Em julho de 1981, o então governador de São Paulo, Paulo Maluf, inaugurou uma rodovia no interior do Estado com uma homenagem a “um dos artesãos da articulação revolucionária de 1964”, “grande instrutor de estratégia e tática geral”.
O homenageado foi o general Milton Tavares de Souza, falecido no mês anterior e que acabou dando nome à rodovia SP-332, que liga Campinas a Conchal, a 170 quilômetros da capital.
Conhecido como Caveirinha, o general foi chefe do Centro de Informações do Exército (CIE) entre novembro de 1969 e março de 1974, durante a ditadura militar. E, segundo relatório do Instituto Vladimir Herzog, sob seu comando, ocorreram “desaparecimentos forçados e ocultação de corpos dos últimos guerrilheiros capturados”.
A atuação do general, que liderou a Operação Marajoara, que resultou no extermínio da Guerrilha do Araguaia, “simboliza a repressão brutal e o silenciamento dos dissidentes políticos”, diz o relatório.
Sua história no quartel, porém, é anterior à ditadura. Os militares, como lembrou Paulo Maluf em seu decreto, “participaram da repressão à tentativa comunista” na década de 1930.
A estrada que leva o nome do general permaneceu assim por quase 30 anos. Em 2010, uma lei que questionava a referência a um violador de direitos humanos numa via pública mudou o destino da estrada. E assim, passou a se chamar Zeferino Vaz, em homenagem ao médico e um dos fundadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ligada à capital por rodovia.
Essa foi a primeira de uma série de derrotas em homenagens póstumas ao soldado. Mas agora, por ordem judicial, a quarta placa com o nome do general pode ser retirada dos equipamentos públicos de São Paulo.
Na semana passada, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a mudança de nome de onze vias e equipamentos públicos da cidade de São Paulo que fazem alusão à ditadura militar. Em caráter liminar, a decisão obriga a Prefeitura a apresentar, no prazo de sessenta dias, cronograma para mudança de nomes.
A Procuradoria-Geral da República de São Paulo afirmou, por meio de nota à BBC News Brasil, notificada nesta terça-feira (17/12), e destacou que “para que haja alteração no nome de vias e logradouros, é necessária a aprovação de uma lei na Câmara Municipal”.
No despacho, o desembargador Luis Manuel Fonseca Pires, do 3.º Tribunal da Fazenda Pública, afirma que “há mais de dez anos que o Poder Público municipal se cala relativamente ao início da renomeação destes espaços públicos”.
A ação foi ajuizada pelo Instituto Wladimir Herzog (IVH) e pela Defensoria Pública da União, amparada pela lei 15.717 de 2013. A legislação passou a permitir a alteração dos nomes de ruas da cidade que se refiram à “autoridade que cometeu crime contra a humanidade ou graves violações de direitos”. humanos.”
Além da legislação, somaram-se os esforços do programa Ruas de Memórias, implementado por meio de um decreto da Prefeitura em 2016 que prevê a mudança gradual de nomes de vias e logradouros que homenageiam violadores de direitos humanos durante a ditadura militar.
Em conjunto com a Comissão Memória e Verdade da Prefeitura, foram mapeados 38 logradouros que homenageiam pessoas ligadas à ditadura.
O primeiro nome que saiu das marcas da cidade impulsionada pelo programa implementado pelo então prefeito Fernando Haddad (PT) foi Elevado Costa e Silva, que mudou para Presidente João Goulart em 2016.
Para Rogério Sotilli, diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, esta decisão judicial é uma vitória que “representa e reafirma o compromisso com a construção de uma sociedade que reconheça seu passado de violência e valorize os princípios de uma democracia que foi conquistada em nome daqueles que perderam suas vidas para que pudéssemos estar aqui hoje.”
“Este passo, além de uma ação de promoção dos direitos humanos, consolida o momento de oportunidade que se apresenta ao nosso país: o de não repetirmos os mesmos erros que nos levaram a inúmeros casos recentes de ataques à democracia e à perpetuação de uma cultura de violência.
Os outros caminhos do general
Na orla do Tietê, uma das principais vias que cortam São Paulo, o viaduto General Milton Tavares de Souza foi assim chamado até 2012, quando passou a ser Viaduto Desembargador Domingos Franciulli Netto.
A mudança foi promovida por meio de uma lei apresentada em 2006 pelo então prefeito José Serra, mas só aprovada seis anos depois.
Cinco anos depois, em 2017, dentro do programa Ruas de Memória, a praça General Milton Tavares, na Vila Maria, não tinha mais esse nome, derrubando a terceira placa de uma via pública com o nome do general.
No lugar dos militares, foi Paulo Sella Neto (Tin Tin), um skatista que morava no bairro e morreu jovem, aos 19 anos.
O quarto equipamento público que leva o nome do general que pode estar com os dias contados é o Centro Desportivo Caveirinha, na zona sul da cidade.
A ação movida pelo Instituto Vladimir Herzog, que pede a mudança de nome, afirma que as ações de Caveirinha “simbolizam a repressão brutal e o silenciamento de dissidentes políticos”.
Outros nomes também foram alterados nos últimos anos.
Em 2018, o viaduto 31 de Março, então referência ao dia do golpe militar de 1964, passou a ser Therezinha Zerbini, em homenagem à advogada e ativista de direitos humanos e fundadora e líder do Movimento de Mulheres pela Anistia.
Em 2021, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a mudança de nome da rua Doutor Sérgio Fleury, na Vila Leopoldina, para Frei Tito. Fleury foi delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo durante a ditadura.
Frei Tito era membro da Juventude Estudantil Católica, e preso no congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1968. Fleury é apontado como um dos torturadores do frade católico.
Do crematório à Marginal
Além do Centro Esportivo Caverinha, os equipamentos e vias que deverão ter suas denominações alteradas por determinação do Tribunal são os seguintes:
Marginal Tietê – A imensa avenida que margeia o rio e liga a zona Norte ao centro de São Paulo é chamada, em um de seus trechos, de Presidente Castelo Branco.
Marechal do Exército e um dos líderes do golpe de Estado de 1964 que instalou a Ditadura Militar, Castelo Branco foi presidente entre 1964 e 1967. Foi responsável pela criação do Serviço Nacional de Informações (SNI), que apoiou a perseguição política , tortura e execuções durante o período.
Ponte das Bandeiras – Em 2017, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a alteração do nome da Ponte das Bandeiras para Ponte das Bandeiras Senador Romeu Tuma.
Assim, a estrada passou a homenagear o ex-senador e ex-diretor do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão de repressão política durante a Ditadura Militar.
A lei, proposta pelo então vereador Eduardo Tuma, sobrinho do ex-senador, foi promulgada apesar das críticas do Ministério Público e de entidades de defesa dos direitos humanos.
Rua Alberi Vieira dos Santos – De acordo com a ação movida pelo Instituto Vladimir Herzog, Alberi foi sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e colaborador do Centro de Informações do Exército (CIE) durante a ditadura.
A ação diz que Alberi teve “participação na armação de emboscadas e massacres” daqueles que se opunham à ditadura, “em prisões ilegais, execuções, desaparecimentos forçados de pessoas e ocultação de corpos”.
O Instituto Vladimir Herzog afirma ainda que o militar participou do Massacre do Parque Nacional do Iguaçu, no qual Onofre Pinto, Daniel José de Carvalho, Joel José de Carvalho, José Lavecchia, Victor Carlos Ramos e Enrique Ernesto Ruggia foram vítimas de desaparecimento forçado. Segundo o Decreto que dá nome à rua, Alberi foi assassinado em circunstâncias misteriosas em 1979, na região de Foz do Iguaçu.
Rua Dr. Mário Santalucia – Médico Legista do Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo (IML/SP). Ele participou do caso de emissão de laudo de autópsia fraudulento.
Praça Augusto Rademaker Grunewald – Almirante, foi Ministro da Aeronáutica e vice-presidente entre 1969 e 1974, durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, período mais intenso de repressão, censura e cassação de direitos civis e políticos.
Rua Délio Jardim de Matos – O militar foi ministro da Aeronáutica entre 1979 e 1984, e, segundo a ação, “um dos principais organizadores do movimento que promoveu o golpe de estado de 1964”. Durante o governo Castelo Branco (1964-1967), integrou o gabinete militar da Presidência da República.
Avenida General Enio Pimentel da Silveira – O general foi comandante da 1ª Companhia da Polícia do Exército, na Vila Militar do Rio de Janeiro, de maio de 1968 a julho de 1971.
Serviu no Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do 1º Exército de abril de 1972 a junho de 1974.
Segundo a ação, Silveira “tinha participação comprovada em casos de tortura, execução e desaparecimento forçado”.
Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior – Delegado de Polícia, atuou no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS/SP) e posteriormente no Destacamento de Operações de Informação-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).
Ele foi morto em 1973 por militantes que resistiam à ditadura.
Rua Trinta e Um de Março – Aclamado pelos apoiadores do Golpe de 1964 como o dia da deposição do presidente João Goulart, instaurou o regime ditatorial que durou 21 anos no país, responsável por perseguições, torturas, execuções e outras violações de direitos humanos.
Crematório Municipal Vila Alpina – Inaugurado em 1974, o crematório, localizado na zona Leste, foi renomeado em 1988 em homenagem a Jayme Augusto Lopes, então diretor do Serviço Funerário de São Paulo.
Segundo a ação, Lopes era “uma figura polêmica, cujo legado está intimamente ligado ao uso de cemitérios públicos para desaparecimentos forçados durante a ditadura militar”.
Segundo depoimentos colhidos pela CPI de Perus e documentados pelo Ministério Público Federal, os corpos exumados foram enterrados clandestinamente na vala de Perus, no período em que Lopes chefiou o Departamento de Cemitérios.
A ação afirma que, durante a sua gestão, Lopes viajou para a Europa para estudar sistemas de cremação, numa época que coincidiu com o auge das práticas de desaparecimento forçado.
A recomendação do pedido é que o local seja reidentificado como “Crematório Municipal de Vila Alpina”, “nome que reflete a sua função institucional sem perpetuar a memória de um autor”.
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