O costume de comemorar a chegada de um novo ciclo no calendário não é novidade. Existe há mais de 4 mil anos.
Mas naquela época, em vez de um novo “ano”, a passagem do tempo era contada pelas estações.
As primeiras pessoas a celebrar a festa da passagem teriam sido as de Mesopotâmiauma área que hoje corresponde aos territórios do Iraque, Kuwait, Síria e Turquia.
Porque eles dependem agricultura para sobreviver, eles comemoraram o fim do inverno e início da primaverauma época em que uma nova época de plantio começou.
Com isso, a festa de passagem dos mesopotâmios não acontecia na noite de 31 de dezembro para 1º de janeiro, mas sim de 22 para 23 de março, data do início da primavera no hemisfério norte.
Foi apenas com a introdução de um novo calendário no Ocidente em 1582 – o Calendário gregorianoadotado pelo Papa Gregório 13 no lugar do calendário juliano – que o primeiro dia do ano novo passou a ser 1º de janeiro.
Tal como acontece hoje nas celebrações do Ano Novo, as celebrações passageiras também representaram ter esperança.
Se hoje alguns rituais visam atrair prosperidade e dinheiro — como usar a cor amarela na festa de réveillon ou comer lentilhas — os cultos de 4 mil anos atrás pediam comida e abundância.
O termo Réveillon, utilizado em diversas partes do mundo para descrever a festa de Réveillon, é mais recente: surgiu no século XVII, na França, e representava as festas da nobreza que duravam a noite toda.
O Réveillon não tinha data, mas com o declínio da nobreza francesa a palavra foi adaptada para festa de Réveillon — a palavra Réveillon deriva do verbo “acordar” em francês.
No século XIX, essas festas foram adotadas pela nobreza de outros lugares do mundo influenciados pela cultura francesa.
A nobreza do Brasil foi uma das que adotaram o Réveillon, mas o sincretismo religioso característico do passado histórico do país fez com que as comemorações aqui agregassem novos personagens, costumes e comidas às festividades do Ano Novo.
Estilo brasileiro
Em Salvadora Igreja do Senhor do Bonfim é a principal atração da cidade na última sexta-feira do ano, chamada de “Sexta-feira da Gratidão”.
Fiéis de todo o país vão ao templo pedir proteção para o próximo ano e levam objetos para abençoar, como colares, as famosas fitas do bonfim, chaves de casa, fotos e até o carro.
Em todas as praias do Brasil, os seguidores de Iemanjá costumam passar o Réveillon no litoral para fazer oferendas ou pular as sete ondas.
Iemanjá, Rainha do Maré uma divindade africana originária da Nigéria, da tradição chamada Yorubá, e incorporada pelo Candomblé e umbanda no brasil.
“Na Nigéria, o ritual de Iemanjá é feito no dia 2 de fevereiro (assim como na Bahia), mas também acontece no Brasil nos últimos dias do ano e na véspera de Ano Novo”, explica o professor da Unirio Zeca Ligiéro, autor de livros sobre Tradição e performance afro-brasileira.
“Iemanjá se popularizou nas religiões afro-brasileiras, como Umbanda, Tambor de Mina e Candomblé pela força desse arquétipo feminino que ela representa: mãe, vaidosa que gosta de perfumes, flores e guloseimas e protetora das gestantes”, acrescenta o professor .
Ligiéro conta que a Umbanda nasceu no Brasil depois que os rituais africanos foram duramente perseguidos no país, tendo sido influenciados diretamente pela cultura nacional.
“Essa nova religião de origem africana, a Umbanda, misturou diversas tradições ameríndias, espíritas e católicas, criando uma nova imagem para Iemanjá, uma espécie de Vênus cabocla, cujos quadris são mais cheios que os seios”, explica o professor.
“A imagem de Iemanjá, por causa dessa mistura, parece emergir do mar como uma virgem de Botticelli, mas distribui graças com as palmas das mãos abertas como algumas imagens da Virgem Maria. estrela na testa (símbolo da alta espiritualidade africana) e tem longos cabelos negros, mais indígenas que afro.”
“Todas as religiões tomam emprestado umas das outras para construir seus rituais específicos”, explica o professor de História Moderna da Unicamp Rui Luis Rodrigues, ao falar sobre a origem histórica das festas de fim de ano.
“Pesquisas históricas, antropológicas e teológicas indicaram os variados empréstimos que os grupos religiosos contraem entre si em seus rituais”.
O umbandista Marcelo Rodrigues, do Rio de Janeiro, diz que tem o hábito de fazer oferendas a Iemanjá todos os anos.
“Tento comemorar o réveillon na praia, mas quando não é possível, costumo ir para o mar um ou dois dias antes.”
Sete ondas
A relação dos brasileiros com as praias nacionais no Réveillon, porém, não é exclusiva dos devotos de Iemanjá.
Apesar de morar longe do litoral, no interior de São Paulo, a família paulista de Rodrigo da Gama costuma passar o réveillon nas praias paulistas. Santa CatarinaIndique onde eles têm familiares.
“Quando estamos em Santa Catarina sempre vamos à praia, usamos roupa branca e pulamos as sete ondas no réveillon”, diz Gama.
De família de “católicos não praticantes”, ele explica que o ritual de vestir branco e pular ondas, diferentemente do que acontece com os adeptos da Umbanda, não tem significado religioso, apenas espiritual.
A tradição de sua família demonstra como a figura de Iemanjá se popularizou no Brasil, principalmente nas décadas de 1950 e 1960, quando seu ritual passou a ser praticado nas praias da famosa Zona Sul do Rio de Janeiro, ganhando visibilidade nacional.
“Mas com a organização de shows pirotécnicos e patrocínios milionários para festas nas praias cariocas, os rituais de Iemanjá foram banidos para praias cada vez mais distantes”, diz Ligiéro.
“Percebemos que os rituais de oferendas a Iemanjá estão cada vez mais em risco, mesmo com Iemanjá reunindo milhões de pessoas de outras religiões, que se vestem de branco e vão à praia. perseguição às religiões afro-brasileiras com a hostilidade desses rituais.”
A tradição de usar branco
Usar roupas brancas na festa de Ano Novo tornou-se comum no Brasil na década de 1970, quando os candomblés começaram a fazer suas oferendas na praia de Copacabana. As pessoas que passaram pela praia e viram o ritual acharam o branco lindo — e adotaram a roupa.
A tradição de pular as sete ondas na virada do ano, fazendo sete pedidos diferentes, também está ligada à Umbanda e ao culto a Iemanjá.
Sete é um número cabalístico, que na Umbanda representa Exu, filho de Iemanjá. Também está relacionado às Sete Linhas da Umbanda, conceito de organização dos espíritos sob o comando de um orixá. Cada salto, neste caso, seria um pedido a um orixá diferente.
Dias de Ano Novo
As celebrações do Ano Novo não acontecem necessariamente no dia 1º de janeiro. Isso porque existem vários calendários que organizam o ciclo anual de forma diferente do gregoriano.
Para aqueles MuçulmanosO Ano Novo corresponde ao mês de maio no calendário gregoriano.
Para os judeus, corresponde ao período do final de setembro e início de outubro.
Os chineses comemoram a passagem entre o final de janeiro e o início de fevereiro.
A advogada Anna Beatriz Dodeles diz que sua família é judia e não comemora o Ano Novo no calendário gregoriano.
“O ‘Ano Novo’ judaico é chamado de Rosh Hashaná, conhecido como o Dia do Juízo e a Cabeça do Ano. Acontece em um dos meses mais importantes do Judaísmo, o mês de Elul”, diz ela.
“Este festival acontece no sétimo mês do calendário judaico – Lunar – e marca para os judeus o nascimento do mundo, o início da criação humana.”
Para celebrar Rosh Hashaná, cujas celebrações duram dois dias, a família Dodeles reza e come certos alimentos típicos da comunidade judaica, como vinho e chalá redondo (pão redondo fermentado) umedecido com mel.
“Neste momento, devemos pedir perdão às pessoas que magoamos, não de forma genérica, mas de forma ponderada”, explica o advogado.
“Se essa pessoa não aceitar o pedido de desculpas, o pedido de desculpas deve ser feito pelo menos três vezes, e o mais importante é mudar o nosso comportamento para que isso não aconteça novamente naquele ano novo”.
A família da jornalista Flávia Sato, que é budistatambém segue tradições da cultura japonesa. Por isso, sua família se despede do ano velho no dia 31 de dezembro, mas limpando a casa.
“No dia 31, na casa dos meus pais, praticamos um ritual chamado Oosouji, que é uma limpeza completa da casa para renovar as energias do ambiente e começar o Ano Novo do zero, com tudo limpo e organizado”, conta o jornalista.
A comida também é importante neste rito de passagem.
“Não pode faltar o ozoni, caldo que leva um bolinho de arroz; o moti, que, segundo a tradição, traz boa sorte para o ano que vem”, afirma, explicando que o Ano Novo é o principal feriado familiar dos budistas.
“Depois dos fogos de artifício e da comida do moti, nossa festa geralmente termina cedo, porque no dia seguinte, de manhã cedo, nos reunimos novamente para começar o ano em oração”.
Além da limpeza, do jantar em família e da queima de fogos, também acontecem rituais individuais em sua casa.
“Meus pais sempre me incentivaram a aproveitar esse momento para anotar todas as minhas metas para o ano, para que eu pudesse focar e alcançar meus objetivos pessoais.”
Este relatório foi publicado originalmente em 29 de dezembro de 2017.
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