O influenciador digital Leonardo Picon, conhecido como Léo Picon, esteve com amigos em Fernando de Noronha no início do ano, viagem que gerou uma série de notícias em sites de celebridades.
Também resultou em uma multa ambiental não declarada. O influenciador foi indiciado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ligado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), por ter dado comida a uma fragata (espécie de ave marinha), o que é proibido, e multado R$ 1.000 pelo órgão federal.
Os fiscais acrescentaram prints da conta do Instagram de Picon ao documento para reforçar a multa. A reportagem destacou que Picon “é uma pessoa influente nas redes sociais” e que “já visitou Noronha diversas vezes”.
A multa aplicada a Picon ajuda a ilustrar uma situação que preocupa cada vez mais os servidores que trabalham com conservação ambiental em Noronha: o aumento do turismo impulsionado por influenciadores, em uma área que não permite mais expansão urbana e que, ao mesmo tempo, tem , pousadas e bares tentando ampliar seus espaços de forma “escondida”.
É o “turismo Instagram”, nas palavras de um dos entrevistados para esta reportagem.
Nos últimos dois anos, as multas ambientais aumentaram no arquipélago de 26 quilómetros quadrados e 3.000 habitantes. Em 2024, até agosto, foram mais de R$ 6,5 milhões distribuídos em 18 autos de infração, segundo levantamento feito pela BBC News Brasil.
Em valores, é recorde para o ICMBio in loco. No total de multas, é o maior número desde 2016, segundo dados produzidos pela instituição e analisados pelo relatório. Os servidores dizem que ainda há responsabilidade por multas que ainda poderão ser aplicadas.
Autoridades que trabalham com proteção ambiental em Fernando de Noronha admitem que é difícil para o poder público lidar com o que chamam de novas características do turismo na região. Dizem ainda que controlar o número de pessoas que visitam a ilha não tem funcionado.
Restrições e taxas
Fernando de Noronha é reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Natural desde 2001 – estar nesta lista significa, na prática, que existe uma preocupação internacional com o estado de conservação da área. O arquipélago foi integrado ao Estado de Pernambuco na década de 1980 e ali foram criadas unidades de conservação justamente para proteger a biodiversidade da região.
Portanto, há uma série de restrições em vigor. A visitação às atrações do parque é controlada pelo governo e só pode ser feita mediante agendamento.
Há também uma taxa de entrada, paga por cada turista. É a Taxa de Preservação Ambiental, ou TPA, que custa R$ 97,16 por dia (o custo pode ser mais barato dependendo da quantidade de dias) e pode ser paga no site do distrito.
“As restrições em Noronha são muitas e devem ser respeitadas. As placas de proibição não foram afixadas para limitar o prazer do visitante, mas para prolongar a vida de todos os habitantes do arquipélago, plantas e animais, principalmente aqueles que não têm voz para expressam seu desejo de continuarem vivos”, escreve o órgão federal na multa aplicada ao influenciador.
Picon disse BBC News Brasilpor meio de sua conta no Instagram, que não recebeu a multa e só soube do auto de infração por meio da reportagem da BBC News Brasil.
Ele reclamou da falta de instruções claras sobre as regras e disse que o ICMBio poderia se unir a influenciadores para conscientizar os turistas sobre o meio ambiente.
“Desde 2016 realizo projetos socioambientais na ilha, já passei mais de 120 dias na ilha e em nenhum momento tive acesso oficial a essas leis. ser feito, mas em nenhum momento os turistas são instruídos de forma oficial a essas regras, o que induz os turistas a cometerem ingenuamente um ato que o ICMBIO caracteriza como prejudicial, mas não há educação para os turistas sobre por que esse ato é prejudicial.”
Ele também negou que estivesse alimentando a fragata. Ele disse que o pássaro voou atrás dele e ele tinha uma sardinha na mão.
“Estava com um pescador, que estava rodeado por eles na sua rede. Ele deu-me uma sardinha na mão e eu sabia o que iria acontecer a seguir: começaram a voar atrás de mim, atrás da sardinha. Não estou alimentando-os voluntariamente. As fragatas também se alimentam roubando comida de outras espécies.
A administração do ICMBio afirma que o edital foi entregue por correio e que solicitou que o influenciador retirasse os vídeos que postou, por contrariarem as normas ambientais.
Buraco do Galego vira “piscina do Neymar”
Funcionários do ICMBio que trabalham no local falam sobre um fenômeno pós-pandemia que mudou o perfil dos visitantes – antes eram ecoturistas. Agora, o fluxo de influenciadores digitais, como o Picon, aumentou, tornando o spot muito mais procurado.
“É o turismo do Instagram, né? As pessoas querem tirar as mesmas fotos, dos mesmos lugares”, diz Mário Douglas, coordenador da área de proteção temática do ICMBio em Fernando de Noronha.
O Buraco do Galego, piscina natural localizada na Praia do Cachorro, por exemplo, já não é chamada assim há algum tempo, segundo servidores. “Hoje é conhecida como piscina do Neymar, porque tem uma foto dele com a Bruna Marquezine”, diz.
“Agora tem gente na fila para tirar a mesma foto. É um tipo de turismo que é novo, que é diferente. .”
O aumento das infrações reflete o aumento de visitantes que a região recebeu na pandemia pós-coronavírus. Só neste ano, em média, 10 mil pessoas visitaram o local por mês – e isso só contando quem paga ingresso para visitar o parque nacional.
Em alguns meses, como janeiro e agosto, o número ultrapassou os 12 mil – mais do que deveria. Um acordo entre o governo federal e o Estado de Pernambuco determina que o número máximo de visitantes por mês deve ser de 11 mil pessoas.
Segundo a administração do ICMBio, o controle de fluxo é feito pela quantidade de vagas nos voos, mas os próprios servidores admitem que isso não funciona como o esperado e já estudam novas medidas de controle.
“Estamos percebendo que não está funcionando, não estamos conseguindo controlar”, afirma Lilian Hangae, titular do ICMBio em Fernando de Noronha. “Temos o desafio de manter Noronha com suas características de conservação, de alta biodiversidade.”
“É um desafio que não cabe apenas ao ICMBio. É uma escolha do Estado, de todo o país e dos próprios moradores. ao pós-pandemia e também ao destaque que a ilha recebe, citando, por exemplo, a Praia do Sancho, que ganhou, em 2023, a votação do site TripAdvisor como a melhor praia do mundo.
“Fernando de Noronha entrou no imaginário brasileiro, como um sonho. Muita gente que vem aqui tem dinheiro. Mas tem muita gente que economiza o ano todo, que sonha em casar em Noronha”, acrescenta Hangae.
O governo de Fernando de Noronha, vinculado ao Estado de Pernambuco, informou, em nota, que não autoriza aumento no número de voos diários para a ilha que impacte no limite estabelecido pelo acordo de gestão compartilhada, assinado entre o Estado de Pernambuco e a União.
Construção de pousadas e bares estão entre as maiores infrações
Além dos próprios turistas, o governo enfrenta uma pressão ainda maior de empresas que esperam receber esses turistas de alta renda, como as do setor de pousadas. “Podemos inferir que os crimes ocorridos na região estão, quase todos, ligados ao turismo”, destacou a agência. São, em sua maioria, casos de ocupações irregulares – construções e reformas sem autorização, por exemplo.
“Há uma pressão para aumentar o número de pousadas. Todo mundo quer ganhar mais dinheiro. E aqui tem um problema sério porque você tem um limite geográfico. Não dá, não cabe, não dá suporte”, diz Mário Douglas, do ICMBio.
O tamanho da área urbana de Fernando de Noronha também entrou no acordo de gestão compartilhada entre a União e o Estado de Pernambuco. O documento afirma expressamente que o poder público se compromete a “não ampliar o perímetro urbano atualmente existente”.
Para garantir isso, estão previstas medidas administrativas e judiciais para coibir construções irregulares, seja por meio de regularização ou demolição de obras.
O que acontece, na prática, segundo servidores do ICMBio entrevistados pela BBC News Brasil, é que as empresas “esticam” seus domínios de forma irregular, tentando enganar as autoridades públicas. “Construção irregular. Rápida, feita em horários alternativos, o mais escondida possível. É gato e rato”, diz Mario Douglas.
Das multas aplicadas em 2024, a maioria está relacionada a obras consideradas irregulares, como ampliação de terreno, construção sem licença, reforma de imóvel, entre outras.
Um caso emblemático é aquele que empurra o valor das multas de 2024 para um recorde – a Atlantico Sul Empreendimentos, empresa responsável pela Pousada Morena, foi multada duas vezes este ano. O motivo, segundo o ICMBio, é a ampliação da área da Pousada Morena, com instalação de deck e banheiras de hidromassagem em área protegida da ilha. Somadas, as infrações ultrapassam R$ 6 milhões.
A Pousada Morena é uma das mais luxuosas de Fernando de Noronha. Um apartamento de 23 metros quadrados, para até duas pessoas, custa R$ 4.200 para duas noites. O Bangalô Master, para até três pessoas e medindo 80 metros, custa R$ 8.500. A pousada já atraiu celebridades como a cantora Paula Fernandes, que esteve lá em agosto deste ano. O hotel também figurou no ranking dos 50 melhores do Brasil, realizado pela revista Exame.
Os problemas entre a fiscalização e a pousada não começaram agora. A pesquisa da BBC News Brasil identificou pelo menos outros dois episódios, um em 2012, no valor de R$ 200 mil, e outro no valor de R$ 100 mil, em 2015. Os fiscais apontaram no relatório que estiveram na pousada e identificaram “uma grande quantidade de obras em progresso”, incluindo um bangalô e piscina em área de conservação.
Este ano, o ICMBio ordenou a demolição do chamado “espaço de relaxamento”, instalado em frente à área da piscina da pousada. A agência entende que não poderá haver ampliação da obra. Segundo a empresa, o objetivo é proporcionar um local de descanso e convivência com vista privilegiada para o mar.
Em nota enviada à reportagem, a Atlantico Sul Empreendimentos afirmou que as multas de 2012 e 2015 se referiam ao mesmo facto e foram contestadas judicialmente, tendo a empresa obtido “decisão favorável ao reconhecimento dos seus direitos, transitando esta decisão em julgado”.
“Em relação aos recentes autos de infração, a empresa discorda veementemente dos motivos de sua emissão e vem exercendo seu legítimo direito de defesa, já tendo apresentado defesas administrativas perante a Autoridade, as quais aguardam decisão”, diz a nota.
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