O atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) derrotou o adversário Guilherme Boulos (PSOL) no segundo turno da disputa para prefeito de São Paulo e poderá permanecer mais quatro anos no cargo na maior cidade do país. O resultado confirmou a tendência já observada nas pesquisas eleitorais ao longo do segundo turno.
Com 93,5% dos votos apurados, Nunes obteve 59,55% dos votos válidos (3,1 milhões) e Boulos, 40,45% (2,1 milhões) – número semelhante ao que o candidato do PSOL havia obtido há quatro anos, quando concorreu ao mesmo posição.
O candidato psolista perdeu em quase todos os bairros da capital, inclusive em regiões periféricas que tradicionalmente votavam na esquerda.
“A derrota de Boulos no extremo leste foi a grande novidade dessas eleições. Essa é uma área que tradicionalmente a esquerda ganhou”, avalia Sérgio Simoni Jr., professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo ( USP).
“A vitória do Boulos foi muito difícil. O Marçal, que ficou em terceiro lugar com mais de 1,7 milhão de votos, era um cara que estava na direita, então a migração de votos mais lógica realmente foi para o Nunes”, completa o professor.
Boulos enfrentou forte rejeição ao longo da campanha. Na última segunda-feira, 21, na reta final, Boulos publicou uma carta “ao povo paulista”, semelhante ao gesto de Lula na campanha de 2002. No texto ele reconhece que a periferia mudou e busca apoio dos pequenos empreendedores.
“Você, mulher, que foi abrir seu salão, vender salgadinhos na sua garagem ou na porta do metrô, você sabe disso. Você, jovem, que financiou uma moto e foi trabalhar sem parar e sem nenhuma proteção, você sabe disso .Você que pega carro e dirige por toda a cidade como motorista de aplicativo, sabe disso muitas vezes, deixamos de conversar com você”, escreveu.
As discussões do segundo turno ganharam um novo tema explorado por Boulos contra Nunes: um apagão causado pelas fortes chuvas que atingiram a cidade no dia 11 de outubro, e que deixaram mais de 2,6 milhões de pessoas sem luz, na capital e em outras cidades do país . estado.
Boulos usou seu espaço nos debates e na propaganda eleitoral para criticar Nunes por não cuidar do zelador e não podar árvores na capital paulista, o que teria dificultado ainda mais a retomada da distribuição de energia.
Já Nunes rebateu e tentou dividir a culpa com o governo federal, já que a concessão de distribuição de energia elétrica na cidade, operada pela empresa Enel, é dada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), cabendo à Aneel punir a empresa ou possivelmente suspender o contrato.
O assunto esfriou na semana passada, sem grandes mudanças nos resultados das pesquisas.
Qual é o futuro de Boulos?
Boulos é considerado um dos maiores líderes da esquerda no país e visto como um dos possíveis sucessores do presidente Lula, que o apoiou durante a campanha deste ano, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Já foi candidato a Presidente da República em 2018, ao lado da vice Sonia Guajajara (hoje Ministra dos Povos Indígenas) e terminou a disputa na décima colocação, com 617 mil votos.
No mesmo ano, esteve no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo nos dias anteriores à prisão de Lula, em 2018, defendendo o presidente.
Em entrevista à BBC News Brasil no mesmo ano, argumentou que “quando uma ordem é injusta, a resistência é legítima”. Em seu último discurso antes da prisão, Lula o elogiou e comparou sua história com a dele.
Em 2020, candidatou-se pela primeira vez a prefeito de São Paulo, formando chapa com a vice e ex-prefeita Luiza Erundina (também do PSOL) e chegou ao fim com 40,6% dos votos válidos (ou 2,1 milhões), derrotado de Bruno Covas (PSDB).
Em 2022, o psolista foi o deputado federal eleito mais votado em São Paulo, com o apoio de mais de 1 milhão de eleitores. Naquele ano ele cogitou concorrer a governador, mas desistiu para buscar a unidade da esquerda no estado. O PT acabou lançando Fernando Haddad, que ficou em segundo lugar, com 44,73% dos votos.
“Apesar de todo o tempo de TV, recursos do fundo partidário e de uma aliança que incluía até Geraldo Alckmin, Boulos estava rigorosamente igual a 2020. Não houve avanço no sentido de furar a bolha eleitoral. O campo, na cidade de São Paulo, é mais amplo quando se fala em eleições presidenciais, e mais conservador quando se fala em eleições municipais”, afirma o cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV) Marco Antonio Carvalho Teixeira.
Teixeira acredita que, mesmo assim, o resultado pode ajudá-lo em outras disputas.
“Ele surge como a nova liderança capaz, inclusive, de aspirar, não no curto prazo, e dependendo do vazio que for deixado por Lula, um projeto de maior envergadura, que poderá até ser uma candidatura à Presidência da República .”
Para o professor de Estratégia de Comunicação Política da FESPSP (Escola Paulista de Sociologia e Política) Beto Vasques, os resultados demonstram que a história de Boulos está cada vez mais próxima da de Lula.
“Boulos é o herdeiro. Ele continua sendo, e talvez o que o destino esteja mostrando é que o destino do herdeiro é mais parecido com o de seu ‘pai’, Lula, do que se imaginava. Todos pensavam que talvez ele tivesse a vida mais fácil. o caminho que Lula havia trilhado, mas talvez acabe seguindo um caminho muito parecido, com sucessivas derrotas para o executivo antes de ter sua primeira vitória.”
Vasques diz que Boulos se forjou como um líder de esquerda “altamente reconhecido” pela sua capacidade de articulação.
“Embora tentem retratá-lo como sectário, ele se mostrou, assim como Lula, uma pessoa muito hábil na negociação, no diálogo. Quando esteve no MTST, como líder do movimento, especializou-se em negociar com o polícia, com o governador, com a Secretaria de Habitação. [feitas pelo movimento social liderado por Boulos] eles deveriam criar espaço na mesa de negociações. Assim como Lula, ele nunca fez guerra para apertar a corda e rompê-la, mas sim para abrir o diálogo e compor.”
Outro trunfo do psolista, segundo Vasques, foi apontar uma direção para a esquerda sinalizando aos pequenos empresários durante a campanha, ato reforçado na semana passada com a carta aos paulistanos.
“O campo progressista, como um todo, historicamente teve muita dificuldade em entender os empreendedores. Boulos disse que é preciso entender quais são as dores e as demandas desses trabalhadores”.
Daniela Costanzo, doutora em Ciência Política pela USP, pesquisadora do Cebrap e da Sciences Po, afirmou que o papel da vice-presidente de Boulos, Marta Suplicy, e do PT, não foi muito relevante para a atuação do candidato.
Isso pode ser visto, segundo Constanzo, como um problema de articulação do PT com o PSOL e com a campanha de Boulos.
Ela avalia que o PT nacional não se engajou muito nas campanhas municipais, não teve muita coordenação e não teve muito apoio do presidente Lula ou de outras figuras partidárias envolvidas no governo. “Há uma certa desarticulação, que também se refletiu na campanha do Boulos”.
“A forma como as pessoas votam em uma eleição municipal é diferente de como votam para presidente ou deputado, por exemplo. É uma eleição que expressa muito conforto. Em todo o Brasil houve o maior índice de reeleição e São Paulo expressa isso também . Não creio que a elevada rejeição de Boulos seja apenas uma rejeição da esquerda. Há uma rejeição ligada à sua figura, mas também de não mudar, a partir de um contexto municipal.”
Ela diz ainda que é preciso olhar mais para o eleitorado de classe média como forma de diminuir a rejeição.
“Desde o lulismo, temos uma divisão eleitoral em que operam as categorias de pobres e ricos. Muitas pessoas, acima de três salários mínimos, não se identificam mais como eleitores pobres. , essas pessoas podem se identificar mais com candidatos mais ricos. Quando Boulos fala muito sobre moradia popular, tema que ficou muito associado a ele, essa parcela do eleitorado acaba não se identificando.”
Rute Pina, da BBC News Brasil de São Paulo, contribuiu
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