O Congresso deu mais um passo importante para a implementação da reforma tributária com a aprovação do principal projeto de lei que regulamenta as alterações tributárias nesta terça-feira (17/12).
A Câmara dos Deputados aprovou um dos projetos que regulamentam a reforma e que trata de reduções e isenções fiscais para alguns setores; do imposto do “pecado”; e mecanismos de reembolso (restituição de impostos) para pessoas de baixa renda, entre outras medidas. Agora, o texto segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O texto foi votado na Câmara após alterações feitas no Senado.
A reforma foi aprovada no final de 2023, após trinta anos de discussão, com a alteração da Constituição brasileira pelo Congresso, mas detalhes do funcionamento do novo sistema foram definidos nas normas agora adotadas.
Esta reforma procura simplificar a tributação sobre o consumo de bens e serviços e poderá ter um forte impacto positivo no crescimento económico, segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil.
Mas esse impacto ainda demorará alguns anos, pois a previsão é que a unificação tributária seja implementada gradativamente a partir de 2027, quando começa uma fase de testes, e só entrará em pleno vigor em 2033.
Após esse período, o Brasil deixará de ter cinco tributos (PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI), que serão unificados em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
O IVA brasileiro terá dois componentes: a Contribuição sobre Mercadorias e Serviços (CBS), a ser cobrada pela União, e o Imposto sobre Mercadorias e Serviços (IBS), a ser partilhado pelos Estados e municípios.
Além disso, será criado o Imposto Seletivo, também denominado “imposto sobre o pecado”, que incidirá sobre produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente, como bebidas açucaradas, veículos automotores, bebidas alcoólicas e cigarros.
O objetivo é encarecê-los para desestimular seu consumo. A alíquota desse imposto ainda será definida em outro projeto de lei.
Outra questão ainda em aberto é qual será a nova taxa de IVA, uma vez que será calibrada durante a fase de testes dos novos impostos. As projeções indicam que poderia ser o maior do mundoficando perto de 28% ou até acima disso.
Este nível ocorre devido a dois fatores:
- O atual sistema tributário brasileiro está muito concentrado na tributação de bens e serviços, e o novo imposto manterá a atual carga tributária, para que a União, os Estados e os municípios não percam receita que paga os serviços públicos;
- Muitos sectores, como a alimentação e a saúde, beneficiaram de excepções (descontos de IVA); Portanto, a alíquota do imposto tem que ser maior para manter o mesmo volume de arrecadação atual.
O regulamento aprovado prevê um “bloqueio” para evitar que a taxa de IVA ultrapasse os 26,5%, mas isso dependerá de o Congresso reduzir as exceções concedidas.
Este bloqueio poderá ser ativado em 2031, durante o processo de implementação do novo imposto. Caso seja detectado que a alíquota será superior a essa, o governo terá que enviar ao Congresso um projeto de lei com propostas para redução de descontos concedidos a determinados setores.
Embora a reforma não vise reduzir a carga tributária, o governo Lula e economistas independentes afirmam que as mudanças irão melhorar o ambiente de negócios e facilitar o crescimento económico.
Os parlamentares da oposição argumentaram ao longo do projecto que a reforma aumentará a tributação e trará muitas excepções (reduções fiscais para alguns sectores). A maioria dessas exceções, porém, foi incluída na reforma pelo próprio Congresso.
Entenda a seguir, em cinco pontos, o que de fato muda com a reforma tributária.
1. Simplificação fiscal
A reforma tributária prevê a substituição de cinco tributos — PIS, Cofins e IPI, que são de competência federal; e ICMS e ISS, sob jurisdição estadual e municipal, respectivamente — para o IVA.
O IVA é um imposto que incide de forma não cumulativa, ou seja, apenas sobre o que foi adicionado em cada fase da produção de um bem ou serviço, excluindo valores pagos em fases anteriores.
O modelo acaba com a incidência de impostos em cascata, um dos problemas históricos do sistema tributário brasileiro.
Atualmente, mais de 170 países adotam o IVA, incluindo Canadá, Austrália, vários países membros da União Europeia e países emergentes como a Índia, bem como países latino-americanos como México, Colômbia, Chile e Argentina.
O IVA brasileiro seguirá um modelo denominado Dual VAT, dividido em duas partes: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal; e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (IBS), dos Estados e municípios.
Com a reforma, a arrecadação de impostos deixará de ser feita na origem (local de produção) e passará a ser feita no destino (local de consumo), mudança que visa acabar com a chamada guerra fiscal — a concessão de benefícios fiscais por cidades e estados, com o objetivo de atrair investimentos de empresas.
Pela proposta, os produtos importados deverão pagar IVA da mesma forma que os produtos produzidos no Brasil; exportações e investimentos estarão isentos.
Haverá uma tarifa padrão e uma tarifa diferenciada (com desconto), para abranger setores como saúde.
2. O IVA mais elevado do mundo?
A alíquota futura do novo imposto, porém, tornou-se objeto de polêmica. Os críticos da reforma dizem que o IVA brasileiro aumentará a carga tributária — o que é contestado por especialistas e pelo governo — e citam projeções de economistas que indicam que a alíquota poderá chegar a 28%, a mais alta do mundo.
Embora ainda não seja possível determinar qual será a taxa de IVA brasileira, os defensores da reforma reconhecem que ela será elevada para os padrões internacionais.
No entanto, sublinham que isto reflecte o facto de o Brasil ter uma grande parte das suas receitas na produção e no consumo — ao contrário de outros países com IVA mais baixo, que arrecadam mais sobre o rendimento e a propriedade.
A ideia, destacam os defensores da mudança, é que o novo IVA reúna exatamente o que os cinco tributos hoje — IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS — rendem às três esferas do poder público — sem, portanto, aumentar a atual carga tributária .
O objetivo de manter a mesma receita não é desviar dinheiro do governo, pois esse dinheiro é usado para pagar serviços públicos, como escolas, hospitais e operações policiais.
Os entusiastas da reforma afirmam também que a reorganização e simplificação do sistema, através da unificação dos impostos, impulsionará o crescimento e aumentará o poder de compra da população.
“Como a alíquota futura corresponderá à carga tributária de hoje, o Brasil já tem o IVA mais alto do mundo. Porém, o novo sistema trará muito mais transparência”, argumentou a especialista em questões tributárias Melina Rocha, diretora de cursos da Universidade de York, no Canadá , em conversa com o repórter no final de 2023, quando a reforma foi aprovada.
Melina explicou ainda que a taxa base do IVA também será mais elevada no Brasil devido aos descontos dados na reforma a alguns setores.
Os serviços de saúde e educação, por exemplo, pagarão um IVA equivalente a 40% da taxa plena.
No caso dos alimentos, alguns itens serão isentos e outros terão alíquota de 40%.
Hoje, o IVA mais elevado do mundo está na Hungria (27%). Os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) têm uma taxa média de imposto de 19,2%.
Dos 38 membros da organização, formada principalmente por países ricos, apenas os Estados Unidos não adotam o IVA.
Para Melina Rocha, porém, não faz sentido comparar o IVA de diferentes países sem ter em conta o sistema fiscal de cada um deles.
“Não é possível comparar a taxa nominal padrão de um país com outro, precisamente porque estes outros países, que têm uma taxa de IVA mais baixa, têm uma taxa de rendimento muito superior”, argumentou.
Segundo relatório da Receita Federal com dados de 2020, a carga tributária média nos países da OCDE foi de 33,5% do Produto Interno Bruto (PIB) daquele ano, enquanto a do Brasil foi de 30,9% do PIB.
3. ‘Imposto sobre o Pecado’
O Imposto Seletivo, também conhecido como “imposto sobre o pecado”, será uma espécie de sobretaxa que incidirá sobre a produção, venda ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Esses produtos incluem cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, veículos, barcos e aeronaves.
O Imposto Seletivo será de responsabilidade federal, com receita compartilhada com outros entes da federação.
A Câmara reverteu uma mudança do Senado e incluiu novamente bebidas açucaradas, como refrigerantes, no Imposto Seletivo.
O item armamento não foi incluído no imposto seletivo, o que, na prática, reduzirá a carga tributária sobre esse produto quando a reforma entrar em vigor.
A proposta de taxar mais as armas foi debatida no Senado e na Câmara, mas não foi aprovada.
4. Cesta básica e cashback
A reforma tributária prevê ainda a criação de uma Cesta Básica Nacional, com itens isentos de IVA ou que terão desconto fiscal. E também institui o cashback, a restituição total ou parcial de impostos aos mais pobres.
A lista de itens isentos da cesta básica inclui arroz, feijão, macarrão, carne, peixe, ovos, manteiga, margarina, raízes e tubérculos, frutas, aveia, sal, açúcar, café, leite, fórmula infantil, queijo, mate, azeitona óleo de babaçu, milho em grão e farinhas de trigo, mandioca e milho.
A lista com desconto de 60% no IVA inclui itens como mel natural, macarrão recheado, pão fatiado, extrato de tomate, grãos de cereais e óleos de soja, palma, girassol, cártamo, algodão, canola e coco.
Este segundo grupo também incluiu sucos naturais de frutas ou vegetais sem adição de açúcar, adoçantes ou conservantes, e polpas de frutas sem adição de açúcar, adoçantes ou conservantes.
No caso do cashback, a regulamentação prevê a restituição de 100% do CBS e de pelo menos 20% do IBS nas contas de energia, água, gás e telecomunicações para pessoas de baixa renda.
Essa restituição beneficiará famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) com renda familiar mensal declarada por pessoa de até meio salário mínimo. As regras serão válidas a partir de janeiro de 2027 para CBS e a partir de 2029 para IBS.
A proposta inicial do governo não previa a isenção de itens da cesta básica, pois esse tipo de desconto beneficia pessoas de todas as rendas.
Para o secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, a melhor opção seria adotar o cashback apenas para os mais pobres, mantendo o imposto para as demais classes.
A ideia é que isso permitiria uma taxa normal de IVA mais baixa.
Essa proposta também foi defendida por alguns especialistas, como Melina Rocha, da York University, e o ex-auditor da Receita Federal Eduardo Fleury, sócio da área tributária da FCR Law.
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) fez campanha por uma ampla lista de isenções para alimentos.
O Congresso acabou optando pela manutenção da cesta básica, mas com uma lista menor que a defendida pelo setor.
5. Tempo de transição
Pelo texto da reforma tributária, o período de transição para a unificação dos impostos durará sete anos, entre 2026 e 2032.
A partir de 2033, os impostos correntes serão abolidos. A transição foi planejada para evitar perda de arrecadação para estados e municípios.
Pelo cronograma proposto, em 2026, haverá alíquota de teste de 0,9% para CBS (IVA federal) e 0,1% para IBS (IVA repartido entre estados e municípios).
Em 2027, o PIS e a Cofins deixarão de existir e a CBS será totalmente implementada. A alíquota do IBS permanecerá em 0,1%.
Entre 2029 e 2032, deverá haver redução gradual das alíquotas de ICMS e ISS e aumento gradual do IBS, até que o novo modelo entre em vigor em 2033.
A transição da arrecadação de impostos da origem ao destino deverá ocorrer ao longo de 50 anos, de 2029 a 2078.
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