O presidente da Nicarágua, Daniel Ortegadeterminou nesta quarta-feira (20/11) uma ampla reforma da Constituição de seu país que concederia a ele e sua esposa, Rosario Murillo, poder absoluto sobre os três Poderes do Estado.
O governo Ortega apresentou a proposta à Assembleia Nacional com pedido de urgência, segundo reportagens da imprensa local.
Com a reforma, Rosario Murillo, atual vice-presidente do país, passaria a ser “copresidente”, nova figura que seria incorporada à Carta Magna.
O casal governista passaria a ser “coordenador” dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário —que, até agora, a Constituição coloca como independentes.
O presidente da Assembleia Nacional, Gustavo Porras, anunciou que a lei deverá ser aprovada na próxima segunda-feira (25/11).
O parlamento da Nicarágua é em grande parte controlado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), o partido de Ortega e Murillo: 75 dos 91 membros são do FSLN e os restantes normalmente não estão na oposição.
Caso as mudanças sejam implementadas, a bandeira da FSLN seria oficializada como símbolo nacional junto com a bandeira, o hino e o brasão do país.
Outra das alterações propostas permitirá a demissão de funcionários públicos que discordem dos “princípios fundamentais” do regime, prática que já ocorria de forma oficiosa, segundo observadores.
A reforma limitaria ainda mais a liberdade de expressão, condicionando-a à definição da proposta de que este direito não deve “transgredir os direitos de outra pessoa, da comunidade e os princípios de segurança, paz e bem-estar estabelecidos na Constituição”.
A reforma afetará mais de 100 artigos da atual Constituição, que o governo Ortega já alterou 12 vezes desde 2007.
Rosario Murillo assumiu a vice-presidência em 2017 e o casal renovou o mandato em 2021, durante eleições onde os principais candidatos da oposição foram suspensos ou presos.
Ortega, hoje com 79 anos, defende-se das acusações de autoritarismo ao afirmar ser alvo de perseguições políticas por parte de países como os Estados Unidos.
Para os seus apoiantes, ele continua a ser visto como um verdadeiro patriota. Chamam-no de Comandante Daniel, num misto de reverência e carinho.
Escalada autoritária e afastamento de Lula
No poder desde 2007, o governo Ortega consolidou sua virada autoritária por volta de 2018, quando ocorreram protestos contra as reformas previdenciárias anunciadas pelo governo.
A repressão foi dura, incluindo a participação de paramilitares pró-governo, segundo vários relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Em meio a esse conflito, o Brasil Raynéia Gabrielle da Costa, médica residente na capital Manágua, foi morta a tiros em julho de 2018. Um homem foi condenado pela morte dela, mas posteriormente anistiado. Segundo entrevistados pela BBC News Brasil, ele estava ligado ao regime de Ortega.
No brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu governo se distanciaram de Ortegados quais o petista foi aliado durante muitos anos.
No início de agosto, o governo Ortega expulsou o embaixador brasileiro na Nicarágua, Breno Dias da Costa — medida considerada drástica no mundo diplomático. Num movimento recíproco, o Brasil também expulsou o embaixador da Nicarágua.
Um diplomata brasileiro disse à BBC News Brasil, a título privado, que o motivo oficial da expulsão foi o facto de Costa não ter participado na festa que comemorou os 45 anos da Revolução Sandinista.
Este diplomata, no entanto, afirma que o não comparecimento de Costa foi determinado pelo Itamaraty e fazia parte da política de distanciamento que o governo brasileiro já vinha adotando em relação à Nicarágua desde 2023.
A ordem, segundo ele, era manter as relações em níveis mínimos, evitando situações que pudessem demonstrar o apoio do Brasil ao governo da Nicarágua. Assim, o embaixador foi instruído a não participar em eventos públicos de natureza política.
Uma das razões para esta posição foi o ressurgimento do regime contra a oposição e membros da Igreja Católica que criticam o governo de Ortega.
Em junho de 2023, Ao se reunir com o Papa Francisco, Lula disse que conversaria com Ortega para interceder pelo bispo de Matagalpa, Rolando José Alvarez, preso pelo governo da Nicarágua.
“Vou tentar ajudar, se puder ajudar. Nem todo mundo é grande o suficiente para pedir desculpas; a palavra é simples, mas exige grandeza”, disse Lula aos jornalistas na época.
Dom Álvarez foi condenado por um tribunal da Nicarágua por “desestabilizar o país”. Ortega, por sua vez, chamou a Igreja Católica de “ditadura perfeita”.
O bispo foi libertado em julho de 2023, após discurso de Lula, mas foi preso novamente dois dias depois. Notícias do início de 2024 afirmam que ele está exilado em Roma, no Vaticano.
Esta distância contrasta com a proximidade que Lula e Ortega cultivaram entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980, quando eram vistos como dois dos principais líderes de esquerda na América Latina.
Enquanto Lula liderou greves durante os últimos anos da ditadura militar no Brasil e participou da fundação do PT, Ortega foi um dos principais comandantes da guerrilha sandinista que derrubou a ditadura da família Somoza na Nicarágua antes de ser eleito presidente.
No poder, Lula foi o primeiro presidente brasileiro a visitar a Nicarágua, em 2007, quando Ortega já estava no poder.
Em 2010, foi a vez de Ortega ser recebido por Lula, em Brasília. Na ocasião, Lula chamou o presidente da Nicarágua de “camarada” e “amigo”.
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