Com amplo apoio do setor público, uma coalizão que reuniu 12 partidos e firme apoio do governo do estado, Ricardo Nunes (MDB) foi reeleito prefeito de São Paulo neste domingo (27).
A reeleição de Guilherme Boulos (PSOL) em segunda rodada foi confirmada com 89,78% dos trechos verificados. No momento da confirmação do TSE, Nunens tinha 59,56% dos votos válidos, contra 40,44% de Boulos.
A vitória de Nunes consagra a “política profissional” na capital paulista, numa eleição marcada pelo impulso da “direita social” de Pablo Marçal (PRTB)que obteve 1,7 milhão de votos no primeiro turno.
Empresário, Nunes foi vereador entre 2013 e 2020, quando foi eleito vice-prefeito da capital paulista na chapa liderada por Bruno Covas (PSDB). Em 2021, assumiu a prefeitura após a morte de Covas.
A legitimidade do autarca no Executivo foi questionada devido ao facto de a oposição nunca ter sido eleita em eleição maioritária — o que muda com o voto que obteve nas eleições autárquicas deste ano.
Durante a campanha, o prefeito reeleito evitou acusações de corrupção e optou por um discurso que misturava conservadorismo com pragmatismo administrativo.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil destacam a influência do setor público na vitória nessas eleições e no fortalecimento de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que é apontado como articulador político e possível candidato à disputa presidencial em 2026.
‘Máquina certa’ x ‘rede certa’
Num ano em que três candidatos ficaram empatados no final da primeira volta, a vitória de Nunes mostra que, apesar do crescimento da “direita digital” representada por Marçal, a política tradicional mantém a sua força. É o que analisa Hannah Maruci, doutora em Ciência Política pela USP.
“A máquina é importante, o tempo de TV ainda é importante”, diz ele. “Quando o candidato que já está no poder vai para o segundo turno, é muito difícil que outro candidato ganhe”, afirma o pesquisador.
O resultado na capital paulista mostra redução da polarização, afirma Eduardo Grin, professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Esperávamos uma reprodução a nível local do que foi [as eleições presidenciais de] 2022, a polarização entre o lulismo e o bolsonarismo. E isso não aconteceu”, afirma o professor.
Para ele, essa polarização não aconteceu porque Lula e Bolsonaro foram altamente rejeitados na cidade e participaram das campanhas de forma tímida.
“Lula tinha limites para entrar na campanha, porque vários partidos que apoiam Nunes estão na base de apoio dele no Congresso Nacional e isso poderia gerar desconforto com o próprio MDB ou com a União Brasil, por exemplo. ele sabia que isso significaria desgaste direto”, afirma.
Maruci considera que o resultado não significa o fim da polarização.
“O MDB é um partido não ideológico e o bolsonarismo nunca esteve associado a partido. Tanto é que Bolsonaro muda inúmeras vezes de partido. Então ainda estamos falando de duas forças antagônicas”, ressalta.
Tarcísio de Freitas: o grande vencedor
Mas há um consenso entre os analistas políticos ouvidos pela reportagem: Tarcísio de Freitas sai mais forte destas eleições.
No segundo turno, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o atual governador de São Paulo e o prefeito reeleito almoçaram e fizeram campanha juntos —mas o grande fiador político da campanha do candidato do MDB foi o governador.
Antes de se encontrar com Bolsonaro, Nunes destacou o apoio do seu “grande amigo e irmão” Tarcísio, que esteve “ombro a ombro” com a sua campanha.
“Ele é uma grande referência para nós. Ele fazia passeios conosco, se encontrava, convidava pessoas para a nossa campanha. Sou muito grato ao governador Tarcísio por tudo”, disse.
Enquanto o ex-presidente hesitou em apoiar abertamente Nunes no primeiro turno, já que o prefeito causou polêmica nas redes sociais de Bolsonaro por não ser um aliado “de raiz”, foi Tarcísio quem garantiu apoio ao prefeito e se mostrou um padrinho confiável e pulou de cabeça. na campanha.
Neste domingo, o governador afirmou sem provas que a facção criminosa PCC orientou a votação em Boulos na capital paulista. A afirmação foi feita no posto eleitoral de Tarcísio, na zona sul de São Paulo.
O candidato do PSOL classificou a afirmação como “irresponsável e mentirosa”. “Este é o relatório falso do segundo turno”, disse Boulos, em referência à publicação de um atestado médico falso de Marçal às vésperas do segundo turno.
Para Eduardo Grin, ele demonstrou capacidade própria de articulação política e um nome forte para 2026.
“O apoio de Tarcísio a Ricardo Nunes mostra que, politicamente falando, o governador não é mais tão dependente da liderança como era de Bolsonaro”, analisa.
“Ele adquiriu voos próprios, começou muito apoiado pelo Gilberto Kassab, que vem tentando moderar ou polir sua imagem de alguém que não é político de Bolsonaro.”
O cientista político destaca a derrota de Bolsonaro nestas eleições. Isto porque o ex-presidente viu o campo da direita radical fragmentar-se e a sua influência como líder eleitoral ser posta à prova.
Ivan Fernandes, professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC), destaca a tentativa do governador de se aproximar do centro e se desligar, num primeiro momento, das alas radicais do bolsonarismo.
O professor da UFABC diz que o governador “nunca foi uma figura super radical” e lembra e sempre foi alguém que conseguiu fazer a transição.
“Mesmo não sendo um cargo de alto escalão, ele fez parte do governo Dilma e continuou durante o governo Bolsonaro. Ele já teve posturas excessivamente truculentas e podemos até discutir sua atuação como governador, mas não como ator político. “
Possíveis caminhos da direita em 2026
A eleição paulista dá pistas de possíveis cenários para 2026.
“É muito provável que uma divisão na direita, seja Bolsonaro candidato ou não em 2026, continue”, projeta Grin.
Diz que a vitória de Nunes mostra a força da “política profissional”, simbolizada na figura de Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD e que apoiou a campanha de Nunes.
“Trata-se de um grande empresário político, como Kassab, que entendeu uma coisa muito importante sobre esta eleição: candidaturas que não caminham no sentido de gerar grandes coligações de apoio, como João Campos no Recife ou Eduardo Paes no Rio de Janeiro, vão estar fadado a ser derrotado eleitoralmente”, afirma.
“Quando Valdemar Costa Neto, profissional político, diz que não quer que o bolsonarismo governe o PL, ou Lula afirma que quer fazer alianças com a centro-direita, qual é a conclusão que temos em comum? eles têm que fazer arcos de aliança mais amplos para ter uma chance de vitória em 2026”.
O cientista político, porém, afirma que não é correto dizer que o centro prevaleceu sobre os extremos.
“Não existe centro. União Brasil, Republicanos, as várias alas do PSD são partidos de direita. O que prevaleceu foi outra lógica. Esses partidos, impulsionados com muito dinheiro do fundo eleitoral e vários tipos de emendas que vieram de Congresso, ajudou a alcançar uma taxa de adesão de prefeitos como nunca antes.”
Ivan Fernandes afirma ainda que a eleição municipal acolhe novos nomes da direita.
“Ao longo de 30 anos de democracia, na esquerda não se consolida sem o apoio de Lula. Na direita, o mesmo aconteceu com Bolsonaro. Agora há sinais de que é possível alguém se tornar viável sem o apoio do bolsonarismo.”
Futuro de Nunes
O perfil dos vereadores eleitos este ano mostra que a gestão do MDB deve ter governabilidade: os partidos da coligação de Nunes terão 36 das 55 cadeiras a partir do próximo ano.
Ou seja, os aliados do atual prefeito representam 65% da Câmara Municipal, o que deve facilitar a aprovação dos projetos enviados pelo prefeito.
Por isso, Eduardo Grin afirma que Nunes não terá dificuldades para governar.
Quanto ao futuro político do prefeito reeleito, Ivan Fernandes acredita que Nunes deve seguir trajetória semelhante à de Gilberto Kassab.
“Não acredito que ele será candidato ao governo do estado. Tarcísio precisaria viabilizar seu sucessor, mas não creio que Nunes seja esse nome. Meu palpite é que ele seguirá o caminho de Kassab”, afirma.
“Ele tem um partido forte, vai ficar ainda mais forte depois de seis anos de gestão em São Paulo, o que lhe dá um orçamento enorme para criar suas redes de apoio e sua clientela política”.
Fernandes projeta que os próximos quatro anos de governo Nunes serão marcados pela continuidade de suas políticas: forte diálogo com construtoras e parcerias políticas com o governo de seu agora padrinho, Tarcísio de Freitas.
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