.
Segundo Leonardo Nascimento, que coordena o monitoramento da UFBA, o conteúdo conspiratório é adaptado muito rapidamente de redes de extrema direita nos EUA e na Europa.
“Existe uma capilaridade muito grande nesses grupos, de tradução, adaptação de conteúdo”, diz Nascimento. “Até mesmo as ferramentas de tradução de IA ajudam nisso.”
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