O furacão Milton atingiu a Flórida na noite de quarta-feira (10/09) e na madrugada desta quinta (10/10), trazendo tornados, inundações e risco de mais tempestades ao sul dos Estados Unidos.
Alegações falsas sugerindo que o furacão Milton foi “fabricado” e que o clima na Flórida está sendo “manipulado” estão se espalhando nas redes sociais.
Algumas postagens sugerem que o Haarp, projeto científico norte-americano que visa estudar fenômenos físicos que ocorrem nas camadas superiores da atmosfera terrestre, foi a causa do furacão.
Não existe tecnologia – ou invenção humana – que permita às pessoas criar e controlar furacões.
No entanto, em plataformas como X e TikTok, postagens afirmando – sem qualquer prova – que o governo dos EUA está controlando secretamente o clima foram vistas milhões de vezes.
Muitas dessas postagens foram feitas por contas conhecidas por espalharem teorias da conspiração e desinformação sobre a Covid-19 ou vacinas.
Alguns internautas chegaram a tentar atribuir o evento climático a uma guerra política nos Estados Unidos. “Biden e Harris estão mexendo com o clima! O furacão Milton foi enviado para a Flórida, assim como o outro furacão, para destruir a Flórida!! Eles sabem que a maioria dos residentes daquele estado são apoiadores de Trump, então 85% deles eles não poderei votar no próximo mês”, escreveu outro.
A teoria da conspiração da “arma climática” e outras semelhantes começaram a espalhar-se quando o furacão Helene atingiu a costa há cerca de duas semanas, deixando pelo menos 230 pessoas mortas.
Agora, narrativas sem qualquer base científica não estão apenas circulando em cantos obscuros da internet, mas também sendo divulgadas por grandes perfis — incluindo, com destaque, a congressista republicana Marjorie Taylor Greene, da Geórgia.
Na quarta-feira, o presidente dos EUA, Joe Biden, chamou estas alegações de “completamente ridículas”, acrescentando: “é tão estúpido que precisa parar”.
O que é Haarp e por que não pode causar desastres ambientais
Em maio de 2024, quando Haarp também foi falsamente citado como causador da tragédia ambiental que afetou o Estado do Rio Grande do Sul, a BBC News Brasil entrevistou especialistas para entender como funciona o projeto.
Os cientistas explicam que o impacto e o alcance das antenas utilizadas no projeto são limitados, elas atuam em uma área específica da camada terrestre e não têm o poder de causar grandes alterações, seja de temperatura, nível de radiação ou incitar catástrofes ambientais.
O projeto Haarp tem foco específico na ionosfera, a camada da atmosfera terrestre localizada entre 80 e 640 km acima da superfície terrestre.
Esta região serve de fronteira entre a baixa atmosfera, onde vivemos, e o espaço sideral.
“Não há chance de algum evento climático ser desencadeado em uma camada atmosférica tão elevada, já que nuvens e correntes de ar se formam na troposfera, ou no máximo na estratosfera, que são as camadas mais baixas, até cerca de 20 km de altitude”, explicou Thiago Rangel, professor de Física Atmosférica do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).
“As antenas Haarp não têm influência nos fenômenos meteorológicos, seja em escala micro ou macro”, acrescenta o especialista.
Anteriormente gerenciado pela Força Aérea e Marinha dos Estados Unidos, o Haarp passou a ser coordenado pela Universidade do Alasca em 2014.
De acordo com o site oficial do programa, o projeto tem como objetivo entender como as transmissões de ondas de rádio interagem com elétrons e íons livres na ionosfera, conhecimento utilizado para melhorar sistemas de comunicação como Wi-Fi, internet móvel para celulares e aplicativos baseados em localização.
“Por ser um projeto que emite ondas na ionosfera, as pessoas tentam criar essa conexão, muito remota, de que seria possível influenciar o clima em grande escala”, avalia Enio Pereira de Souza, professor da Unidade Acadêmica de Ciências Atmosféricas pela UFCG (Universidade Distrito Federal de Campina Grande).
“E é justamente assim que se constroem as teorias da conspiração: reunindo elementos difusos e tentando dar-lhes sentido”, acrescenta.
Localizada no Alasca, a base de pesquisa é composta por antenas transmissoras de alta potência e alta frequência chamadas IRI (sigla em inglês para Ionospheric Research Instrument).
Transmissores são utilizados para enviar sinais à ionosfera, excitando temporariamente uma área específica para observar o comportamento dessa camada da atmosfera e sua interação com as ondas de rádio.
A direção do Haarp afirma que os estudos são essenciais para melhorar os sistemas de comunicação e vigilância para fins civis e de defesa.
Além do transmissor, Haarp também possui uma variedade de instrumentos científicos sofisticados que podem observar e analisar os processos físicos que ocorrem na ionosfera quando excitados pelo IRI.
Por conta desses instrumentos, teorias da conspiração defendem que Haarp seria capaz de controlar as placas tectônicas, a temperatura atmosférica e até mesmo o nível de radiação que passa pela camada de ozônio.
Com tal controle, o projeto seria capaz, segundo essas teorias, de causar desastres naturais, ser uma arma de destruição em massa e até mesmo ser utilizado para controle mental devido à sua capacidade de emitir ondas de alta frequência.
Segundo Rangel, nada disso é possível com as antenas da Haarp, que têm ação limitada, emitindo ondas apenas na camada da ionosfera e não interferindo nas áreas citadas pelos conspiradores.
As informações oficiais do projeto explicam que o Haarp é basicamente um grande transmissor de rádio.
“As ondas de rádio interagem com cargas e correntes elétricas e não interagem significativamente com a troposfera. As ondas de rádio nas bandas de frequência que Haarp transmite não são absorvidas nem na troposfera nem na estratosfera – os dois níveis da atmosfera que produzem o clima da Terra. Como não há interação, não há como controlar o clima”, diz o site do projeto.
O que realmente causou o furacão Milton
Furacões são sistemas climáticos naturais.
Normalmente, elas começam como uma onda tropical — uma área de baixa pressão onde se formam tempestades e nuvens.
À medida que os ventos fortes empurram este sistema para longe de África e em direcção às Américas, o ar quente e húmido sobe do Oceano Atlântico tropical, fazendo com que o sistema de nuvens e ventos comece a girar.
A relação entre este tipo de fenómenos e a atividade humana não diz respeito à manipulação tecnológica, mas sim à forma como vivemos: as alterações climáticas estão a tornar estas tempestades, em geral, mais intensas.
As alterações climáticas — causadas pelas emissões de gases que aquecem o planeta, como o dióxido de carbono proveniente das atividades humanas — não são consideradas responsáveis pelo aumento do número de tempestades tropicais em todo o mundo.
No entanto, temperaturas mais altas tornam mais provável a formação de furacões mais fortes.
Os mares mais quentes permitem que estas tempestades absorvam mais energia, o que pode resultar em velocidades de vento mais elevadas.
O furacão Milton intensificou-se de forma particularmente rápida à medida que se deslocava sobre o Golfo do México, onde as temperaturas da superfície do mar estavam cerca de 1°C a 2°C acima da média.
A velocidade máxima sustentada do vento aumentou de 150 km/h para 280 km/h em apenas 12 horas no dia 7 de outubro, de acordo com dados do Centro Nacional de Furacões.
Para alguns utilizadores das redes sociais, esta mudança repentina foi percebida como “evidência” para apoiar as suas sugestões de que esta não era uma tempestade “natural”, mas sim uma tempestade criada por humanos.
Mas esta tendência está em linha com as expectativas de que os furacões se intensificarão mais rapidamente num mundo em aquecimento.
“À medida que aquecemos o planeta, esperamos muitos impactos potenciais nos furacões que poderão torná-los mais destrutivos – incluindo a capacidade de se fortalecerem mais rapidamente sobre águas oceânicas anormalmente quentes”, explica Andra Garner, professora assistente da Universidade Rowan, em Nova Jersey. .
O furacão Helene – que atingiu a Flórida há cerca de duas semanas – também se intensificou rapidamente no Golfo do México.
Um novo estudo publicado na quarta-feira revelou que as temperaturas anormalmente elevadas da superfície do mar ao longo da sua trajetória tornaram-se centenas de vezes mais prováveis devido ao aquecimento causado pelo homem.
“[Helene] foi significativamente mais destrutivo por causa das alterações climáticas”, explica Ben Clarke, do grupo World Weather Attribution, que liderou o estudo, à BBC Verify.
Além dos ventos geralmente mais fortes, as alterações climáticas também afectam outros perigos associados aos furacões.
Uma atmosfera mais quente pode reter mais umidade – até cerca de 7% para cada aumento de 1°C na temperatura. Isso significa que as chuvas podem ser mais intensas.
Além disso, o nível global do mar tem aumentado nas últimas décadas, principalmente devido ao aquecimento global. Isto torna mais provável que uma determinada maré alta – subidas temporárias do nível do mar causadas por tempestades – resulte em inundações costeiras.
Na Flórida, o nível médio do mar subiu mais de 18 centímetros desde 1970, segundo dados do governo dos EUA.
Para alguns usuários que espalham teorias da conspiração sobre o furacão Milton, isso também se resume a “alarmamento”. Mas as evidências sugerem o contrário.
*Com informações da reportagem de Mark Poynting e Marco Silva, da BBC Verify
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