Com a espinhosa missão de presidir este ano o G20 — grupo das maiores economias do mundo — em meio aos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio e à maior crise climática da história, o Brasil optou por colocar o combate à fome e à pobreza , bandeira que marca os governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Diplomatas do Brasil e de outros países entrevistados pela BBC News Brasil concordam que foi uma boa estratégia trazer um tema mais unificador para a mesa de negociações, o que possibilitou a criação de uma iniciativa considerada inédita, pelo seu formato e peso político: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que nasceu com 147 membros fundadores, incluindo 81 países e grandes instituições internacionais, como o Banco Mundial e organizações das Nações Unidas (ONU).
A nova instituição foi lançada oficialmente nesta segunda-feira (18/11) no Rio de Janeiro, onde acontece a Cúpula de Líderes do grupo durante dois dias, com Lula como anfitrião.
Dos membros do G20 – composto por 19 países mais a União Europeia e a União Africana – apenas a Argentina não aderiu. O país, presidido por Javier Milei, tem demonstrado resistência a diferentes agendas multilaterais desde que o seu aliado, Donald Trump, foi eleito o novo presidente americano. A posição argentina está mesmo a dificultar que os líderes cheguem a uma declaração consensual para a Cimeira.
A Aliança é vista como um raro exemplo de impacto concreto do G20, que normalmente se restringe a declarações de intenções dos seus membros — mas a sua eficácia ainda será testada e dependerá, acima de tudo, da capacidade de libertar recursos, da economista-chefe da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o peruano Maximo Torero.
A iniciativa visa facilitar a implementação de políticas públicas que já foram testadas com sucesso em diferentes países — como Bolsa Família, programas de alimentação escolar, agricultura familiar e microcrédito — em nações pobres ou de renda média-baixa, que carecem de ações estruturadas nacionalmente.
Além disso, a Aliança pretende ser um facilitador dos fluxos de financiamento, tornando menos burocrático o acesso destes países aos recursos existentes em instituições financeiras multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, e outras fontes.
As primeiras metas anunciadas preveem a expansão dos programas de transferência de renda em países como Togo, Chile e Nigéria, que deverão atingir 500 milhões de pessoas. Está também previsto duplicar o número de crianças com acesso à alimentação escolar nos países pobres, atingindo 150 milhões de estudantes até 2030. Por outro lado, países como França, Alemanha e Noruega comprometeram-se a apoiar financeiramente a expansão da alimentação escolar.
Segundo dados da ONU, havia 733 milhões de pessoas com fome no mundo em 2023, um aumento de 152 milhões em relação a 2019. A projeção atual é que, sem esforços adicionais, não será possível atingir a meta traçada em 2015 de eliminar fome mundial. até 2030.
“A Aliança pretende colocar e depois manter o combate à pobreza no topo da lista de prioridades”, disse à BBC News Brasil Renato Godinho, assessor especial para Assuntos Internacionais do Ministério do Desenvolvimento Social e um dos coordenadores técnicos da iniciativa. .
“A ideia é voltar ao básico com a consciência de que, se não conseguirmos vencer a fome e a pobreza, o que é mais fácil do que resolver a questão climática e construir a paz mundial, não conseguiremos resolver estas outras crises”, destacou ainda .
Os membros são aceitos após assumirem um compromisso e podem participar de três formas: como financiadores, provedores de conhecimento (políticas públicas de sucesso) ou como implementadores desses programas em escala nacional.
A intenção, explicou Renato Godinho, é incentivar ações de grande envergadura, lideradas pelos Estados, já que o diagnóstico é que hoje as iniciativas de combate à pobreza e à fome são fragmentadas e, muitas vezes, lideradas por organizações filantrópicas, com impacto limitado.
“Temos a metáfora das aplicações sociais [de paquera]: ‘match’ entre os vários parceiros que querem levar a cabo esta implementação [da Aliança]. O mecanismo em si não receberá recursos para implementar nada. Será uma costura que será feita [entre os participantes]e serão assinados acordos específicos para implementação dos projetos entre esses parceiros”, explica Godinho.
A FAO apoia a iniciativa e irá albergar o escritório principal da aliança em Roma, mas a nova instituição actuará de forma independente da ONU e do próprio G20. Os custos operacionais estão orçados em cerca de US$ 3 milhões (R$ 17,2 milhões) por ano até 2030, e o Brasil se comprometeu a pagar metade disso.
Menor otimismo após a eleição de Trump
Para Maximo Torero, da FAO, a aliança é um mecanismo inédito porque reúne dois elementos: fortalecer o compromisso político das grandes economias com a agenda de combate à fome e à pobreza e um formato inovador para articular boas práticas, fontes de financiamento e países que precisa dessas ações.
No entanto, considera que ainda existem grandes desafios para desbloquear o acesso aos recursos, algo que dependerá de uma melhor coordenação das instituições financeiras multilaterais.
“A probabilidade [de a Aliança trazer resultados robustos]para mim, no momento, é otimista, mas pessimista. Se observarmos uma mudança no pilar financeiro da aliança, o otimismo poderá ser alto”, disse ele ao repórter.
Torero também reconhece que “estava mais otimista há duas semanas”, antes Donald Trump ser eleito futuro presidente dos Estados Unidos, país que detém as maiores participações no FMI e no Banco Mundial, com peso importante nos votos destas instituições.
O atual governo, liderado por Joe Biden, manifestou forte apoio à Aliança. Na opinião do economista-chefe da FAO, não está claro qual será a posição do próximo presidente americano, que costuma ser avesso à coordenação multilateral. Por outro lado, considera, Trump pode apoiar uma agenda de combate à fome e à pobreza no mundo, se entender que isso pode reduzir a imigração para os Estados Unidos, uma das suas principais promessas.
“O cenário político mudou desde as eleições [de Trump]e isso representa um desafio. Então, minha posição para o Brasil é que precisamos fazer com que o FMI, o Banco Mundial e os bancos regionais tenham um plano claro sobre como irão se coordenar para atingir esses objetivos”, disse ainda.
A presidência brasileira do G20 também priorizou a reforma dessas instituições este ano. O grupo aprovou por consenso em outubro um documento com diretrizes para tornar os bancos multilaterais maiores e mais eficientes, ampliando sua capacidade de crédito, algo que também visa projetos na área ambiental.
Além disso, houve um evento simbólico em Washington no mesmo mês para a adesão destas instituições à Aliança, com representantes do FMI, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e Novo Banco de Desenvolvimento, entre outros.
No entanto, Torero, que anteriormente foi diretor executivo do Banco Mundial, representando países sul-americanos como Argentina e Chile, diz que será necessária uma pressão contínua dos membros do G20 para que a reforma destas instituições realmente decole, o que dependerá do será a política governamental.
As estimativas da ONU indicam que deverão ser mobilizados mais 540 mil milhões de dólares até 2030 para erradicar a fome no mundo.
Uma das apostas do Brasil para ampliar os recursos disponíveis é a utilização dos Direitos Especiais de Saque (DES) do FMI para empréstimos, medida que foi aprovada em maio pelo fundo, mas cuja implementação é complexa e ainda está em andamento.
Os DES são uma reserva que os países têm no FMI para utilizar em situações de emergência, com regras restritas de utilização. A expectativa inicial é que parte destes instrumentos seja utilizada pelos bancos multilaterais para financiar ações sobre o clima e o combate à pobreza, mobilizando potencialmente até 140 mil milhões de dólares.
“Das opções em cima da mesa, esta é a que poderá oferecer maior potencial, embora haja restrições [ainda para a implementação] o que também é normal, porque é um mecanismo inovador”, disse à BBC News Brasil a diplomata e secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, que comandou a “Trilha de Finanças” do G20 durante a presidência brasileira.
Outra ideia, destaca o embaixador, é ampliar as operações de troca de dívidas — ou seja, autorizar os países pobres e endividados a utilizar o dinheiro que iria para o pagamento dessas dívidas em programas apoiados pela Aliança.
O panorama da fome no mundo
A aliança deverá operar pelo menos até 2030, prazo final para o mundo atingir os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, um conjunto de metas estabelecidas pelos membros das Nações Unidas.
Erradicar a fome e a pobreza são dois desses objetivos, mas vários fatores têm dificultado esses objetivos, segundo a ONU, como os conflitos, a crise climática, a inflação e a pandemia do coronavírus.
Um relatório de julho da organização estimou que 733 milhões de pessoas em todo o mundo enfrentavam a fome em 2023.
O documento mostrou que a fome tem vindo a aumentar em África, um continente que tem 298 milhões de pessoas subnutridas (cerca de 20% da sua população)
A Ásia alberga o maior número absoluto de pessoas com fome – 384 milhões, 8% da população – e tem registado estabilidade nestes números.
Por outro lado, a fome diminuiu na América Latina e no Caribe, com destaque para os bons resultados no Brasil. A região abriga 41 milhões de pessoas afetadas (6% da população).
Para o economista-chefe da FAO, Maximo Torero, as lideranças do Brasil e de Lula foram “superimportantes” para a criação da Aliança, seja pelo sucesso do país na redução da fome e da pobreza nas últimas décadas e ainda hoje, seja pelo sucesso do presidente brasileiro “atração política” capacidade “de chegar a consenso”.
Na avaliação dele, há uma “janela de oportunidade” no próximo ano, quando o Brasil presidirá os Brics – grupo de nações emergentes que inclui a China – e sediará, no final do ano, a COP 30, trigésima edição da a cimeira do clima. da ONU.
“É importante vincular a Aliança à agenda climática. Então, o fato de o Brasil estar liderando o G20, coordenando-o estreitamente com o G7, presidido pela Itália, e avançando no próximo ano para os Brics e depois para a COP 30 é um grande oportunidade de trazer também as questões climáticas para a segurança alimentar”, argumentou.
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