“Você turistas vão para Recife e saltam direto para Natal.”
Era o que dizia até recentemente a professora Adriana Brambilla aos seus alunos do curso de Turismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa.
A meio caminho de um dos trechos mais movimentados do litoral Nordestea capital paraibana era conhecida pela tranquilidade, praias desertas e um litoral de prédios baixos com pequenos hotéis.
“João Pessoa não atraiu atenção nacional. Ficamos muitos anos de lado”, diz Brambilla, coordenador do Grupo de Estudos de Cultura e Turismo (GCET) da UFPB.
Mas quem visita a cidade hoje encontrará pouco da João Pessoa “esquecida” de décadas atrás.
Novos edifícios luxuosos aparecem por toda parte, clubes de praia ocupam o litoral e a rede hoteleira só cresce.
Ao mesmo tempo, o trânsito começou a ficar congestionado, atrações como corais e bancos de areia no meio do mar cristalino ficam lotados e os restaurantes ficam cheios de filas.
Nas redes sociais, as pessoas têm feito centenas de vídeos e comentários (geralmente de brincadeira) pedindo aos turistas que fiquem longe da cidade.
“Não há espaço para mais ninguém”, escreve um morador em um vídeo que mostra um engarrafamento no TikTok.
Aparentemente, porém, a demanda aumentará.
Em seu recém-lançado lista anual Dos dez destinos em alta no mundo, Booking.com, uma das maiores plataformas globais de reservas turísticas, João Pessoa ocupa o terceiro lugar.
“Estará no topo da lista de todos até 2025”, diz a projeção.
A capital paraibana ficou atrás apenas Sanyaconsiderado o “Havaí Chinês”, e Triestena costa italiana do Mar Adriático.
Na alta temporada que vai de dezembro a fevereiro, a prefeitura projeta ocupação hoteleira de quase 100%. E a Paraíba foi o estado que mais cresceu na preferência dos brasileiros neste atual verão, segundo procurar divulgado pelo Ministério do Turismo.
Nos próximos três anos, a cidade deverá ganhar mais de 10 mil novos leitos com hotéis em construção. E, até novembro deste ano, o Aeroporto Castro Pinto, em João Pessoal, registou um aumento de 13,3% no movimento de passageiros
Porém, o “inchaço” em João Pessoa não vem apenas do turismo.
A cidade também foi uma das cidades que mais ganhou população no Brasil nos últimos anos, segundo o censo de 2022.
Foram 110 mil novos moradores em 12 anos (censo de 2010), um aumento de 15,3% —o maior salto entre as 20 cidades mais populosas do país.
Muitos desses novos moradores — inclusive aposentados e profissionais que podem trabalhar remotamente — conheceram a cidade em viagens, como mostram diversas reportagens da imprensa paraibana.
O estrondo tarde
Se os atrativos naturais de João Pessoa sempre existiram, por que só nos últimos anos é que estrondo turista?
Na visão do ex-secretário de Turismo da capital paraibana Roberto Brunet (2012-2014), o atraso se deve principalmente à falta de prioridade nas políticas públicas estaduais e municipais do setor, em comparação com outros destinos nordestinos próximos.
É como se João Pessoa tivesse se deixado ofuscar por cidades historicamente maiores, como Recife, ou tivesse visto pela primeira vez uma oportunidade de crescimento no turismo, como Natal, que encheu as paredes e folhetos das agências de turismo com fotos do famoso Morro do Careca desde a década de 1990.
“A cidade não tinha visibilidade” e “o turismo era regional”, avalia Brunet, que também é ex-presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) e empresário do setor.
Vale lembrar também que João Pessoa lutou durante muito tempo para ganhar destaque dentro da própria Paraíba.
Até meados do século XX, Campina Grande tornou-se a cidade mais populosa do Estado e manteve forte influência política e comercial na região.
Na década de 1990, quando Brunet tinha uma agência em João Pessoa, eram muito populares os passeios de um dia para turistas que estavam hospedados em Natal ou Pipa, no Rio Grande do Norte, e em Recife e Porto de Galinhas, em Pernambuco.
O que vemos hoje, na avaliação da professora Adriana Brambilla, é João Pessoa atingindo “um novo patamar”, consequência de diversos fatores, como uma campanha de marketing bem executada pelo setor público, que passou a vender melhor o destino, e o avanço do setor privado, especialmente na área da construção civil.
Para o ex-secretário de Turismo Brunet, a capital paraibana também conseguiu aproveitar, principalmente após a pandemia da Covid-19, um movimento comum no mercado turístico em qualquer lugar do mundo: o fator novidade.
“As pessoas cansam de repetir destinos turísticos. E, nesta região do Nordeste, só se concentrou em Pipa, Porto de Galinhas, Maceió, Fortaleza e Natal”, diz Brunet.
“Aí surge uma cidade como João Pessoa, com potencial turístico e gastronômico, como uma novidade no mercado nacional. Hoje só se fala aqui”, completa.
O papel das redes sociais também é visto como fundamental. Entre os turismólogos, dizia-se que, em média, para cada visitante satisfeito com uma cidade visitada, seis pessoas eram afetadas pelo relatório no regresso a casa.
“Agora, com as redes, isso se multiplica por milhares”, diz o professor Brambilla, da UFPB.
Da Parahyba a João Pessoa
O nome da capital da Paraíba, que antes de 1930 era Parahyba, é tema de discussão.
Para alguns, o nome anterior deveria ser retomado, como forma de resgatar a identidade local.
A mudança ocorreu após o assassinato do governador paraibano João Pessoa, em 1930, em Pernambuco – episódio considerado um estopim para a tomada do poder por Getúlio Vargas, que tinha João Pessoa como candidato a vice em sua chapa.
Em dezembro de 2024, porém, a Assembleia Legislativa da Paraíba aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que oficializou o nome da capital como “João Pessoa”, em substituição ao plano de realização de plebiscito sobre o tema.
A nova redação, lida como forma de encerrar a discussão sobre a mudança do nome da capital, entrou em vigor na sexta-feira (01/03).
Aprender com os erros?
É num cenário de rios, mata atlântica e falésias à beira-mar que construções de escala monumental começam a surgir no horizonte de João Pessoa.
São parques aquáticos, resorts, shoppings e uma roda gigante que vão lotar o até então pouco explorado extremo sul da capital paraibana, onde fica o ponto mais oriental da América continental.
É o chamado Polo Turístico de Cabo Branco, projeto atual do governo da Paraíba inspirado em um plano do final da década de 1980 e chamado de “maior complexo turístico planejado do Nordeste”.
O governo e os empresários venderam o projeto como sustentável, preservando áreas florestais.
Os pesquisadores, porém, alertam sobre os impactos socioambientais, como diminuição da vegetação nativa, assoreamento de rios e impactos nas comunidades pesqueiras.
“João Pessoa está adotando um turismo predatório e arcaico”, diz um artigo na Revista Brasileira de Ecoturismo.
Mas se os impactos do novo hub serão sentidos mais com o seu funcionamento, o fato é que a cidade já percebe impactos no trânsito e nos preços, seja pelos novos moradores ou pelo movimento turístico.
“Estamos vivendo um congestionamento que nunca havíamos vivido antes. Tem dias que fico quase uma hora no trânsito em um trajeto que demorava 15 minutos”, relata a professora Adriana Brambilla.
Em nota, a prefeitura de João Pessoa disse que investiu em novas vias e em sistema de ônibus rápido (BRS).
Em 2024, João Pessoa também foi a segunda capital do país com maior valorização imobiliária, com 16,13%, atrás apenas de Curitiba, segundo o índice FipeZap. Mas os imóveis à beira-mar em João Pessoa continuam mais baratos do que em cidades como Fortaleza, que continua atraindo investidores e turistas.
“O estrondo É ótimo para a cidade, melhorou a autoestima da população, mas também é preocupante. É claro que houve inflação no custo de vida aqui, no imobiliário, na alimentação. Também vimos um aumento na prostituição e no tráfico de drogas. O poder público tem que atuar em conjunto para combater tudo o que vem com o turismo”, afirma o ex-secretário Roberto Brunet.
“Este é um momento de trabalhar com profissionalismo para que esse turismo não seja passageiro e predatório”, acrescenta o empresário, destacando que João Pessoa teve a chance de aprender com os erros dos destinos vizinhos.
Apesar das reclamações sobre as mudanças bruscas na rotina da cidade provocadas pelo turismo de massa, a professora Adriana Brambilla afirma não ver sinais de “turismofobia“, que em 2024 ganhou as manchetes em todo o mundo com o protestos feitos por residentes de cidades espanholas ocupadas por visitantes.
“Mas é o que costumo dizer: a cidade só serve para o turismo se continuar sendo boa para a população”, finaliza o professor.
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