O ano era 2019. Diana Wiebe percorreu o mídia socialquando ele encontrou um influenciador promovendo ferros de ondulação a frio.
“Eram estilistas que você podia usar para dormir à noite, com a promessa de acordar com lindos cachos”, conta ela à BBC.
Esse foi um dos muitos produtos que ela foi influenciada a comprar TikTok. Mas, como acontece com muitos outros, como cremes para cabelo e esfoliantes faciais, ela rapidamente percebeu que não precisava disso.
“Honestamente, o modelador realmente perturbou meu sono e não consegui passar uma noite com ele”, segundo Wiebe. “Meu cabelo é naturalmente ondulado e acho que o modelador não ajudou muito.”
Wiebe mora em Ohio, no Estados Unidos. Agora ela mesma é uma influenciadora, mas com um diferencial. Ela tenta “desinfluenciar” seus seguidores para que não comprem produtos desnecessários.
O criador do conteúdo possui mais de 200 mil seguidores no TikTok. Em seus vídeos diários, ela faz perguntas na plataforma como “você queria aquele produto antes de ser oferecido a você?”.
Ela também lembra aos seguidores que grandes quantidades de compras por mês ou semana – as chamadas “hauls” em inglês – não são normais.
A cultura Haul é um tipo específico de conteúdo de mídia social originado no YouTube. Nele, os criadores apresentam uma grande quantidade de compras (geralmente roupas) aos seus seguidores.
Wiebe faz parte de um movimento que vem crescendo desde 2023. Ela rejeita a cultura tradicional dos influenciadores.
A tendência explodiu no TikTok, com a hashtag #deinfluenciando alcançando mais de um bilhão de visualizações.
Ao lado de outras hashtags que pedem “redução do consumo” e “consumo consciente“, os desinfluenciadores compartilham mensagens importantes como “o moda moda rápida não vai deixar você estiloso” e “consumo baixo é consumo normal”.
Ao entrarmos em 2025, Wiebe acredita que a onda cultural está a mudar e que já atingimos o “pico de influência”.
Para Wiebe, “alguns conteúdos de influenciadores são simplesmente ‘iscas de ódio’”. Ela se refere à prática conhecida como “isca de raiva” – postar conteúdo na internet para incitar a raiva das pessoas e gerar opiniões.
“As pessoas fazem coisas ridículas como pegar suas garrafas de água, colocar uma bandeja de salgadinhos e encher de Taco Bell ou algo parecido”, descreve ela, destacando criadores de vídeos que mostram suas canecas térmicas equipadas com acessórios desnecessários.
O TikTok se tornou o aplicativo padrão para influenciadores. Mas, devido à sua futuro incerto nos Estados UnidosWiebe acredita que este é o momento de mudança.
“Não sei qual será o futuro do TikTok, mas o tipo de trabalho de influenciador que vemos lá não existe em outros aplicativos.” Ela diz que o conteúdo “haul” se tornou muito mais presente no TikTok do que em outras plataformas, como o Instagram.
Wiebe acredita que essa mudança virá de uma maior conscientização sobre as ações reais dos influenciadores. No Reino Unido já existem leis a este respeito.
“Quando comecei a notar mais anúncios na minha linha do tempo do TikTok, pensei em quanto já havia comprado nos últimos anos devido às críticas dos influenciadores”, continua ela. “De repente, percebi que tudo era publicidade, desde o conteúdo promocional pago até o compartilhamento de ‘produtos’ pelos criadores.”
“Não é como a televisão, onde você pode reconhecer o comercial. Os influenciadores parecem amigos ou familiares, porque consideramos nossos TikTokers favoritos quase como nossos conhecidos.”
A maioria das interações on-line de Wiebe são positivas, com comentários como “Eu precisava ouvir esse conselho hoje”. Mas outros questionam por que ela sente necessidade de interferir nos hábitos de consumo de outras pessoas.
Wiebe é rápida em apontar que não defende um estilo de vida “sem compras”. Ela se descreve como uma fã de “desacelerar e realmente pensar em fazer compras antes de correr”.
Seu conselho é o oposto do slogan comum dos influenciadores, que incentivam os espectadores a “correr, não andar” para comprar o produto mais recente lançado.
Abordagem consciente
Essa mesma mentalidade levou Christina Mychaskiw a adotar uma abordagem mais consciente em relação aos seus gastos. Suas postagens no YouTube, TikTok e Instagram visam ajudar as pessoas a viver vidas plenas, “sem pedir falência”.
Mychaskiw mora em Toronto, Canadá. Ela diz que aprendeu pessoalmente como os influenciadores podem ser poderosos.
“Em 2019, eu devia 120 mil dólares canadenses [cerca de R$ 504 mil] com empréstimos estudantis e ainda ia às compras todas as semanas”, diz ela. “Cheguei ao fundo do poço quando comprei um par de botas que custava mais do que meu aluguel, mesmo sabendo que não tinha dinheiro para pagar.”
A criadora do conteúdo disse à BBC que se sentiu presa em um ciclo de “Instagram vs. realidade”.
“Eu tive essa ideia de que minha vida deveria ser parecida com a minha carreira e o que meus colegas estavam fazendo.”
Este é um tópico que Mychaskiw aborda frequentemente em seu podcast. Ela responde aos ouvintes que lutam com a pressão constante para comprar e ficam desapontados quando os produtos não atendem às suas expectativas.
“As pessoas não veem mais o valor do que compram”, segundo ela. “A promessa desses produtos simplesmente não atende às expectativas. Parece que tudo está ficando cada vez mais caro, mas a qualidade é inferior e menos satisfatória”.
Mychaskiw quer evitar que as pessoas cometam o mesmo erro que ela, que inicialmente suspendeu todo consumo e passou a viver uma vida minimalistao que a deixou em um estado terrível, segundo ela.
Desde então, ela chegou a um acordo, dando-se ao luxo de vez em quando, mas lembrando-se, antes de ir às lojas, de verificar primeiro o guarda-roupa.
Mychaskiw já pagou seu empréstimo estudantil. Mas qual é o seu conselho para outras pessoas?
“Desligue o telefone. Rolar e consumir conteúdo constantemente aumenta a probabilidade de você ceder a mensagens subliminares.”
“Desligue o telefone celularcoloque os pés no chão, brinque com o guarda-roupa e use o que você já tem para criar looks divertidos. Você pode perceber que o que você tem é suficiente.”
Para a designer Lucinda Graham, consumir fast fashion constantemente não é ruim apenas para o seu financiar e para o ambientemas também pelo seu estilo pessoal.
“Pense nisso como a sua cozinha”, explica ela à BBC. “Se você cozinhar algo rápido, tudo bem, mas não vai conseguir competir com um prato que demorou mais de 48 horas para ser preparado, com cuidado e esforço.”
“O mesmo vale para o fast fashion versus um guarda-roupa cuidadosamente selecionado.”
Graham aconselha as pessoas a serem pacientes para encontrar seu próprio estilo.
“O estilo pessoal requer tempo para desenvolver e experimentar as mesmas peças”, aconselha. “Basicamente, é também uma questão de comprar o que você gosta, não o que está na moda.”
“Com os influenciadores nos convencendo a comprar roupas, estamos comprando peças que representam o estilo de vida de outra pessoa e tentando copiar sua vida, mas isso não resulta em um guarda-roupa prático”.
A técnica de Graham é estar atento às novas compras e valorizar o “envelhecimento” das roupas ao longo do tempo.
“Tenho um casaco há seis anos e adoro usá-lo”, diz ela.
“É bom ver as roupas mudando. No momento, jaquetas com zíper e calças de trabalho desbotadas estão na moda. Mas em vez de comprar essas peças em uma loja especializada em vintage, por que não deixar um desses conjuntos envelhecer naturalmente?”
Graham explica que o mesmo raciocínio se aplica às tendências da moda.
“O fast fashion nunca será autêntico”, continua ela. “Podemos olhar para a tendência ‘indie sleaze’, por exemplo. Esse visual clássico veio de pessoas que realmente viveram esse estilo de vida, não de pessoas que compraram jeans rasgados online.”
“A chave para quebrar esse ciclo e usar o que você ama é fazer compras mais intencionais, cortando pequenas compras por impulso”, finaliza Graham.
É difícil dizer se o movimento desinfluenciador já está impactando as marcas.
Saber que gigantes online como Asos, Boohoo e Pretty Little Thing têm enfrentado dificuldades, com queda na demanda e mudanças nos hábitos de consumo nos últimos anos. Mas não podemos esquecer que muitos perfis nas redes sociais ainda são inundados por influenciadores.
Em 2023, o valor estimado da indústria global de marketing de influência foi de US$ 21,1 bilhões (cerca de R$ 127 milhões) – mais que o dobro de 2019.
Aja Barber é autora do livro Consumed: On Colonialism, Climate Change, Consumerism and the Need for Collective Change.
Para ela, como a criação de conteúdo ainda é considerada uma carreira em ascensãoainda não atingimos o “pico de influenciadores”. Ela acredita que o movimento desinfluenciador é útil, mas que o diálogo precisa ser offline, para mudar o comportamento de consumo das pessoas.
Barber também é editor colaborador da revista Elle. Para ela, todos temos um papel nesse processo.
“Desde os proprietários de empresas bilionárias até os influenciadores e até nós, consumidores”, explica ela à BBC. “Um funcionário dos correios me contatou nas redes sociais e disse que entregou 17 pacotes Shein em uma casa ao longo de um mês.”
Estimativas indicam que mais de 100 bilhões peças de roupa são produzidos anualmente em todo o mundo. Mais da metade deles acaba em aterros sanitários após 12 meses.
As roupas indesejadas são frequentemente exportadas para países de África e da Ásia, onde até 40% delas podem ser descartadas e não revendidas. As instituições de caridade afirmam que este processo aumentou a poluição da água e os riscos para a saúde.
Já se passou quase um século desde a década de 1930, quando as mulheres possuíam cerca de 60 peças de roupa e compravam cinco peças novas a cada ano.
Refletindo sobre a amplitude das mudanças, Barber afirma que “o objetivo é vender o maior número possível de produtos”.
“Precisamos nos conscientizar dos danos que os indivíduos estão causando com a ideia de que podemos simplesmente consumir cada vez mais sem impactos negativos. Isso não é verdade”.
Leia o versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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