Tom Jobim não acreditava nisso Você sabiauma melodia sua com letra de Chico Buarquepoderia vencer o 3º Festival Internacional da Canção, em 1968.
Ele não acreditou tanto que, dias antes da final, apostou com Vinícius de Moraes. Se ganhasse, compraria uma caixa de uísque Black Label para seu amigo e sócio. Se perdesse, Vinicius pagaria a aposta.
A grande final aconteceu no Maracanãzinho, em Rio de Janeiroem 29 de setembro de 1968. Segundo estimativas, 25 mil pessoas lotaram o ginásio.
Quando o apresentador Hilton Gomes começou a chamar ao palco os vencedores – do décimo para o primeiro lugar –, Tom se convenceu de que, na melhor das hipóteses, ficaria entre o sexto e o quarto lugar.
“Tom nunca imaginou vencer. Ele disse que Você sabia não era música para festivais”, confirma Helena Jobim, sua irmã, em livro Antônio Carlos Jobim – Um homem iluminado (Nova Fronteira).
A morte do compositor completa 30 anos neste domingo (12/8).
Tom tinha tanta certeza de que não venceria a etapa nacional do festival – e, portanto, não participaria da etapa internacional – que até marcou uma viagem ao exterior com Eumir Deodato, responsável pelo arranjo instrumental de Você sabia. Mal sabia ele que o viagem teria que ser cancelado.
Quando Hilton Gomes anunciou o quarto lugar, Tom começou a ficar apreensivo. “Agora venha Você sabia“, ele sussurrou para Dori Caymmique estava ao seu lado, nos bastidores da academia. Não veio.
“Consegui o segundo!”, esperava, confiante. Não tirei.
Quando o apresentador finalmente anunciou o grande vencedor, Tom recebeu um abraço de Dori: “Deve haver algum engano”, disse para si mesmo, baixinho.
‘A maior vaia da história do Maracanãzinho’
Tom venceu, mas por pouco. A diferença para o segundo lugar, segundo a pesquisadora Zuza Homem de Mello, autora do A era das festas – Uma parábola (Editora 34), foram apenas três pontos: 109 a 106.
O júri escolheu Você sabiamas o público preferiu Não quer dizer que não falei sobre floresde Geraldo Vandré – aquele do refrão: “Vem, vamos / que esperar é não saber / quem sabe dá tempo / não espera acontecer”.
Quando Tom subiu ao palco para receber o troféu Galo de Ouro, recebeu uma vaia “ensurdecedora” – nas palavras do jornalista Sérgio Cabral, autor do livro Antônio Carlos Jobim – Uma biografia (Lazuli Editora).
As vaias foram tão fortes que Vandré pegou o microfone e apelou ao público: “Pessoal, só um minuto. Vocês não me ajudam desrespeitando Jobim e Chico. A vida não é só festa”. Não adiantou.
Na rampa que levava ao palco, Tom quase caiu. A culpa é dos sapatos de couro envernizado. “Se eu escorregasse, as vaias seriam ainda maiores”, confessou ao repórter João Luiz Albuquerque, da extinta revista Manchete.
Após o anúncio da vitória, as irmãs Cynara e Cybele tiveram que cantar Você sabia outra vez. “As vaias começaram na primeira nota e só terminaram depois da última”, observa Cabral.
“Foi uma vaia retumbante”, descreve Homem de Mello. “Quase com raiva.”
Para Danilo Caymmi, coautor de Vagandocom Paulinho Tapajós e Edmundo Souto, o terceiro lugar foi uma sorte. “Se ganhássemos seria um caos. Qualquer música, aliás, que tirasse o primeiro lugar do Vandré seria um problema.” A música Andança foi defendida por Beth Carvalho e Golden Boys.
No recém-lançado Ouvidor do Brasil – 99 vezes Tom Jobim (Companhia das Letras), o jornalista e escritor Ruy Castro descreve as vaias do dia 29 de setembro de 1968 como “as maiores da história do Maracanãzinho”.
Autor das biografias de Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda, Ruy Castro costuma dizer que nunca escreveu a de Tom Jobim porque sua vida não teve baixos, apenas altos. Mas as vaias no Maracanãzinho não seriam um “ponto baixo” na carreira de Tom?
“Você chamaria de baixo ganhar um Festival Internacional da Canção sob vaias? Ganhar sob vaias foi uma constante na carreira de Nelson Rodrigues, e ele achou ótimo. ‘Só vaiar consagra’, disse ele”, responde.
“O maior ponto baixo na vida de Tom seria a morte de seu filho em um acidente de carro. Mas ele não estava mais aqui para ver isso.” João Francisco Lontra Jobim faleceu em 22 de julho de 1998, aos 18 anos.
‘O dia mais sombrio de sua vida’
Terminado o festival, Tom dirigiu-se ao estacionamento do Maracanãzinho. Lá, pegou seu Fusca e foi, sozinho, para a casa do amigo Raimundo Wanderley, no Leblon. “Que loucura!” ele nunca se cansava de repetir.
“O prêmio foi merecido e as vaias justificadas”, diz Dori Caymmi, uma das autoras do Dois diasem décimo lugar, que acompanhou Tom até o estacionamento.
“Merecido porque a música de Tom e Chico, dois dos nossos maiores compositores, é melhor que a de Vandré. E justificado porque grande parte do público torcia por Vandré. Ele teve muita coragem ao escrever um hino que incomodou os generais da ditadura” .
No caminho, Tom pensou no amigo e companheiro Chico Buarque, que estava na Itália: “Ei Chiquinho, olha o que você fez!”.
Ao entrar em Rebouças, túnel que liga a Zona Norte à Zona Sul, ele gritou: “Só um pouquinho”, admitiu certa vez.
Quem também caiu no choro foi Nelson Motta. De raiva, vergonha e indignação. “Naquele palco, nosso maior e mais querido compositor foi enterrado vivo por uma vaia selvagem, furiosa e absurda”, relata o autor do livro. Noites Tropicais – Solos, improvisações e memórias musicais (Harper Collins) e o show Musical Tom Jobimem exibição no Teatro Casa Grande, no Leblon, Rio.
Na terceira edição do Festival Internacional da Canção, Nelson Motta, coautor de Dois diasem parceria com Dori Caymmi, ficou em décimo lugar. A música foi interpretada por Eduardo Conde.
Paulo Jobim, filho de Tom, descreveu aquele dia como “o mais sombrio de sua vida”.
Da casa de Raimundo Wanderley, Tom seguiu para casa, na Rua Codajás, 108. Lá, o escritor Paulo Mendes Campos e o cartunista Ziraldo, dois dos jurados daquela noite, comemoraram a vitória.
No meio da festa, o telefone tocou. Do outro lado da linha, alguém pediu para falar com Fernando Sabino, um dos convidados. Minutos depois, o escritor anunciou: “Acho que a festa acabou. Sérgio Porto acaba de falecer”. Ao mesmo tempo, o anfitrião encerrou a festa.
No dia 4 de outubro de 1968, Tom Jobim e Geraldo Vandré se reencontraram. Foi na casa do empresário Roberto Marinho, no Cosme Velho. Entre outros convidados ilustres, Danilo Caymmi, Beth Carvalho, Vinícius de Moraes, Elis Regina e Milton Nascimento compareceram à recepção.
‘Eu não vou ser juiz. Não vou julgar os meus colegas
Em entrevista a O Pasquim, em novembro de 1969, Tom explicou que não pretendia participar do 3º Festival Internacional da Canção. Mudou de ideia ao receber uma ligação de Augusto Marzagão, idealizador do festival.
No total, o Festival Internacional da Canção teve sete edições: a primeira em 1966 e a última em 1972. Cada edição teve duas fases: uma nacional e uma internacional.
No telefonema, Marzagão pediu a Tom uma música para inscrever no festival. “Não tenho nada de novo. Não estou compondo. Estou tranquilo aqui no meu cantinho”, respondeu Tom. “Então você fará parte do júri”, propôs Marzagão. “Não vou ser juiz”, recusou o convite. E explicou porquê: “Não vou julgar os meus colegas”.
Entre participar do júri e enviar uma música, Tom optou pela segunda opção.
A música escolhida foi Gáveatema instrumental composto em homenagem à soprano Maria Lúcia Godoi. Foi Chico Buarque quem escreveu a letra, deu-lhes um novo título e também sugeriu os nomes de Cynara e Cybele, do Quarteto em Cy, para interpretá-la.
Juntos, Tom e Chico compuseram 13 clássicos da MPB, como Retrato em preto e branco (1968), Anos dourados (1986) e Piano na Mangueira (1993). Eles simplesmente não fizeram isso Aceno (1967) porque Chico escreveu o primeiro verso (“Eu vou te contar…”) e nunca mais ouvi falar dele.
‘Venha urgentemente. Eu preciso de você’
No dia 6 de outubro de 1968, Tom Jobim retornou ao Maracanãzinho para a etapa internacional do festival.
Com medo de ser vaiado novamente, mandou um telegrama para Chico, na Itália: “VENHA URGENTE, PRESENÇA ESSENCIAL TEMOS QUE ESTAR JUNTOS PRECISO DE VOCÊ TOM JOBIM”.
A princípio, Chico achou que fosse brincadeira de Tom. Na dúvida, ligou para seu empresário, Roberto Colossi.
“Olha, Chico, tenho duas notícias: uma boa e uma ruim”, explicou Colossi. “O bom é que Você sabia ganhou. O ruim é que ele foi vaiado. Boo!”, acrescentou. Aí, Chico entendeu o telegrama de Tom.
No mesmo dia, Chico enviou um telegrama bem humorado para Cynara e Cibele: “EU SABIA, SABIA, SABIA, OBRIGADO, ABRAÇOS, CHICO”. E, no dia seguinte, pegou o primeiro avião para o Rio. “Vamos dividir as vaias”, pensou, resignado. Do Galeão, seguiu para o Maracanãzinho.
“Os alunos interpretaram a música do Vandré como uma espécie de hino. Você sabia era vista como uma música alienada”, diz Chico Buarque em depoimento à jornalista Inahiá Castro, autora do livro The Cy Girls – Vida e música do Quarteto em Cy (Imprensa Oficial).
“Eu não tinha nenhuma intenção política com Você sabia. Embora fosse uma alusão Canção do Exílio [poema de Gonçalves Dias]. Não estava me referindo aos exilados brasileiros. Caso contrário, seria uma canção premonitória. O problema do exílio começou em 1968, com o AI-5. Eu não escrevi a letra pensando nisso.”
Desta vez não houve vaias, apenas aplausos. Além de vencer a etapa nacional, Você sabia Ganhou também o prêmio internacional no 3º Festival da Canção. Nas arquibancadas, um banner com os dizeres: “O galo já está do sabiá”.
Você sabia Foi gravada, entre outros artistas, por Frank Sinatra, Elis Regina, Nara Leão, Clara Nunes e MPB-4.
‘Como eles podem não vencer?’
No livro O campeão do público: uma autobiografia (Summus), Walter Clark admite que houve pressão de um oficial do Exército para a música Não quer dizer que não falei sobre flores não fique em primeiro lugar.
A “recomendação” teria partido, segundo Clark, do general Sizeno Sarmento. Segundo um assessor de um oficial, ambos Não quer dizer que não falei sobre florespor Geraldo Vandré, como América, Américade César Roldão Vieira, não conseguiu vencer o festival devido ao seu conteúdo subversivo.
“Como eles podem não vencer?” Clark argumentou. “Como vou ao júri e dizer que essas músicas não podem vencer porque o general me mandou?” “Esse é o seu problema!”, ele simplesmente respondeu. “Músicas não podem vencer.” E desligou.
Autor da biografia Geraldo Vandré: Uma música interrompida (Kuarup), Vitor Nuzzi entrevistou seis dos 13 jurados daquela edição do festival: a atriz Bibi Ferreira, o cartunista Ziraldo, o pesquisador Ricardo Cravo Albin, o maestro Isaac Karabtchevsky, o jornalista Eli Halfoun e o compositor Billy Blanco. Nenhum deles disse ter recebido orientação ou pressão para não votar em Vandré.
“Acredito que sim, que houve pressão ‘lá em cima’, mas não chegou ao júri”, diz Nuzzi.
“A vitória de Você sabia Não foi injusto. Chico e Tom formaram uma parceria memorável. Já Vandré se imortalizou naquele festival. Mesmo não tendo vencido, sua música conquistou o público. Acredito que, se houvesse votação popular, ele venceria”, completa.
A música Não quer dizer que não falei sobre flores foi censurado em 23 de outubro de 1968 e só foi divulgado, onze anos depois, em 15 de novembro de 1979. “Para o governo militar, Vandré tornou-se um inimigo a ser silenciado”, diz Dalva Silveira, doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autora do livro Geraldo Vandré – A vida não se limita às festas (Traço Fino).
“Em dezembro de 1968, a polícia invadiu seu apartamento no Rio. Ele estava em turnê por Goiás quando soube do AI-5. sua carreira.”
como fazer emprestimo consignado auxilio brasil
whatsapp apk blue
simular site
consignado auxilio
empréstimo rapidos
consignado simulador
b blue
simulador credito consignado
simulado brb
picpay agência 0001 endereço