O futuro da Síria, com a tomada do poder pelos rebeldes, ainda é incerto e absolutamente rodeado de incógnitas. É o que afirmam os especialistas ouvidos pelo Correspondência sobre o fim do governo de Bashar al-Assad e o domínio do grupo radical islâmico. Para eles, é preciso esperar para ver quem apoiará os jihadistas, já que nenhum líder se pronunciou a favor dos combatentes, e se o ex-ditador se limitará realmente ao exílio ou tentará regressar ao poder.
“É preciso observar atentamente os acontecimentos para verificar quem realmente apoiou a tomada do poder pelos rebeldes e quem continuará com Assad. Dizer que a queda dele é positiva não significa que esteja apoiando quem assumiu, é mais uma discurso interno do que externo”, disse o professor Rafael Pinto Duarte, de relações internacionais da Iesb. “Afinal, quem será realmente o líder desse movimento?”, questionou.
Para Walter Parente, CEO do BMJ, a saída de Assad e o domínio dos rebeldes foram influenciados por líderes estrangeiros e foram objeto de intensa negociação, pois tudo foi rápido e sem resistência. Em uma semana, o grupo ocupou as principais cidades e sitiou Damasco. “A impressão é que tudo foi acertado, mas só saberemos nos próximos dias, afinal a burocracia síria foi mantida, não houve ocupação de prédios públicos exceto a residência do presidente, que tem algo simbólico ali”, disse. disse.Tanto Pinto Duarte como Parente estão convencidos de que a aura de incerteza continua no Médio Oriente, que também está ocupado por outras situações conturbadas, como no Egipto, na Líbia, no Iémen e na Jordânia, para além do que está a acontecer em Israel e no Tira Gaza. “A questão que se coloca é: ‘quem está interessado na instabilidade da região’?” perguntou Parente. “Os líderes internacionais estão certamente a olhar para esta questão.”
Pinto Duarte disse que é preciso observar atentamente as “peças do jogo” por causa dos próprios interesses. a Rússia, que concedeu asilo a Assad; a Turquia, que é um ator importante na região; e Qatar, onde ocorreram negociações nos últimos meses. “É muito precipitado falar agora sobre o que vai acontecer. Nada é improvisado entre líderes estrangeiros. Tudo é pesado e examinado.”
Comunidade internacional em alerta
A comunidade internacional acompanha atentamente o fim da era Assad e a tomada do poder pelos rebeldes na Síria. Uma série de reuniões foram convocadas ontem nos Estados Unidos pelo presidente Joe Biden e, também na União Europeia, por Kaja Kallas, chefe da delegação. Rússia, China e Irão também estão atentos ao movimento. Houve celebração por parte dos europeus e israelitas, e cautela por parte de antigos aliados, como os iranianos e os chineses.
Falando ontem, Biden disse: “O regime de Assad finalmente caiu. Este regime brutalizou, torturou e matou literalmente centenas de milhares de sírios inocentes. A queda deste regime é um ato de justiça. É um momento histórico de oportunidade para o povo da Síria, para que possam ver o futuro do seu país, e este é também um momento de risco e incerteza.”
Para o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, a queda foi causada pelo fim do apoio da Rússia. “Assad se foi”, escreveu o republicano em sua plataforma Truth Social. “Seu protetor, a Rússia, liderado por Vladimir Putin, não estava mais interessado em protegê-lo.”
Para o governo chinês, a expectativa é de retorno à estabilidade. “(Nós) acompanhamos de perto o desenvolvimento da situação na Síria e esperamos que a Síria retorne à estabilidade o mais rápido possível”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores em comunicado.
Riscos
A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, alerta para o risco de mais radicalismo: “Agora o país não deve cair nas mãos de outros radicais, seja qual for a forma que assumam. (Devemos garantir) proteção total para minorias étnicas e religiosas, como curdos, alauitas ou cristãos”.
Diplomatas do Irã, aliado de Assad, teriam abandonado a embaixada em Damasco antes que a embaixada fosse atacada ontem por “indivíduos desconhecidos”, informou a televisão estatal iraniana. No sábado, o ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araqchi, exigiu um “diálogo político” entre o governo sírio e grupos de oposição.
O governo dos Emirados Árabes Unidos pediu aos sírios que colaborassem para evitar uma espiral de caos. “Esperamos que os sírios trabalhem juntos, que não vejamos outro episódio de caos iminente”, disse o conselheiro presidencial Anwar Gargash.
Expectativas
A chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, comemorou a queda de Assad: “O fim da ditadura de Assad é um acontecimento positivo e há muito esperado. Também mostra a fragilidade dos patrocinadores de Assad, a Rússia e o Irão”. O ministro das Relações Exteriores turco, Hakan Fidan, disse que a queda do regime de Assad não foi repentina.
“Isto não aconteceu numa noite. Nos últimos 13 anos, o país mergulhou no caos”, disse Fidan. Para o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, o fim do governo representa um “dia histórico no (…) Médio Oriente” e a queda de um “elo central no eixo do mal” dirigido pelo Irão.
Comemorando o fim do regime de Assad, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, Christophe Lemoine, apelou aos sírios para “rejeitarem qualquer forma de extremismo”.
“O regime (de Bashar al-Assad) nunca parou de colocar os sírios uns contra os outros, e a Síria está fraturada e fragmentada, chegou a hora da unidade”, enfatizou, apelando a uma transição política pacífica.
Para os enviados da Organização das Nações Unidas (ONU), o momento de mudança deve ser avaliado como um momento de “esperança cautelosa”.
“Aguardamos, com esperança cautelosa, o início de um novo (capítulo): um de paz, reconciliação, dignidade e inclusão para todos os sírios”, disse o emissário Geir Pedersen.
O Brasil vê isso com preocupação
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do Itamaraty, acompanha a situação na Síria “com preocupação”. Por meio de nota oficial, o Itamaraty recomenda que os brasileiros que lá estiverem deixem o país por conta própria. A estimativa é que existam cerca de 3,5 mil brasileiros morando em território sírio, a maioria deles nascidos lá. Não há informações sobre brasileiros entre as vítimas.
O Itamaraty informou que está monitorando a escalada de violência na Síria e orientando os brasileiros residentes no país a entrarem em contato com a Embaixada do Brasil em Damasco.
“O Itamaraty insta todos os nacionais do país a buscarem sair da Síria”, diz a nota. O Itamaraty disponibilizou um telefone de emergência e recomendou aos brasileiros que consultassem o portal consular, com alertas e atualizações sobre a situação do país do Oriente Médio.
Em caso de emergência, o telefone de plantão da Embaixada em Damasco é: 963 933 213 438. O atendimento consular do Itamaraty também permanece disponível pelo telefone 55 61 98260-0610 (inclusive WhatsApp). O embaixador do Brasil em Damasco é André Luiz de Azevedo Santos. Ele e sua equipe seguem de plantão na representação brasileira.
Nota completa
“O governo brasileiro monitora, com preocupação, a escalada das hostilidades na Síria. Insta todas as partes envolvidas a exercerem a máxima contenção e garantirem a integridade da população civil e da infraestrutura.
O Brasil reitera a necessidade do pleno respeito ao direito internacional, incluindo o direito humanitário internacional, bem como à unidade territorial síria e às resoluções pertinentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Brasil apoia os esforços para uma solução política e negociada para o conflito na Síria, que respeite a soberania e a integridade territorial do país.
O Itamaraty, por meio da Embaixada em Damasco, continua acompanhando a situação dos brasileiros na Síria. Não há registo de nacionais entre as vítimas das hostilidades. O Itamaraty insta todos os cidadãos do país a procurarem sair da Síria. Recomenda-se também que os brasileiros consultem o alerta atualizado disponível no portal consular.”
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