Há quatro anos, Donald Trump anunciou, na mesma noite da votação e antes da divulgação dos resultados, que havia vencido as eleições.
“Na noite da votação, eu liderava solidamente em muitos estados indecisos. Depois, um a um, os votos começaram a desaparecer magicamente”, declarou Trump em 2020.
Naquela ocasião, Trump acusou o Partido Democrático de ter “roubado” a eleição, apesar de não haver provas na altura, nem nos quatro anos seguintes.
As auditorias descartaram qualquer manipulação, assim como os tribunais.
Para apoiar a sua acusação de fraude, Trump aproveitou a chamada “miragem vermelha” – fenómeno que indicam os primeiros resultados da noite eleitoral uma aparente vitória para os republicanos.
Mas, à medida que os primeiros votos e os dados das grandes cidades dos principais estados começam a ser contabilizados, a diferença diminui e até a tendência pode inverter, no que é conhecido como “virada azul”, a cor dos Democratas.
Segundo analistas, isso poderá se repetir nas eleições desta terça-feira (11/05), embora com menos intensidade do que em 2020.
O que aconteceu em 2020
Em geral, o resultado é conhecido na noite da votação. Mas nas eleições de 2020, foram necessários quase quatro dias a mais para saber quem era o vencedor devido à disputa acirrada nos estados decisivos e ao grande número de votos pelo correio, que aumentaram muito devido à pandemia.
No intervalo entre os primeiros resultados parciais e a contagem final, ocorreu a “miragem vermelha” – uma suposta vantagem que pode acabar se revelando ilusória.
Este fenómeno descreve o momento em que os republicanos, associados à cor vermelha, parecem estar a vencer as eleições com base nos primeiros resultados, geralmente das zonas rurais, que não representam necessariamente todo o eleitorado.
Porém, à medida que os votos presenciais e pelo correio, além dos dados dos grandes centros urbanos, começam a ser contabilizados, a vantagem inicial dos republicanos começa a diminuir e pode até reverter.
“A miragem vermelha descreve a vantagem inicial de um candidato na noite da eleição, que diminui até desaparecer à medida que mais votos são contados”, explica Alauna Safarpour, PhD em Governo e Política pela Universidade de Maryland, à BBC Mundo.
O conceito de “miragem vermelha” foi cunhado pela consultoria Hawkfish, que, em 2020, previu corretamente que Trump poderia inicialmente alcançar a liderança, mas que Biden poderia superá-lo graças à contagem de votos por correspondência e áreas urbanas.
Em 2020, o “efeito balanço azul” acabou por definir a presidência a favor de Biden, enquanto, quatro anos antes, a vantagem democrata em alguns estados não foi decisiva e não conseguiu inverter a tendência, levando Hillary Clinton a admitir a sua derrota.
O fenômeno em que o candidato democrata consegue aumentar sua vantagem após o dia da votação ocorreu em cada uma das últimas cinco eleições, segundo Edward Foley, acadêmico especializado em direito eleitoral na Moritz College of Law da Universidade Estadual de Ohio.
Foi Foley quem promoveu o conceito do “efeito oscilação azul” após as eleições de 2012, numa tentativa de explicar por que é que Estados em disputa podem tornar-se alvo de amargas batalhas jurídicas entre os dois principais partidos.
Por que isso acontece?
Em primeiro lugar, estes dois fenómenos interligados podem ser explicados pelo sistema eleitoral complexo e descentralizado dos Estados Unidos.
Ao contrário dos países latino-americanos, os Estados Unidos não têm autoridade eleitoral nacional; Cada um dos 50 estados e o Distrito de Columbia (DC) têm suas próprias regras eleitorais e registram os votos de maneira diferente.
Antes da abertura dos centros de votação na manhã desta terça-feira (11/05), milhões de pessoas já haviam votado antecipadamente, seja pessoalmente ou enviando o voto pelo correio, o que torna a apuração mais complexa e retarda o processo.
Em muitos estados, os avanços tecnológicos e os padrões eleitorais permitem que a contagem e a publicação dos resultados ocorram logo após o encerramento das urnas. Em outros, um resultado definitivo pode levar vários dias.
O estado da Florida, por exemplo, está entre os mais rápidos a divulgar os resultados finais, uma vez que pode começar a processar o correio e os votos antecipados antes do dia da eleição.
Por outro lado, estados como Wisconsin e Pensilvânia — o principal estado-chave em número de votos eleitorais — estão entre os mais lentos a publicar resultados. Isso ocorre porque as cédulas enviadas pelo correio não podem começar a ser processadas antes da manhã do dia da votação.
Além disso, há estados que permitem a contagem dos votos enviados pelo correio que chegam no dia seguinte à eleição, enquanto outros não permitem esta prática.
A segunda razão é a diferença na velocidade de contagem entre pequenas cidades rurais e grandes centros urbanos dentro de um mesmo Estado.
Os votos tendem a demorar mais para serem contados nas áreas urbanas, que são mais densamente povoadas e geralmente favorecem os democratas, em oposição aos pequenos distritos rurais, que tendem a apoiar os republicanos.
“Os condados com maior população demoram mais para contar os votos”, explica Safarpour.
O relatório eleitoral do MIT Election Data and Science Lab sobre as eleições de 2020 chegou à mesma conclusão: “Os condados vencidos por Biden demoraram mais para completar suas contagens do que os condados vencidos por Trump”.
O que poderá acontecer nas eleições deste ano?
Numa eleição como a desta terça-feira, onde as sondagens mostram Donald Trump e Kamala Harris com menos de dois pontos de diferença em vários estados decisivos, o vencedor poderá não ser conhecido na noite eleitoral.
Portanto, segundo especialistas, o fenômeno da “miragem vermelha” seguido do “efeito onda azul” pode se repetir, embora com menor intensidade. Este ano, a votação por correio deverá ser inferior em comparação com as eleições anteriores, e os registos mostram um aumento significativo no voto antecipado republicano em comparação com 2020, de acordo com dados do Laboratório Eleitoral da Florida.
“Este ano é possível que assistamos ao mesmo fenómeno, embora talvez menos pronunciado, já que o Partido Republicano tem incentivado os seus eleitores a votarem de todas as formas, incluindo o voto pelo correio”, explica Safarpour.
Isto é visível em estados como a Pensilvânia, onde, em 2020, 65% dos votos por correspondência foram emitidos por eleitores democratas, contra 24% pelos republicanos.
Em 2024, esta diferença está a diminuir: 56% dos pedidos de voto por correio foram feitos por Democratas e 32% por Republicanos.
Alguns estados, como Michigan, modificaram suas regras eleitorais de 2020 para permitir a contagem dos votos antecipados antes do dia da eleição, o que poderia acelerar o processo. Por outro lado, outros estados, como a Carolina do Norte, endureceram as condições para a contagem.
Embora seja provável que, nestas eleições, os resultados dependam menos do voto por correspondência do que em 2020 – quando muitos votaram desta forma devido à pandemia de covid-19 –, é possível que o cenário se repita.
“A grande divisão partidária continua, embora este ano seja um pouco mais equilibrada do que nas eleições anteriores. Portanto, à medida que mais votos por correspondência são contados, podemos esperar que a vantagem de Harris sobre Trump nos estados aumente”, diz Safarpour, especialista nos sistemas eleitorais.
Para analistas, é recomendado “ter paciência” na noite eleitoral.
“Teremos os resultados das eleições no devido tempo. Mas provavelmente não será na noite das eleições”, diz Safarpour.
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