Num estacionamento ao ar livre com cerca de 30 trailers em Bristol, no sudoeste da Inglaterra, a brasileira Célia Costa, 45 anos, abre a porta de sua caravana para mostrar os pontos positivos e negativos de ter o veículo como residência permanente.
“Agora não pago mais aluguel e tenho mais dinheiro sobrando. Mas olha, faz muito frio aqui no inverno, vou ter que colocar carpete. .”
O espaço é apertado e roupas, sapatos e diversas bolsas com objetos diversos ficam expostas na sala, no quarto e na cozinha.
Mas a comunidade é organizada e tem regras para manter a limpeza e a segurança, o que, segundo Célia, lhe dá tranquilidade como mulher que mora sozinha.
Quando saiu de Goiânia com passagem só de ida para Bristol, há 5 anos, Célia buscava uma vida melhor.
Viver e trabalhar na Inglaterra, imaginou ela, lhe daria oportunidades financeiras e qualidade de vida que ela não poderia ter na Inglaterra. Brasil. “Achei que ficaria rica em questão de meses”, lembra ela.
Na época, a filha, casada com um britânico, trouxe Célia e outros familiares para morar com ela. A relação permitiu a Célia obter os documentos necessários para se tornar imigrante legal.
“Ficamos um tempo com ela e depois cada um teve que seguir seu caminho. E é aí que você vê que as coisas não são tão fáceis como imaginamos quando estão em nosso país.”
Olhando para trás, Célia diz que veio Reino Unido com uma “ilusão”.
“Não existe ir para outro país e ficar rico, é uma ilusão. Há dificuldades assim como no Brasil”.
“A diferença da moeda é o que atrai as pessoas. É sete vezes o valor do real. Aqui, convertendo para o real, posso ganhar R$ 10 mil, o mesmo que o salário do meu chefe no Brasil. Mas temos que ver que eu também gastar em libras, certo?”
Desde que chegou ao país, sem dominar o língua InglesaCélia fazia dois tipos de trabalho informal para ter a renda necessária para suas despesas básicas: entrega de comida e serviços de limpeza em residências e estabelecimentos.
Crise do custo de vida
Após sair da casa da filha, em busca de um lugar para morar, ela se deparou com os altos preços dos aluguéis na cidade – algo que afeta não só Bristol, mas todo o Reino Unido.
Nos primeiros anos morou em casas e apartamentos que dividia com outras pessoas. Mas os ganhos com as entregas e os dias “mais limpos” não acompanharam a velocidade com que os preços subiram no país.
O Reino Unido enfrenta as consequências de uma crise económica que atingiu o pico em 2022, quando a inflação atingiu os dois dígitos, e em 2023, quando o país estava oficialmente em recessão.
A maior parte da população foi impactada pelos aumentos nos preços dos alimentos, da energia e, em especial, dos aluguéis – que só no último ano subiram 8,4%.
Bristol, especialmente, sentiu o impacto. Em fevereiro deste ano, o aluguel na cidade era considerado o segundo mais caro do país, atrás apenas Londres.
O preço médio, segundo o Office for National Statistics (ONS) do Reino Unido, chegou a £ 1.734 (cerca de R$ 12.484). Para efeito de comparação, o salário mínimo no país é de £ 1.667,20 (R$ 12 mil).
“Alugar apenas um quarto na casa de alguém custava de 800 a 1.000 libras por mês [R$5.760 a R$7.200]. Praticamente trabalhava para comer e pagar aluguel. E também tenho dívidas no Brasil. Eu não consegui lidar com tudo.”
“O que eu fiz? Abandonei o aluguel, comprei um trailer e entrei nele, como muitos brasileiros aqui.”
Casas de caravana
A comunidade de trailers – ou caravanas, nome derivado do termo inglês ‘caravans’ – é maioritariamente constituída por imigrantes, mas também há alguns britânicos a viver lá.
“Eu diria que 80% são brasileiros. A maioria vem da região Norte ou Nordeste do Brasil, mas também tem muitos goianos como eu. E lá no fim da rua tem três trailers de ingleses”, diz Célia .
Acampamentos como este são considerados irregulares e tratados como “habitação inadequada” pelo governo britânico. Quem aqui mora, na prática, é classificado como morador de rua pelas autoridades.
Célia pagou £ 1.500 (cerca de R$ 10.800) pela caravana e se mudou há seis meses.
“Na verdade estou gostando, mas é difícil para a higiene pessoal. Você vai tomar banho quando quiser… Muita gente usa a academia para isso. Vou na casa da minha filha, que é bem perto daqui.”
A falta de aquecimento adequado é outro ponto negativo, pois os trailers não retêm o calor tão bem quanto as casas adaptadas.
Para tentar vencer o frio, a brasileira pretende adicionar um carpete ao veículo, mas ainda não sabe exatamente como será quando o inverno chegar e as temperaturas caírem para cerca de 5°C – será a primeira vez que ela passa a temporada no trailer.
Ao receber a visita da BBC News Brasil, Célia ainda dividia o espaço de cerca de cinco metros com a irmã, que há um ano e meio decidiu tentar a vida ilegal no país e já tinha data marcada para retornar ao Brasil .
Ela diz que, como muitos outros, sua irmã teve dificuldade de se adaptar.
“Quando a gente chega aqui, a gente vem com o sonho de ‘vou lutar e vou conquistar’. Mas quando você chega aqui, não é nada do que você pensava que seria, e você fica deprimido, sabe? Você trabalha como um presidiário. Eu trabalhava na bicicleta, das sete da manhã até uma da manhã. Teve dias que eu parei a bicicleta, sentei na calçada e chorei.
Célia conta que trabalhava em turnos de 12 a 18 horas, muitas vezes trabalhando em delivery para uma empresa britânica, a Deliveroo.
Em resposta ao relatório, a Deliveroo afirma que “isto não representa a forma como os motoristas de entrega trabalham. Eles são contratados independentes e têm total liberdade para escolher quando e por quanto tempo desejam trabalhar”.
“Estamos muito preocupados em ouvir falar de entregadores que vivem em condições inadequadas. A Deliveroo oferece o trabalho flexível que os entregadores nos dizem que desejam, com oportunidades atraentes de ganhos e proteções”, afirmou a empresa em comunicado.
Apesar das dificuldades, Lucas*, 24 anos, outro imigrante que veio de Goiânia para Bristol, diz que encontrou liberdade e independência morando na caravana.
“Eu adoro isso aqui. É maravilhoso, meu cantinho…”
Ele chegou à Europa há cinco anos e conta que passou por muitas dificuldades em outros países antes de decidir emigrar para a Inglaterra.
“Tenho muita raiva de pessoas que alugam quartos, e acham que têm o poder nas mãos, e te humilham por isso. Aí vim direto para o trailer, comprei o meu. abandonar.”
Lucas mora sozinho em um pequeno trailer, onde sala, quarto e cozinha são o mesmo espaço. Ele conta que alguns vizinhos já fizeram melhorias: alguns têm dois quartos, TVs modernas na sala e som integrado aos veículos. São planos para o futuro, diz ele.
Foi seu atencioso irmão, que também mora na cidade, quem o apresentou à comunidade. Para ele, os vizinhos do trailer são um apoio e fazem com que ele se sinta menos sozinho em um país estrangeiro.
“Aqui hoje todo mundo que se ajuda, sabe? Chamam para ‘tomar um drink’, assar uma carne, fazer bagunça… Não deixam os vizinhos dormirem, mas pelo menos convidam… É uma comunidade legal”, diz Lucas, sorrindo.
Os vizinhos mantêm um grupo de Whatsapp para organizar questões como lixo deixado e segurança do site.
“Se alguém demora a chegar, mandamos recado. Também ficamos de olho nas coisas uns dos outros… É como uma família”, acrescenta Célia.
A comunidade foi alvo de uma operação do departamento de imigração poucas semanas após a visita da BBC News Brasil, que resultou na detenção de imigrantes que estavam ilegalmente no país.
Por ter documento, Célia não foi atingida, mas Lucas diz que fugiu do local.
Ele diz ter medo de ser preso e deportado e por isso pediu para não ser identificado na reportagem.
A BBC News Brasil solicitou detalhes sobre o número de imigrantes detidos e/ou deportados ao Ministério do Interior do Reino Unido, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
‘Eu não recomendo que outras pessoas venham’
Célia conta que recebe mensagens de conhecidos brasileiros interessados na possibilidade de uma vida mais próspera na Europa, mas que hoje não recomendaria a ninguém que viesse para cá.
“Eu digo: ‘Não vou trazer isso, porque não quero que você passe pelo que eu passei e ainda passo’. Aqueles que eu trouxe já se arrependeram. Dois deles já voltaram porque não aguentaram ficar aqui nem por dois anos.
Segundo ela, os pagamentos das entregas feitas pela Deliveroo, principal empresa para a qual presta serviços, diminuíram nos últimos anos, algo que ela atribui ao aumento de entregadores na região.
Em resposta à BBC News Brasil, a empresa disse que “só integra mais entregadores onde eles são necessários para garantir que a oferta atenda à demanda do consumidor e onde possa oferecer ganhos atraentes para os entregadores”.
Célia afirma ainda ter visto muitos regressarem ao país numa situação pior do que antes.
“Eles venderam o carro, a casa, praticamente tudo que tinham para vir para cá e não conseguiram recuperar o que gastaram. voltando. Ela não pegou quem veio aqui para pegá-lo.
A irmã de Célia optou por solicitar o retorno voluntário, iniciativa do governo britânico oferecida aos imigrantes que não possuem permissão legal para residir no território.
De acordo com o site do governo, se uma pessoa for elegível, o serviço de retorno voluntário pode ajudar, explicando opções para voltar para casa, ajudando a obter documentos de viagem, como passaporte, e pagando viagens aéreas, caso a pessoa não tenha um. condição de arcar com essa despesa.
O imigrante também poderá ter direito a solicitar um apoio financeiro de até £ 3 mil (cerca de R$ 21,6 mil), o que a irmã de Célia conseguiu fazer.
O governo considera que este valor pode ser utilizado para encontrar um lugar para morar, conseguir um emprego ou iniciar um negócio no país de origem.
Lucas diz ainda que não recomenda a emigração a ninguém.
“Depende muito de quem a pessoa é. Eu diria, olha, meu amigo, é assim que acontece aqui. É isso que você quer? É isso, né? Não vou mentir e enganar as pessoas, porque é não é fácil.”
Apesar disso, ambos não querem voltar ao Brasil.
“Aqui você ainda consegue mais coisas, como um carro bom e com preço mais acessível. Sinceramente, não me vejo mais no Brasil”, diz Lucas.
“É uma escolha difícil, porque, apesar de viver melhor financeiramente, você acaba perdendo o tempo que ama e as pequenas alegrias que teve ali”, acrescenta Célia.
“A Inglaterra é um país onde, mesmo sendo pobre, você vive melhor que no Brasil. Podemos ir a restaurantes, comprar roupas boas… Mas isso tem um preço: ser escravizado pelo trabalho. e viver para trabalhar”, diz o brasileiro.
Você gostou do artigo? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê sua opinião! O Correio tem espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail sredat.df@dabr.com.br
como fazer emprestimo consignado auxilio brasil
whatsapp apk blue
simular site
consignado auxilio
empréstimo rapidos
consignado simulador
b blue
simulador credito consignado
simulado brb
picpay agência 0001 endereço