Giuseppe Garibaldi (1807-1882) juntou-se ao história como um dos grandes heróis da unificação Itália.
Mas o país europeu não é o único a idolatrá-lo. O Brasil e o Uruguaia milhares de quilômetros de distância, também o homenageiam por sua participação proeminente em conflitos locais no século XIX.
Romancista francês Alexandre Dumas, Sr. (1802-1870), autor de Memórias de Garibaldi (Ed. L&PM, 2000), criou um título para os italianos que ficou famoso: “herói do Velho e do Novo Mundo”, por suas ações nos dois lados do Atlântico.
Curiosamente, Garibaldi buscou a unificação da Itália. Mas na América do Sul, lutou pela fragmentação das antigas colónias europeias.
Como um dos maiores personagens da história italiana acabou tendo papel fundamental nas primeiras décadas de independência do Brasil e do Uruguai?
Quem foi Garibaldi
Giuseppe Garibaldi nasceu em 1807, na cidade de Nice, hoje parte da França. Na época pertencia ao Reino da Sardenha.
A Itália era então composta por vários estados, governados pelas grandes dinastias da época, como as Casas de Sabóia, Habsburgo e Bourbon.
A família de Garibaldi era formada por marinheiros de Gênova – na época, principal porto do Reino da Sardenha. Por isso, Giuseppe começou a trabalhar, desde muito jovem, em navios mercantes que atravessavam o Mediterrâneo e o Mar Negro.
Foi nestas viagens que tomou contacto com as ideias políticas reformistas que inflamaram a Europa do século XIX.
E, com apenas 25 anos, em 1832, foi nomeado capitão do navio Clorinda, regressando a Génova após uma ausência de mais de cinco anos.
Lá, ingressou no grupo La Giovine Italia (“Jovem Itália”) – sociedade secreta criada para promover a unificação do país, fundada por outro patriota genovês, Giuseppe Mazzini (1805-1872).
Garibaldi participou de uma tentativa de insurreição em Gênova. Obteve o cargo de capitão da Marinha do Reino da Sardenha, mas sua expedição fracassou e ele foi forçado a fugir.
Condenado à morte, navegou pelo Mediterrâneo com nome falso até 1836, quando decidiu exilar-se na América do Sul. Em seguida, partiu para o Rio de Janeiro.
Pirata no Brasil
Giuseppe Garibaldi radicou-se no Rio Grande do Sul, onde começou a vender massas.
Lá também consolidou sua formação política, entrando em contato com outros italianos, dissidentes da Jovem Itália. Ele se tornaria presidente da filial da organização no continente americano.
Garibaldi também fez parte da loja maçônica Asilo da Virtude. Foi assim que conheceu o político e militar Bento Gonçalves da Silva (1788-1847), que desejava a independência gaúcha do império brasileiro.
Garibaldi entrou na luta e participou da Revolução Farroupilha, também conhecida como Guerra dos Farrapos (1835-1845).
Numa carta a um amigo em 1837, Garibaldi disse que estava “cansado de se arrastar por uma existência inútil”. Obteve autorização para navegar em Bento Gonçalves e comandou sua frota de guerra contra a Marinha do Brasil.
“A colaboração de Garibaldi foi fundamental sob dois pontos de vista”, explica a historiadora Maria Medianeira Padoin, professora da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
“Por um lado, ofereceu seu conhecimento militar, empregando táticas eficazes de combate aquático, tanto no mar quanto nos rios, contribuindo para a formação de estaleiros militares na região”.
“Por outro lado”, continua o professor, graças à “sua personalidade carismática, difundiu os seus ideais de igualdade e de luta pela liberdade”.
Tortura e amor
Durante os quatro anos em que lutou na Revolução Farroupilha, Garibaldi foi capturado e torturado. Sofreu um naufrágio e conheceu quem seria o amor da sua vida: Ana Maria Ribeiro da Silva – Anita Garibaldi (1821-1849).
“A história dos meus bisavós foi muito romântica”, diz a historiadora Annita Garibaldi Jallet, presidente da Associação Nacional dos Veteranos Garibaldino, com sede em Roma, Itália.
O pirata italiano conheceu Anita em Santa Catarina, durante o ataque para tomar a cidade portuária de Laguna, no sul da província. A Tomada de Laguna foi fundamental para a criação da República Catarinense ou Juliana, que se uniria em confederação com a República Rio-Grandense.
Anita tinha então 18 anos e era casada, mas se apaixonou por Garibaldi. Abandonou o marido, passou a usar roupas masculinas para andar a cavalo e lutou ao lado de Garibaldi em todas as campanhas militares em terras brasileiras.
Casaram-se em 1842 e tiveram quatro filhos: Menotti, Rosita (falecida aos dois anos), Teresita e Ricciotti – avô de Annita Garibaldi Jallet.
A Grande Guerra no Uruguai
Perto de 1841, Giuseppe Garibaldi abandonou os combates no Brasil, que terminariam em 1845, com a dissolução da República Rio-Grandense.
Começou a morar em Montevidéu, Uruguai, onde existia uma grande comunidade de exilados e imigrantes italianos.
Mas seu descanso dos campos de batalha durou pouco. O Uruguai também enfrentava um conflito armado, a chamada Grande Guerra (1839-1851).
De um lado estavam os brancos, liderados pelo presidente uruguaio Manuel Oribe (1792-1857). Teve o apoio dos federalistas argentinos, liderados pelo caudilho Juan Manuel de Rosas (1793-1877). De outro, estava o governo colorado instalado em Montevidéu, sob o comando do general Fructuoso Rivera (1789-1854).
A Grande Guerra foi um conflito que transcendeu ambas as facções. Brasil, França e Império Britânico também intervieram no confronto.
Garibaldi aliou-se a Rivera e criou a Legião Italiana. Sob sua liderança, o grupo conquistou vitórias em Colônia do Sacramento, Gualeguaychú, na defesa de Montevidéu e na batalha de San Antonio, no departamento uruguaio de Salto.
Mas, “como se tratava de uma guerra civil, Garibaldi foi considerado durante muito tempo um herói do Partido Colorado e, só mais tarde, de toda a nação”, explica Mario Etchechury, especialista do Centro de Pesquisas Sociais e Históricas Regionais (ISHIR). , na sigla espanhola) de Rosário, Argentina.
“O primeiro monumento autorizado em Montevidéu, ao lado do herói nacional José Artigas (1764-1850), foi o de Garibaldi”, continua Etchechury.
Para ele, isso “se justifica, por um lado, pela sua importância e, por outro, porque, naquele ano, o país era governado pelo mesmo Partido Colorado que, até hoje, guarda um retrato do italiano no sua sede.”
Além da coragem no combate, a Legião Italiana caracterizou-se por um elemento que rapidamente invadiria o imaginário popular como símbolo de bravura e dedicação às causas patrióticas: as suas camisas vermelhas.
Vários historiadores indicam que o emblema característico das tropas de Garibaldi provavelmente se deveu a um carregamento de tecidos vermelhos destinado aos trabalhadores das charqueadas de Montevidéu. O general italiano comprou a baixo custo os tecidos para vestir os seus soldados.
“Da experiência na América do Sul, Garibaldi certamente tirou a consciência de ser um comandante carismático e as técnicas de guerrilha que empregaria com eficiência nas batalhas em solo italiano nos anos seguintes”, explica Medianeira Padoin.
Mas a formação de Garibaldi no chamado Novo Mundo não foi apenas política e militar. Ele conta, em suas memórias, como se encantou pelas imensas planícies dos Pampas e pelo modo de vida livre e independente dos gaúchos.
Possivelmente observou nas pessoas da região a encarnação de suas ideias de liberdade popular. A sua resiliência, coragem e frugalidade serviram de inspiração para as campanhas militares de Garibaldi na Itália.
Foi nesta altura que, ao lado do seu emblemático uniforme, nasceu o mito do “herói de dois mundos”. E a fama de Garibaldi também começou a se espalhar pela Europa.
A chegada, em 1846, de um novo papa, Pio IX (1792-1878), trouxe a proclamação da anistia para o retorno dos exilados italianos ao seu país.
Com isso, Garibaldi deixou a América do Sul em 1848. Ele, sua família e alguns companheiros lutadores da América foram enfrentar a prolongada luta pela unificação da Itália, que o consagraria como um dos maiores heróis românticos do século XIX.
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