Com queda de 2,32%, o dólar fechou a R$ 6,12 nesta quinta-feira (19/12) e interrompeu a sequência de cinco altas consecutivas.
A queda foi influenciada pelas ações do BC (Banco Central). Durante a tarde, a moeda americana bateu recorde e chegou a R$ 6,30, mas o valor caiu após o BC realizar dois novos leilões, no valor total de US$ 8 bilhões, para conter a alta da moeda americana.
No acumulado do ano, porém, o aumento até esta quinta é de 26,18%. No início de janeiro, o dólar estava cotado a R$ 4,85. Isso faz o real é a moeda que mais perdeu para o dólar no mundo este ano.
A valorização do dólar gera dois impactos principais: a piora do poder de compra das famílias, devido ao aumento dos preços, e o aumento dos custos para as empresas.
Mas esse movimento afeta de forma diferente os consumidores e os setores produtivos, explicou o economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, à BBC News Brasil.
“O impacto varia de acordo com o setor. As empresas com custos em reais e receitas em dólares são as mais beneficiadas, como aquelas que utilizam mão de obra local e exportam produtos. Porém, nenhum setor está 100% nesta configuração”, afirma.
Para os consumidores, o impacto vai além dos produtos importados, pois os preços dos bens industrializados também sofrem com o aumento dos custos dos insumos.
As empresas enfrentam pressões adicionais, tanto nos custos de produção como no pagamento de dívidas em moeda estrangeira. “Sem proteção cambial, muitos deles poderão ver os seus custos explodir”, acrescenta.
Confira a seguir quais setores são mais beneficiados com a alta da moeda americana — e quais são mais impactados pela valorização do dólar.
Quem ganha: agronegócio, mineração, turismo interno
Setores com a maior parte de sua receita atrelada ao dólar, como o agronegócio e a indústria extrativa, têm potencial para se beneficiar da valorização da moeda americana, afirma o economista.
Para os grandes exportadores, há sempre uma situação de ganhos e perdas simultâneos.
Por um lado, os exportadores recebem mais dinheiro em reais quando vendem seus produtos no exterior em dólares — aumentando sua receita.
Mas esses mesmos produtores também precisam pagar algumas contas em dólares e estas ficam mais caras. No caso do agronegócio, os produtores rurais importam muitas máquinas e fertilizantes.
“Isso cria um mecanismo natural de proteção (hedge), permitindo ao setor registrar ganhos líquidos”, afirma Campos Neto.
Ou seja, a alta do dólar tende a ser vantajosa para a grande maioria dos grandes exportadores rurais —porque o setor exporta muito e importa pouco.
Além disso, os produtores rurais têm certa flexibilidade com o fluxo de caixa, o que é favorável.
A maior receita devido à alta do dólar é registrada imediatamente, pois os exportadores recebem os valores cada vez que sua carga é embarcada do porto para o exterior. Ou seja, a carga exportada nesta quinta já será vendida com dólar alto —e o exportador verá esse dinheiro entrando imediatamente.
No caso de custos de importação mais caros – factores de produção como maquinaria e fertilizantes – os produtores normalmente têm stocks suficientes para alguns meses e podem optar por não importar nada em alturas em que a taxa de câmbio do dólar atinge o pico.
O benefício de exportar com dólar alto é imediato; o custo de precisar importar com um dólar alto pode ser adiado.
“Muitas empresas do agronegócio têm um estoque razoável de dois ou três meses de insumos”, afirma Henry Quaresma, presidente da Brasil Business Partners e membro do conselho de administração da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB).
O maior impacto nos custos só será sentido pelos exportadores de matérias-primas se o dólar subir durante um período prolongado de tempo.
Ainda mais beneficiados que o agronegócio, segundo Quaresma, são setores como mineração e celulose — nos quais o Brasil tem grandes empresas, como Vale, Klabin e Suzano.
Esses grandes exportadores têm uma vantagem: exportam muito, mas importam poucos insumos. Ou seja: só sentem o lado positivo do dólar alto.
“Todo o insumo está aqui no Brasil. Eles não precisam importar matéria-prima. [com o câmbio] É direto.”
Empresas internacionais com planos de adquirir operações no Brasil também poderão se beneficiar se conseguirem fechar contratos nesse período.
O turismo interno brasileiro também se beneficia com a alta do dólar. Quem ainda compra pacotes no exterior tem incentivo para vir ao Brasil. E os brasileiros que estavam planejando viagens ao exterior no verão podem mudar de ideia por conta da alta do câmbio.
Quem já planejou férias no Brasil provavelmente gastará mais dinheiro — já que a alta do dólar proporciona um aumento substancial no orçamento de férias dos turistas estrangeiros em reais.
Quem perde: eletrônicos, remédios, carros elétricos
Os turistas brasileiros no exterior estão entre os primeiros a sentir o impacto da alta do dólar, já que seus gastos com cartão de crédito também são baseados na cotação do dólar no dia do fechamento da fatura.
“Quem for para a Disney agora na alta temporada vai pagar mais caro”, diz Quaresma.
Alguns setores importantes da economia sentirão o impacto negativo da valorização do dólar.
A venda de eletrônicos importados — como smartphones — deverá cair substancialmente, com grande aumento nos preços.
O mesmo acontece com o setor farmacêutico, que necessita importar medicamentos que não são produzidos nacionalmente. Até a produção nacional conta com muitos insumos importados.
Na indústria, a situação é mais diversificada, diz o economista Silvio Campos Neto.
“Os setores voltados para o mercado externo, como a indústria extrativa (minério de ferro e petróleo), tendem a ganhar. A indústria de transformação, voltada para o mercado interno, enfrenta mais dificuldades de repasse de custos, devido à maior dependência de insumos importados. “
Os fabricantes de automóveis também deverão sofrer, uma vez que os carros eléctricos são muito populares neste momento – muitos deles importados a preços elevados.
Um grande perdedor: o consumidor
Quaresma diz que um dos maiores perdedores com a alta do dólar é o consumidor brasileiro —que recebe seu salário em reais.
Muitos dos setores listados acima — como o eletrónico e o farmacêutico — tendem a repercutir a subida do dólar diretamente nos seus preços para o consumidor.
Os consumidores brasileiros também pagarão mais por alimentos e combustíveis. O Brasil ainda é um grande importador de trigo – insumo para pães e massas. No caso da gasolina, o Brasil exporta petróleo, mas ainda precisa importar combustível. Os materiais de limpeza também contam com muitos insumos importados.
“Algumas empresas reajustam os preços mesmo quando há estoque e isso não importa, porque nivelam o dólar do ano”, diz Quaresma.
A alta do dólar provoca aumento generalizado dos preços e prejudica o combate à inflação —que tem sido uma das principais preocupações do governo e do mercado neste ano.
“Mas tudo isso depende do período em que o dólar sobe. Se as coisas continuarem, passar uma semana ou duas, e não vermos uma reversão na alta do dólar, a situação vai ficar mais crítica”, diz Quaresma.
Silvio Campos Neto concorda com o veredicto. Segundo ele, o impacto para o consumidor é especialmente desafiador, pois a desvalorização do real encarece os produtos importados e aumenta os preços dos bens industrializados nacionais que dependem de insumos estrangeiros.
O aumento dos custos acaba sendo repassado, mesmo que parcialmente, ao consumidor final.
“Se olharmos os períodos de valorização do real, como em 2010 e 2011, o poder de compra das famílias aumentou consideravelmente. Hoje, vivemos o movimento contrário”, analisa o economista.
Como resultado, um setor que poderia ser indiretamente impactado é o de serviços. A perda do poder de compra das famílias afeta a demanda, comprometendo o crescimento recente do segmento.
“Nos últimos anos, o setor de serviços tem apresentado bom desempenho, mas a alta do dólar pode desacelerar esse avanço”, alerta Campos Neto.
Incertezas para 2025
Há incerteza no mundo hoje sobre qual seria a direção do dólar em 2025 e além. O valor do real brasileiro dependerá em parte desta tendência global.
O desejo do presidente eleito Donald Trump é que a moeda americana se desvalorize. Ele pretende travar uma guerra comercial que fortaleça a balança comercial americana.
Dentro desta estratégia, um dólar mais fraco torna mais caro o valor dos produtos importados dentro dos Estados Unidos – dando aos produtos americanos uma vantagem sobre os estrangeiros.
No Brasil, o futuro da taxa de câmbio depende de vários fatores e depende das ações governamentais e da política fiscal. Medidas como o pacote fiscal aprovado pelo Congresso nesta quinta-feira (19/12) podem ajudar, mas Silvio Campos Neto afirma que a desconfiança nos mercados deve persistir.
“Os mercados têm reagido com pessimismo, refletindo a percepção de risco no Brasil. Um dólar forte no exterior, aliado às incertezas locais, mantém a moeda em patamar elevado, entre R$ 6 e R$ 6,50”, afirma.
Ou seja, uma queda significativa parece improvável no curto prazo, diz o economista, e os ajustes de preços e custos serão inevitáveis, impactando os setores de forma diferente — de acordo com suas receitas e despesas em dólares.
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