Um grupo extremamente organizado, com tarefas bem definidas e estruturado em pelo menos seis grupos.
Era assim que funcionava, segundo a Polícia Federal (PF), a organização criminosa da qual o ex-presidente fazia parte. Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas, incluindo o general da reserva Walter Braga Netto, preso neste sábado (14/12).
Segundo a Polícia Federal, o grupo planejava dar uma golpe de estado depois da derrota em Eleições presidenciais de 2022quando Bolsonaro perdeu para o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Braga Nettocandidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022 e ministro da Casa Civil e Defesa do ex-presidente, foi um dos indiciados em novembro no inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder.
Braga Netto nega as acusações contra ele na investigação. A BBC News Brasil tentou contato com a defesa do general após a notícia de sua prisão neste sábado, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Em suas investigações, a PF apontou a “participação concreta” de Braga Netto na tentativa de golpe.
O general reformado é um dos personagens mais citados no relatório de 884 páginas da Operação Contragolpe. O soldado foi citado 98 vezes.
O ex-ministro da Defesa teria chefiado, com Augusto Heleno, um suposto gabinete de crise que seria instaurado após a execução do plano para a realização de novas eleições. Ele também teria participado da elaboração dos planos golpistas e até realizado uma reunião sobre o tema em sua residência em Brasília.
Segundo a reportagem, Braga Netto aprovou o planejamento operacional do golpe em reunião realizada em sua casa no dia 12 de novembro de 2022.
A reunião contou com a presença de militares como o tenente-coronel do Exército e o então ajudante de campo de Bolsonaro, Mauro Cid.
Braga Netto e o general Augusto Heleno chefiariam um gabinete ligado à Presidência da República para apoiar Bolsonaro na implementação de um decreto golpista após a consumação do golpe.
O papel do escritório seria articular redes de inteligência e estratégias de comunicação para obter apoio nacional e internacional.
O documento afirma ainda que, em dezembro de 2022, Braga Netto teria participado de uma ofensiva para pressionar comandantes da Aeronáutica e do Exército a aderirem ao plano.
A prisão preventiva do general Braga Netto neste sábado foi determinada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Segundo a decisão, que teve seu sigilo revogado, o ex-ministro teria tentado obter dados sigilosos dos depoimentos prestados à Polícia Federal “com o objetivo de obstruir as investigações”.
Os seis núcleos
O grupo foi indiciado em novembro pela Polícia Federal e o sigilo da denúncia foi derrubado pouco depois. O documento detalhou a preparação e as intenções dos grupos que, segundo a PF, agiram para um golpe de Estado.
A acusação é a fase em que o Polícia Federal encaminha resultados de suas investigações à Justiçano caso de Supremo Tribunal Federal (STF).
O relatório foi enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), que pode solicitar novas informações ou decidir se denuncia ou não os indiciados. Após a apresentação da denúncia, caberá ao STF decidir se a aceita ou não. Se as acusações forem aceitas, Bolsonaro e os demais passarão a ser réus.
Ainda segundo a PF, “os investigados foram estruturados por meio de divisão de tarefas, o que permitiu a individualização da conduta”.
A estrutura da organização foi dividida em seis núcleos:
- Centro de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;
- Centro de Incitação Militar;
- Centro Jurídico;
- Centro Operacional de Apoio a Ações Golpistas;
- Centro de Inteligência Paralela;
- Centro de Oficiais de Alto Nível e Apoio (anteriormente conhecido como Centro de Cumprimento de Medidas Coercitivas).
O grupo foi indiciado por três crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de estado e organização criminosa. As penas variam de três a 12 anos de prisão.
A BBC News Brasil analisou documentos divulgados anteriormente relativos à investigação e aos programas, com base em reportagens divulgadas ao longo de 2023 e 2024, quais grupos foram identificados e quem fazia parte deles.
Houve alterações na nomenclatura de alguns deles, mas a estrutura é bastante semelhante à identificada no início do ano.
Como os documentos analisados são do início do ano e na época Bolsonaro ainda não havia sido indiciado, a estrutura abaixo ainda não indica qual seria o papel de Bolsonaro na organização.
O retrato da organização abaixo é baseado na Operação Tempus Veriatis, de fevereiro deste ano.
Confira como funcionou e quem fez parte de cada núcleo, segundo a PF. E aqui, veja como o acusado falou sobre o caso até agora.
Desinformação e Ataques ao Centro do Sistema Eleitoral
Segundo a Polícia Federal, a função desse núcleo era produzir, difundir e amplificar notícias falsas sobre a lisura das eleições presidenciais de 2022 com o objetivo de incentivar os seguidores a permanecerem em frente aos quartéis e instalações militares para criar um ambiente “propício à o Golpe de Estado”.
Segundo a PF, os integrantes desse núcleo eram: o tenente-coronel do Exército e depois o ajudante de campo de Bolsonaro Mauro Cido então ministro da Justiça Anderson Torres, Ângelo Martins Denicoli, Fernando Cerimedo, Eder Lindsay Magalhães Balbino, Hélio Ferreira Lima, Guilherme Marques Almeida, Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros e o ex-assessor de Bolsonaro Tércio Arnaud Tomaz.
Colocar em dúvida o processo eleitoral parecia ser uma estratégia fundamental para manter os activistas mobilizados.
Desde que assumiram o poder, Bolsonaro e seu grupo criticaram a suposta vulnerabilidade das urnas eletrônicas sem provas e chegaram a propor a adoção do voto impresso.
Um dos destaques dessa estratégia foi a convocação de uma reunião entre Bolsonaro e embaixadores de países estrangeiros em que o então presidente voltou a lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral do país.
Por causa desse encontro, Bolsonaro acabou sendo condenado por suposto abuso de poder político em um caso que tramitava no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Desse grupo, todos, exceto Eder Lindsay Magalhães Balbino, foram indiciados.
Centro de Incitamento Militar
A PF diz que esse núcleo tinha a função de escolher alvos para amplificar ataques pessoais contra militares em cargos de comando que resistissem aos supostos planos golpistas.
Esses ataques, segundo a PF, foram realizados por meio da divulgação de conteúdos que pressionavam militares hesitantes ou contrários ao suposto plano golpista.
Ainda segundo a PF, os integrantes desse núcleo eram: o general da reserva e ex-ministro da Casa Civil Walter Souza Braga Nettojornalista Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, Ailton Gonçalves Moraes Barros, Bernardo Romão Correa Neto e Mauro Cid.
Um exemplo destacado pelas investigações da Polícia Federal ocorreu após as eleições de 2022, quando o jornalista Paulo Figueiredo teria recebido informações de outros integrantes do núcleo com nomes de policiais que resistiam em aderir ao suposto golpe.
Após receber essa informação, Figueiredo teria divulgado os nomes desses militares em um programa de rádio.
Os integrantes desse grupo identificados pela PF foram indiciados.
Centro Jurídico
O chamado “núcleo jurídico” era responsável, segundo a PF, pela elaboração de decretos com fundamentação supostamente legal para atender aos interesses do grupo.
Este teria sido, segundo as investigações, o núcleo responsável pela elaboração do chamado “projeto golpista”, documento cuja minuta foi encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e que previa a decretação de medidas excepcionais como o Estado de Sítio como forma de evitar a transferência do poder ao então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo as investigações, os integrantes desse grupo eram: Filipe Garcia Martins Pereira, ex-assessor de relações internacionais de Jair Bolsonaro, Anderson Torres, Amauri Feres Saad, José Eduardo de Oliveira e Silva e Mauro Cid.
Todos os membros deste grupo foram indiciados.
Centro Operacional de Apoio a Ações Golpistas
Investigadores da PF afirmam que esse grupo realizou e participou de reuniões para planejar e executar ações destinadas a manter manifestações em frente ao quartel. Isto incluiria a mobilização, organização logística e financiamento de soldados das forças especiais em Brasília.
Este núcleo foi considerado estratégico uma vez que a manutenção das manifestações em frente ao quartel após a vitória de Lula foi vista como elemento de pressão para que outros militares e setores da sociedade aderissem à suposta trama golpista.
Os integrantes do grupo, segundo a PF, eram: Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, Bernardo Romão Correa Neto, Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Alex de Araújo Rodrigues e Cleverson Ney Magalhães.
Desse grupo, Alex de Araújo Rodrigues não foi indiciado.
Núcleo de Inteligência Paralela
Segundo as investigações, esse núcleo era responsável por auxiliar a tomada de decisões do então presidente Jair Bolsonaro em relação ao plano golpista.
O grupo acompanhava os itinerários, movimentos e localização do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que na época presidia o TSE, além de outras autoridades.
Um dos objetivos do grupo seria capturar Moraes e outras figuras políticas contrárias à ruptura democrática assim que Bolsonaro assinasse um decreto que viabilizasse o golpe de Estado.
Segundo a PF, os integrantes desse grupo eram: Augusto Heleno, Marcelo Câmara, ex-ajudante de campo de Bolsonaro, e Mauro Cid.
O grupo desenvolveu, segundo a Polícia Federal, “diversas ações clandestinas, utilizando, ilicitamente, órgãos do Estado brasileiro, com o propósito de consumar o golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro no poder”.
Unidade de Alto Nível e Oficiais de Apoio
Era formada por militares de alta patente com o objetivo de influenciar e incitar o apoio aos demais grupos, endossando as ações que estavam sendo tomadas para consumar o suposto golpe de Estado.
Segundo a PF, os integrantes desse núcleo eram: Walter Souza Braga Netto, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o general da reserva Mário Fernandes, o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, Laércio Vergílio e o ex-ministro da Defesa e general da reserva Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Ainda segundo as investigações, coube a este núcleo dar apoio e executar ações como o sequestro do ministro Alexandre de Moraes. A tarefa ficaria a cargo das Forças Especiais do Exército, os chamados “meninos negros”, que na época estavam subordinados ao General Teófilo.
Segundo relatório da Polícia Federal, o general da reserva Mário Fernandes é citado por Mauro Cid como “um dos mais radicais e foi apontado como uma das pessoas utilizadas para tentar convencer o então Comandante do Comando de Operações Especiais (CopEsp) de General Carlos Alberto Rodrigues Pimentel aderindo ao Golpe de Estado”.
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