Um pesquisa recente realizado pela Quaest mostrou que 75% dos entrevistados aprovaram a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil por mês.
Para medir, anunciado pelo Ministério das Finanças no final de novembroe que ainda depende de aprovação do Congresso Nacional para entrar em vigor a partir de 2026, tem alto índice de aprovação tanto entre os eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por apoiantes do ex-presidente JairBolsonaro (PL).
Mas um estudo realizado pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP), publicado em primeira mão pela BBC News Brasil, mostra que a mudança, isoladamente, favorece grupos já privilegiados do país : homens, brancos e moradores das regiões Sul e Sudeste.
Ao fazê-lo, aprofundaria o desigualdades socioeconômicasem vez de reduzi-los, indo contra a promessa de Lula, fez em seu discurso de possepriorizar a redução das desigualdades em seu terceiro mandato.
“É realmente necessário que essa medida de isenção do Imposto de Renda entre dois salários mínimos e R$ 5 mil seja articulada com o aumento de impostos no topo“, alerta Luiza Nassif Pires, diretora da Made-USP e uma das autoras do estudo, ao lado dos pesquisadores Amanda Resende e João Pedro Gomes.
“Caso contrário, de facto, teremos um impacto negativo na população, com aumento da desigualdade”.
Quem ganha e quem perde com a nova tabela de IR
Além de ampliar a isenção —atualmente válida para quem ganha até dois salários mínimos por mês (R$ 2.824 em 2024)—, o pacote anunciado pelo governo também prevê que quem ganha entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil por mês passe a pagar menos imposto, com o reajuste na progressão das alíquotas cobradas.
Quem ganha entre R$ 7,5 mil e R$ 50 mil por mês teria seus impostos inalterados.
O grupo dos super-ricos — aqueles que recebem mais de R$ 50 mil por mês — passaria a pagar mais, com alíquota mínima de 10%, a ser cobrada sobre todas as fontes de renda.
Para avaliar o impacto desse conjunto de medidas nas desigualdades de gênero, raciais e regionais no Brasil, os pesquisadores do Made-USP utilizaram dados de 2023 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Avaliaram então o perfil demográfico de cada um dos grupos de rendimento afetados pelo pacote governamental, considerando o rendimento mensal individual da população.
Analisando por gênero, por exemplo, é possível observar que o grupo dos super-ricos é formado por 85% de homens — grupo que, historicamente, ganha mais que as mulheres, além de ocupar cargos mais elevados no mercado de trabalho e na vida social. espaços. de poder.
As faixas de dois salários mínimos a R$ 5 mil (que seriam isentas de imposto de renda) e de R$ 5 mil a R$ 7,5 mil (que pagariam menos imposto com o reajuste na progressão da alíquota) também têm maioria masculina —60% e 59% respectivamente — embora em proporção menor que a renda mais alta.
Na população média brasileira, os homens representam 49,5%, segundo a Pnad Contínua 2023.
Ou seja, para que o pacote não aumente a desigualdade favorecendo ainda mais os homens, é preciso combinar a isenção de até R$ 5 mil e o aumento da tributação para os super-ricos.
O quadro é semelhante quando os economistas analisam a situação por raça ou cor.
“São principalmente os brancos que terão que pagar a nova alíquota que recai sobre os super-ricos, pois esse grupo demográfico representa 80% das pessoas que ganham mais de R$ 50 mil por mês”, observam os pesquisadores, no estudo.
“Por sua vez, tanto brancos quanto negros serão beneficiados com a isenção para a faixa de renda de até R$ 5 mil, mas os brancos são maioria (55%) e representam uma parcela maior desse grupo do que sua parcela da população em geral”.
Segundo a Pnad, 43,6% se declaram brancos no Brasil, entre a população em geral.
Finalmente, os investigadores observam as desigualdades regionais.
Aqui, apenas o grupo que recebe até dois salários mínimos —atualmente já isento do imposto de renda— tem grande parcela de residentes no Nordeste (30%).
Nos demais grupos, os moradores do Sudeste são maioria, seja entre os que se beneficiarão com menos impostos ou entre os super-ricos que pagarão mais.
Segundo os economistas, isso deixa claro que as medidas precisam ser combinadas para que a desigualdade regional não se agrave.
Aumento da isenção do Imposto de Renda favorece classe média, diz pesquisador
Nassif Pires observa que o objetivo dos economistas, ao analisarem o impacto da mudança do Imposto de Renda sob a ótica das desigualdades de gênero, raciais e regionais, é torná-lo mais concreto para quem ganha e quem perde com a reforma que poderá valer a partir de 2026.
“A desigualdade no Brasil é muito alta e as pessoas não têm muita ideia de onde estão na distribuição de renda”, observa o pesquisador.
Por exemplo, quem ganha atualmente dois salários mínimos no Brasil (R$ 2.824) já faz parte dos 30% mais ricos da população.
Quem ganha R$ 5 mil está entre os 16% mais ricos, explica Nassif Pires, com base em dados do Banco de dados mundial de desigualdadeproduzido por um laboratório da Escola de Economia de Paris ligado a economistas Thomas PikettyEmmanuel Saez e Gabriel Zucman.
“Atualmente temos mais ou menos 22% da população pagando Imposto de Renda, e com a mudança da regra serão apenas 8%”, destaca o professor do Instituto de Economia da Unicamp.
“Então, há um problema que, apesar da sensação de que aumentar a isenção para R$ 5 mil é algo que distribuiria renda para a base, na verdade, isso é uma distribuição de renda para uma classe média já no topo da pirâmide .
Nassif Pires afirma que, a seu ver, isso não é necessariamente algo negativo, já que os governos anteriores de Lula e Dilma Rousseff (PT) focaram muito na distribuição de renda para a base da pirâmide social e pouco nesta classe média.
Mas ela defende que é preciso garantir que não haja perda de arrecadação com a medida, uma vez que os impostos pagos servem para financiar serviços públicos como saúde, educação e todo o funcionamento do Estado, que também tem caráter redistributivo, pois são as pessoas mais pobres que mais utilizam estes serviços.
“Combinar a isenção de até R$ 5 mil com o aumento da tributação no topo tem duas importâncias fundamentais”, explica o pesquisador.
“Compensa a perda de arrecadação e o impacto distributivo da ampliação da isenção, que beneficia principalmente homens, brancos e moradores do Sul e Sudeste, grupos que já são mais favorecidos em nossa distribuição”.
‘Só porque é uma promessa de campanha não significa que seja boa’
Diante dos resultados apurados pelo estudo Made-USP, o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), defende uma posição mais radical.
“O governo deveria fazer apenas metade do pacote, que é tributar os mais ricos, para ajudar a melhorar as contas públicas”, diz Borges, que é contra o aumento da isenção do IR para R$ 5 mil.
“Poderíamos pensar em políticas redistributivas mais eficazes do que esta. Sei que o governo diz que [a isenção até R$ 5 mil] É uma promessa de campanha, mas só porque é uma promessa de campanha não significa que seja uma boa política.”
O economista acredita que o governo errou ao anunciar as mudanças no Imposto de Renda junto com o pacote de redução de despesas.
O anúncio conjunto foi amplamente criticado por economistas de mercado, que esperavam um sinal mais forte do governo Lula para controlar os gastos públicos.
A percepção negativa sobre o pacote contribuiu para a desvalorização da moeda brasileira, levando o dólar a quebrar recordes.
Isto num momento em que a moeda americana também ganha força pela perspectiva de retornar ao poder do Donald Trumpque promete implementar medidas económicas que deverão manter a inflação elevada nos EUAresultando em altas taxas de juros por mais tempo – um cenário que enfraquece as moedas dos países emergentes em todo o mundo, incluindo o real.
“O anúncio conjunto sinalizou um baixo comprometimento com a sustentabilidade fiscal, e o governo está focando muito mais nas eleições de 2026 do que no equilíbrio das contas públicas”, avalia Borges.
Ele também observa que, embora a mudança no Imposto de Renda favoreça uma classe média mais próxima do topo da faixa de renda, aqueles que mais sofrerão com o impacto da alta do dólar nos preços dos alimentos serão os mais pobres.
“O efeito é perverso, porque quem mais vai sofrer com o aumento do preço dos produtos devido à desvalorização cambial são os mais pobres, e não as pessoas que estão se beneficiando dessa isenção [do IR para rendimentos até R$ 5 mil]porque eles não são mais pobres no Brasil e os pobres são os que têm maior peso do consumo de alimentos na sua renda.”
*Com a colaboração de Caroline Souza, da equipe de Jornalismo Visual da BBC.
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