O presidente da Rússia, Vladimir Putin, encerrou nesta quinta-feira, 24, a 16ª Cúpula do BRICS, que organizou e que serviu de plataforma para combater sua imagem de pária internacional – ele vem sendo ativamente boicotado em fóruns globais desde fevereiro de 2022, quando invadiu a Ucrânia e deixou de receber visitas das democracias ocidentais.
Dois anos e oito meses depois de ordenar o início da guerra que o isolou do Ocidente, Putin conseguiu atrair delegações de 35 países para Kazan, segundo o Kremlin. A maioria deles estava representada a alto nível, com os seus chefes de estado ou de governo. Também se deslocaram ao país devastado pela guerra os chefes de seis organizações internacionais, incluindo o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
No último dia da cúpula, destinada à interação com os países que orbitam o grupo, Putin deu voz a 28 nações, além dos dez atuais membros do BRICS – Rússia, Brasil, China, Egito, Etiópia, Índia, Irã, Arábia Saudita Arábia, África do Sul do Sul e Emirados Árabes Unidos.
Os representantes da Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguizistão, Tajiquistão, Turquemenistão, Uzbequistão, Bahrein, Bangladesh, Bolívia, Congo, Cuba, Sérvia, Indonésia, Laos, Malásia, Mauritânia, Nicarágua, estiveram na sala cara a cara com Putin . Palestina, Bósnia e Herzegovina, Sri Lanka, Tailândia, Turquia, Venezuela, Vietname e Palestina. Todos interessados em ingressar no Brics.
O autocrata russo acumulou 16 reuniões bilaterais e conseguiu produzir imagens que o colocaram em destaque. Nos grandes salões, a organização russa sempre o destacou no meio e na frente, como se liderasse um batalhão de líderes globais, ao lado de potências nucleares como a China de Xi Jinping e a Índia de Narendra Modi, bem como a Turquia de Recep Tayyip Erdogan. – um país membro da NATO -, e alguns dos principais líderes de países do Médio Oriente e de África.
Dos possíveis, houve apenas as vítimas de Mohammad bin Salman, o príncipe e primeiro-ministro saudita que ainda hesita em aderir completamente aos BRICS, embora seja considerado membro pleno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, devido a um acidente doméstico, e o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, por causa do apagão geral na ilha comunista. Os três foram representados por seus chanceleres.
A cimeira dos BRICS apresentou propostas que desafiam a liderança dos Estados Unidos e da Europa e reforçam a imagem do fórum como contraponto ao G-7. Os países do Brics reafirmaram a exigência de reforma da governança global e das organizações financeiras e prometeram coordenar posições no G-20 – presidido pelo Brasil este ano e com cúpula marcada para novembro, no Rio de Janeiro.
Putin discutiu com os seus pares a proposta de acordo de cessar-fogo, que elogia e a Ucrânia critica, apresentada pelo Brasil e pela China. Voltou a dizer também que considerou chegar a um entendimento através de meios pacíficos, mas culpou os ucranianos e os seus aliados europeus e americanos, responsáveis pelo armamento de Kiev, pela escalada da guerra e pela tentativa de alargar a área de acção da NATO. Putin negou ter-se isolado, disse que nunca recusou contacto com líderes ocidentais e que recebeu mensagens sobre possíveis encontros.
Venezuela só entra se houver consenso
Em Kazan, a Rússia conseguiu aprovar uma lista que poderá resultar na inclusão de mais 13 países nos BRICS, na recém-criada categoria de associados “parceiros”, dando continuidade ao impulso expansionista que interessa, sobretudo, ao seu principal aliado estratégico global , a China.
Na seleção de potenciais parceiros, que será confirmada nos próximos meses, países voltaram a ser reconhecidos pelas suas rivalidades com os Estados Unidos, como Cuba e Bolívia, e o seu aliado direto na guerra russo-ucraniana, a Bielorrússia.
Putin e Xi tentaram abrir as portas à Nicarágua e à Venezuela, o que foi contestado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva devido aos recentes desentendimentos com os ditadores Daniel Ortega e Nicolás Maduro, outrora amigos íntimos do petista. Nem a presença de última hora do ditador Nicolás Maduro, e pela Nicarágua.
Putin explicou a objeção de Lula, defendeu o tratamento objetivo entre os países e explicou que a adesão da Venezuela aos BRICS depende do Brasil. “Temos uma regra de consenso para adotar novos membros ao Brics, precisamos de um acordo entre os membros. É impossível sem consenso”, disse o russo.
Ele fez questão de dizer que a Venezuela está “lutando pela sua soberania” e que informou a Lula, por telefone, que discorda da posição do petista. Maduro, por sua vez, deixou de cumprimentar publicamente a delegação de Brasília, durante seu discurso no plenário, e deu a mensagem de que seu país já faz parte da “família BRICS”.
O grupo, convertido numa das principais expressões do Sul Global, contou com 33 manifestações de interesse de países candidatos a aderirem à associação. Putin afirmou que os BRICS permanecem “abertos” a países que partilham os mesmos princípios do grupo – entre eles, o alinhamento com a agenda de reforma da governação global, incluindo o Conselho de Segurança da ONU, e as instituições financeiras, e a rejeição de sanções impostas sem a aprovação do conselho.
Numa conferência de imprensa de encerramento, Putin afirmou que a cimeira dos BRICS serviu para destacar a “determinação colectiva de se opor à prática de impor sanções ilegais e às tentativas de erodir os valores morais tradicionais”.
Do ponto de vista dos projectos financeiros, disse que os países se comprometeram a “melhorar a comunicação interbancária e a trabalhar na criação de mecanismos de pagamentos em moedas nacionais que sejam imunes a riscos externos”. Ele referia-se a projectos para reduzir a hegemonia do dólar americano como moeda padrão para transacções globais.
Putin disse que esta é uma das principais questões da atualidade e que a Rússia já utiliza o seu próprio sistema de compensação de pagamentos e comunicação interbancária, tendo sido banida do Swift, e que incentivará a utilização de sistemas semelhantes de outros países do Brics. Questionado sobre o lançamento de um sistema próprio do Brics, ele confirmou interesse, mas no longo prazo. “Ainda não chegamos lá”, disse o russo.
Putin até apresentou um protótipo de nota para a desejada moeda comum dos BRICS, que tem sido chamada R5 – uma referência ao real brasileiro, ao rand sul-africano, ao rebminbi chinês, ao rublo russo e à rupia indiana. A nota traz imagens alusivas a ícones do país, como o Cristo Redentor e o Taj Mahal.
Chefe da delegação brasileira, o ministro Mauro Vieira confirmou que um dos temas da presidência brasileira dos Brics, a partir de 2025, será promover a criação de um “sistema de pagamentos internacional entre os países do Brics que leve em conta o uso de moedas nacionais e que o comércio entre países possa ser realizado de forma mais rápida e menos dispendiosa”.
Dilma reconduzida à bancada do Brics
O presidente russo confirmou que propôs ao Brasil que a ex-presidente Dilma Rousseff continuasse presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), instituição financeira criada pelos membros do Brics em 2014 e com sede em Xangai, na China. Os recursos administrados pelo banco e emprestados aos países do grupo são um dos principais atrativos dos Brics.
A presidência do NDB é exercida por períodos de cinco anos, de forma rotativa. O mandato de Dilma terminaria em julho de 2025, mas agora ela prolongará seu mandato.
No regime de governança do banco, os países membros se revezam na nomeação do presidente – os nomes devem ser aprovados por representantes de cada país, chamados de “governadores”. Eles também compartilham indicações das vice-presidências do banco.
O primeiro país a comandar o NDB foi a Índia, entre 2015 e 2020. O Brasil assumiu então, ainda durante o governo Jair Bolsonaro. Ao assumir o cargo em 2023, Lula interveio na instituição e nomeou Dilma para substituir o diplomata e economista Marcos Troyjo.
Agora seria a vez da Rússia assumir o controle. No entanto, as sanções impostas pelo Ocidente por causa da guerra na Ucrânia impactaram a relação do banco com a Rússia e, para superar os problemas, Putin foi forçado a manobrar e a desistir de nomear um executivo russo em quem confiava. Essa escolha poderá causar constrangimento ao NDB.
“A Rússia propôs prorrogar a presidência do Brasil e a presidência de Dilma Rousseff nesta bancada, já que o Brasil preside o G-20 este ano, e no próximo ano assumirá a presidência do BRICS. , acreditamos que esta abordagem ajudará as instituições que queremos ver a desenvolver-se ainda mais para evitar desafios que são específicos da Rússia”, disse Putin numa declaração à imprensa.
Atualmente fazem parte do NDB os cinco fundadores – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – e os incorporados Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Egito, além do Uruguai, atualmente em processo de adesão.
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