O aumento dos impostos sobre os super-ricos foi um dos principais slogans do Brasil na presidência do G20mas o país corre o risco de não chegar a uma declaração consensual sobre o tema na Cúpula de Líderes, evento que reúne os principais líderes globais durante dois dias no Rio de Janeiro, a partir de segunda-feira (18/11).
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva e os defensores da ideia de um imposto global sobre os bilionários têm comemorado o destaque internacional dado ao tema nas reuniões ministeriais do G20 ao longo do ano, embora a proposta encontre resistência dentro do grupo e esteja longe de se tornar realidade.
Agora, às vésperas da Cúpula, as negociações tornaram-se mais difíceis com o endurecimento da posição da Argentina, presidida pelo Javier Mileideclarou-se oponente de mais impostos sobre os ricos.
As negociações para o comunicado final dos líderes decorrem num novo contexto global, após a eleição do Donald Trump como futuro presidente americano – ele próprio um bilionário que, no seu primeiro governo, adoptou reduções de impostos que beneficiaram grupos de rendimentos mais elevados.
Milei viajou aos Estados Unidos na quinta-feira (14/11) para se encontrar com Trump antes de vir ao Rio de Janeiro para o G20 —grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo, mais a União Europeia e a União Africana.
Além do argentino, são esperados os presidentes Joe Biden (Estados Unidos), Xi Jinping (China), Emmanuel Macron (França), Javier Milei (Argentina) e Cyril Ramaphosa (África do Sul), além do chanceler Olaf Scholz (Alemanha). e os primeiros-ministros Narendra Modi (Índia), Keir Starmer (Reino Unido) e Giorgia Meloni (Itália), entre outros.
A diplomacia brasileira ainda negocia como a agenda será incluída no comunicado final e tenta vencer a resistência de Milei. Caso isso não seja possível, o tema pode ser mencionado, com a ressalva de que não contou com apoio da Argentina, o que seria uma derrota para a diplomacia brasileira.
Ao longo do ano, o governo Lula adotou a proposta do economista francês Gabriel Zucman de um imposto mínimo global de 2% sobre as fortunas dos bilionárioso que poderia arrecadar US$ 250 bilhões (R$ 1,24 trilhão) por ano, tributando cerca de 3 mil pessoas em todo o mundo.
O presidente argumenta que os recursos arrecadados são utilizados no combate à fome e à pobreza e em ações ambientais.
“Nunca antes o mundo teve tantos bilionários. Estamos falando de 3 mil pessoas que detêm quase US$ 15 trilhões em ativos. Isto representa a soma da riqueza do Japão, Alemanha, Índia e Reino Unido. É mais do que se estima ser necessário para os países em desenvolvimento lidarem com as mudanças climáticas”, argumentou Lula em junho.
A ideia de uma taxa mínima global teve apoio entusiástico do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Segundo ele, a medida evitaria a fuga de capitais de um país com impostos mais elevados, para outros com isenção ou impostos mais baixos.
Em julho, o Brasil conseguiu liderar uma declaração de consenso dos ministros das Finanças do G20 sobre tributação, na qual o grupo reconheceu a importância de tributar os super-ricos, sem citar a proposta de um imposto único.
“Com total respeito pela soberania fiscal, procuraremos envolver-nos de forma cooperativa para garantir que os indivíduos com património líquido ultraelevado sejam efetivamente tributados”, afirma o documento.
Na altura, a oposição mais aberta a um imposto global veio dos Estados Unidos. O governo Joe Biden apoiou o aumento da progressividade fiscal e a tributação dos super-ricos, mas foi contra a ideia de uma tributação única.
“A política fiscal é muito difícil de coordenar globalmente. Não vemos necessidade nem achamos realmente desejável tentar negociar um acordo global sobre esta questão. Acreditamos que todos os países devem garantir que os seus sistemas fiscais são justos e progressivos”, disse a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, na reunião dos ministros das finanças do grupo, em Julho.
Mesmo assim, a declaração consensual foi considerada uma vitória no Ministério da Fazenda, e a expectativa inicial do governo Lula era conseguir manifestação semelhante no comunicado final.
O endurecimento da posição da Argentina na reta final das negociações foi uma novidade, embora a oposição de Milei já fosse conhecida.
O argentino é abertamente contra o aumento de impostos sobre os mais ricos e até criticou diretamente, em setembro, um discurso do presidente de Espanha, Pedro Sanchez (Partido Socialista Operário Espanhol, Esquerda), cujo governo aumentou os impostos sobre os grupos de rendimentos mais elevados.
“O socialismo é uma doença aberrante da alma. A combinação de inveja profunda, arrogância fatal e ignorância da economia nesta frase é horrível. D..S proteja os espanhóis deste predador de riqueza… VLLC [Viva la Liberdade Carajo]!!!, escreveu ele, em uma postagem na rede socialenquanto compartilha um vídeo de Sanchez.
Autoridades brasileiras ouvidas pela BBC News Brasil reconhecem que há mais países resistentes a um imposto global, mas evitam detalhar quais. Segundo diplomatas familiarizados com as negociações, entre os motivos dessa resistência estariam a dificuldade em identificar os domicílios fiscais de alguns de seus bilionários e a incerteza quanto ao destino que seria dado aos recursos arrecadados caso algum tipo de fundo global resultante da esta tributação foi estabelecida.
O relatório concluiu também que nem todos os países aderiram com entusiasmo à declaração ministerial de Julho. No Ministério da Fazenda, há entendimento de que membros do Brics concordaram com o documento no apoio político ao Brasil.
Brasil quer que o tema avance na ONU ou na OCDE
O desejo do Brasil é ter uma declaração forte no G20 que ajude a promover o tema posteriormente nas Nações Unidas ou na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organização que reúne principalmente países desenvolvidos.
O governo entende que o grupo é importante para impulsionar politicamente as agendas, mas que as discussões técnicas e a construção de um acordo concreto devem ocorrer em outros fóruns.
A OCDE liderou as negociações para a adoção de um imposto global mínimo de 15% sobre as multinacionais, um processo que demorou mais de duas décadas desde as negociações iniciais até à elaboração efetiva de uma proposta, que ainda está a ser implementada pelos países.
A ONU está num longo processo de elaboração de uma Convenção Fiscal, com o objectivo de tornar o sistema fiscal internacional mais inclusivo, justo e eficaz.
Dentro desse processo, os países poderão escolher dois temas que serão abordados primeiro, a partir de fevereiro de 2025. A diplomacia brasileira busca apoio para um deles ser a tributação dos super-ricos.
“Serão escolhidos dois temas para serem discutidos e serão objeto de protocolos, antes mesmo da convenção. E defendemos que um desses temas seja a tributação dos super-ricos. “, disse a diplomata e secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, que comandou a “Trilha Financeira” do G20 durante a presidência brasileira, à BBC News Brasil no início de novembro.
“O objetivo principal era colocar o tema na ordem do dia. Virou tema de discussão dos principais líderes mundiais. Não houve o menor sinal, antes da presidência brasileira, de que isso iria acontecer. Agora, o G20, como sabemos, ele não implementa nada. O G20 chega a consensos, impulsos políticos”, acrescentou.
O economista Quentin Parrinello, diretor do Observatório Fiscal Europeu e integrante da equipe de Gabriel Zucman, também comemora a visibilidade do tema.
“Já temos o G20 há várias décadas e é a primeira vez na história do grupo que conversamos sobre a tributação dos super-ricos. Isso é enorme”, diz ele.
“E o facto de não haver imposto mínimo no final deste G20 não é uma desilusão. Ninguém esperava um imposto mínimo no final deste ano. Estávamos à espera do lançamento de uma agenda global”, disse, em conversa com o repórter antes da Cúpula.
Parrinello enfatiza que os acordos fiscais globais são complexos e levam tempo. Ele reconhece que a eleição de Trump torna o cenário menos favorável, mas espera que a questão possa avançar a nível técnico.
Segundo o economista, foi o que aconteceu com a criação de uma taxa mínima global para as multinacionais. Os países do G20 já tinham concordado com a adoção da taxa quando Trump tomou posse pela primeira vez, em 2017, e a medida continuou a ser desenvolvida a nível técnico na OCDE. Depois, quando chegou o momento da aprovação, os Estados Unidos já eram presididos por Biden.
“Então, se durante os quatro anos de presidência de Trump houver uma conversa sobre os aspectos técnicos, os EUA podem bloquear. Mas, como não há votação, é só a conversa técnica, realmente não acontece nada”, analisa .
A questão é: e se acontecer de termos uma administração dos EUA que se oponha totalmente durante os próximos 20 anos? Sim, isso será um problema”, reconhece.
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