A gigante chinesa do comércio eletrônico Temu recebeu autorização da Receita Federal para vender seus produtos no Brasil.
A autorização, publicada no Diário Oficial da União nesta segunda-feira (20/5), foi concedida sob as regras do programa Conform Remessas, que permite à empresa vender produtos de varejistas estrangeiros sem cobrar 60% de imposto de importação em remessas abaixo de US$ 50. .
Apesar disso, ainda é cobrado ICMS de 17% sobre o valor.
Após a fase de certificação, segundo apurou o Valor Econômico, Temu precisará nacionalizar antecipadamente as importações, regra determinada pelo programa. Assim, os clientes poderão usufruir da isenção.
Em seu site brasileiro, a Temu informa que em breve estará operacional para atender clientes no país.
“A Temu espera que você aproveite os produtos acessíveis e de qualidade que oferecemos em nosso aplicativo, oferecidos por milhões de parceiros de negócios, fabricantes e marcas”, afirma a empresa em seu site.
A empresa de comércio eletrônico é considerado uma “mistura de Shopee e Ela dentro“.
Nos países onde já opera, o gigante retalhista chinês enfrenta críticas, como as feitas por políticos do Reino Unido e dos EUA — uma investigação do governo americano concluiu que existe um “risco extremamente elevado” de que os produtos vendidos a preços baixos Temu poderia ter sido fabricado com trabalho semelhante ao escravo.
A Temu afirma que “proíbe estritamente” o uso de trabalho forçado, criminoso ou infantil por todos os seus vendedores.
A empresa, que vende de tudo, desde roupas a eletrônicos e móveis, foi lançada nos EUA em 2022 e posteriormente no Reino Unido e no resto do mundo.
Desde então, tem liderado consistentemente as classificações globais de download de aplicativos, com quase 152 milhões de americanos usando a plataforma todos os meses, de acordo com dados coletados pela ferramenta analítica SimilarWeb.
E a “Amazonas turboalimentado”, diz o analista de varejo Neil Saunders.
Com o slogan “compre como um bilionário”, a popularidade da plataforma explodiu, entregando para cerca de 50 países ao redor do mundo.
Marketing agressivo
Durante a final do Super Bowl deste ano, principal partida de futebol americano nos EUA, foram transmitidos seis comerciais de 30 segundos do Temu.
Um comercial como esse na final da competição custa cerca de US$ 7 milhões (R$ 35 milhões).
“É muito dinheiro para um comercial muito curto”, diz Saunders.
“Mas é visto por um grande número de pessoas e sabemos que depois disso os downloads comerciais do Temu dispararam”, acrescenta.
Dados da SimilarWeb mostram que o número de visitantes individuais da plataforma em todo o mundo aumentou quase 25% no dia do Super Bowl em comparação com o domingo anterior, com 8,2 milhões de pessoas navegando no site e no aplicativo.
No mesmo período, os visitantes da Amazon e do Ebay caíram 5% e 2%, respectivamente.
“Eles também gastaram muito dinheiro em micromarketing, convencendo influenciadores a divulgar produtos e sugerir compras na plataforma por meio de redes sociais como TikTok e YouTube”, diz Saunders.
Esses influenciadores normalmente têm menos de 10.000 seguidores, de acordo com Ines Durand, especialista em comércio eletrônico da SimilarWeb.
“Os microinfluenciadores têm comunidades fortes, por isso o seu apoio significa uma forte confiança nestes produtos”, explica ela.
A Temu é propriedade da gigante chinesa Pinduoduo Holdings – “um monstro no comércio eletrônico chinês”, segundo Shaun Rein, fundador do China Market Research Group.
“Em toda a China, todos compram produtos no Pinduoduo, desde alto-falantes até camisetas ou meias”, diz ele.
Da fábrica ao cliente
A empresa compete com seu rival Alibaba pelo primeiro lugar entre as empresas chinesas mais valiosas listadas na bolsa de valores dos EUA.
Seu valor atual é de pouco menos de US$ 150 bilhões (R$ 750 bilhões – a título de comparação, a Petrobras, empresa mais valiosa da bolsa brasileira, está avaliada atualmente em R$ 478 bilhões).
Com o mercado consumidor chinês sob seu controle, a Pinduoduo Holdings expandiu-se para o exterior com a Temu, usando o mesmo modelo que garantiu seu sucesso anterior. Segundo Rein, que mora em Xangai, a empresa se tornou um grande motivo de orgulho e patriotismo.
“Eles [os chineses] estamos orgulhosos de que as empresas chinesas possam matar dragões do comércio eletrônico dos EUA como a Amazon”, diz ele.
Uma rápida navegação pelo aplicativo ou site Temu traz de tudo, desde tênis com biqueira de aço até um dispositivo projetado para ajudar idosos e mulheres grávidas a calçar meias. A diversificada coleção de bens manufaturados é quase inteiramente produzida em fábricas na China, explica Rein.
“O Temu utiliza um sistema incrível baseado na coleta de dados em grande escala”, diz Ines Durand.
“Eles coletam dados sobre tendências de consumo, os produtos mais pesquisados e clicados, e fornecem [essas informações] para fabricantes individuais.”
Durand diz que enquanto a Amazon vende estes dados aos fabricantes a um preço elevado, a Temu entrega-os gratuitamente aos produtores – informação que estes utilizam para “testar o mercado” com um número relativamente pequeno de produtos.
A plataforma costuma usar imagens geradas por inteligência artificial para se manter atualizado com as últimas tendências, então o produto à venda pode nem existir ainda, segundo Durand. Em seguida, eles são enviados ao consumidor por via aérea.
“Isso significa que os produtos não precisam ser armazenados. Eles não precisam ir para armazenamento, uma vez enviados de avião, vão direto para o cliente”, afirma Ines Durand.
Brecha fiscal
Um terço dos pacotes que chegaram aos EUA no ano passado, aproveitando uma brecha fiscal, eram da Temu e da concorrente Shein, segundo um relatório do Congresso dos EUA.
Muitos países têm limite de isenção para compras internacionaisprojetado para ajudar os cidadãos a importar bens.
No entanto, novas regulamentações podem estar no horizonte para colmatar lacunas no comércio internacional, de acordo com Mickey Diaz, diretor de operações da empresa global de transporte de mercadorias Unique Logistics.
“O Reino Unido já começou a olhar para Temu com algum escrutínio, incluindo a venda de armas que de outra forma não seriam permitidas no Reino Unido, que estavam a ser importadas devido a estas lacunas”, explica ela.
Questão trabalhista
Temu também foi criticado pelas suas cadeias de abastecimento, com políticos do Reino Unido e dos EUA acusando o gigante do comércio eletrónico de permitir a venda de bens produzidos com recurso a trabalho análogo ao escravo no seu website.
No ano passado, a deputada britânica Alicia Kearns, chefe do comitê selecionado de relações exteriores, disse à BBC que queria um maior escrutínio do mercado online para garantir que “os consumidores não contribuam inadvertidamente para o Genocídio uigur“.
Kearns, que é membro do Partido Conservador do Reino Unido, referia-se às alegadas violações dos direitos humanos perpetradas pelo governo da China contra o povo uigure e outras minorias étnicas e religiosas.
A Temu, por sua vez, afirma que “proíbe estritamente” o uso de trabalho forçado, criminoso ou infantil por parte de todos os seus vendedores.
A empresa disse ainda à BBC que qualquer pessoa que faça negócios com ela deve “cumprir todos os padrões regulatórios e requisitos de conformidade”.
“Comerciantes, fornecedores e outros terceiros devem pagar seus funcionários e contratados em dia e cumprir todas as leis locais aplicáveis sobre salários e horas de trabalho”, disse um porta-voz do varejista.
“Os nossos padrões e práticas atuais não são diferentes de outras grandes plataformas de comércio eletrónico em que os consumidores confiam, e as acusações a este respeito são completamente infundadas”, acrescentou o representante.
Apesar das polêmicas, analistas esperam maior expansão para Temu.
“Provavelmente veremos as equipes começarem a ampliar sua oferta, talvez apostando em alguns produtos com preços um pouco mais elevados”, prevê o analista de varejo Neil Saunders.
Segundo Shaun Reid, o foco será conquistar uma fatia ainda maior do mercado.
“Nos próximos dois ou três anos, a estratégia deles será apenas aumentar o reconhecimento da marca e a participação no mercado. Eles não se importam com os lucros”, diz ele.
“Foi exatamente isso que aconteceu com o Pinduoduo quando foi lançado na China. Eles ofereciam produtos incrivelmente baratos apenas para ganhar participação no mercado.”
*Com a colaboração da BBC News Brasil para informações relativas ao Brasil.
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